Repatriação é incapaz de substituir CPMF: retorno pode frustrar governo em R$ 100 bilhões

Considerando-se um universo de US$ 200 bilhões e o valor da alíquota fixado em 30%, em uma taxa de eficácia generosa de 10%, ter-se-ia um retorno estimado na casa dos US$ 6 bilhões

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Existe muita esperança política e pouca realidade nas expectativas de arrecadação por parte do governo com relação à nova lei de regularização de ativos não declarados no exterior – a tal da “repatriação”, projeto polêmico aprovado por 230 votos a favor e 213 contra na noite de ontem pelo plenário da Câmara dos Deputados. A leitura é de Jorge Marcelino, doutor em Direito e Ciência Política e especialista em questões referentes a paraísos fiscais e repatriação de ativos mantidos por correntistas em outros países.

Enquanto autoridades da Fazenda e do Planalto esperam engordar os cofres públicos com algo entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões através da aplicação de uma alíquota de 30% sobre os recursos e suprimir a difícil necessidade da recriação da CPMF – com receita estimada em R$ 32 bilhões -, a experiência internacional aponta para resultados bem menos atraentes do ponto de vista financeiro no curto prazo. A criação de programas de autodenúncia voluntária são uma tendência mundial, conforme aponta relatório recente divulgado pela OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O estudo coloca na mesa as leis criadas em 47 países e permite um comparativo mais preciso sobre as regras estabelecidas por cada país – o que torna mais claras também algumas distorções no projeto brasileiro.

“É uma coisa boa e que precisa ser feita. Sua necessidade é indiscutível. Muitos países já adotaram essa política e estava na hora de o Brasil fazer. Agora, a sensação de que o projeto da regularização de ativos pode vir como substitutivo à CPMF, como reforço de caixa imediato, não condiz com a realidade. Isso funciona a médio prazo para auxiliar outros processos de combate à evasão fiscal, mas não como programa arrecadatório de curto prazo que vá solucionar um problema de caixa. Acho temerário, imprevisível”, alertou Marcelino em entrevista ao InfoMoney. O especialista faz referência a um estudo feito pelo seu colega Nicolas Melot em parceria com Fanny Karaman e Shryl Shah, que jogam luz sobre alguns resultados obtidos com o programa nos Estados Unidos e na França.

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Na maior economia do mundo, contam os pesquisadores, o Departamento de Estado encontrou, em 2000, US$ 4,8 trilhões mantidos por cidadãos em contas offshore. Oito anos mais tarde, investigações mostraram que o país perdeu US$ 100 bilhões em imposto sobre a renda anual. Os avanços das apurações culminaram na criação de um amplo programa de colaboração internacional de informações bancárias de correntistas – o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act) -, que posteriormente deu abertura a sucessivos programas de voluntary disclosure em que os correntistas com recursos não declarados no exterior prestavam contas às autoridades fiscais em troca de anistia para irregularidades cometidas relacionadas às práticas de sonegação fiscal e evasão de divisas. Até junho de 2014, um total de 45 mil contribuintes aderiram ao programa e US$ 6,5 bilhões foram arrecadados – o que mostra como é baixa a eficácia do projeto, mas não exclui sua importância.

“A política de intercâmbio de informação é o instrumento mais efetivo que temos para combater a evasão fiscal, mas ainda estamos em fase de implementação, já que se trata de uma mudança radical das estruturas fazendárias de todos os países envolvidos”, analisa Marcelino. Para ele, os programas de autodenúncia voluntária caminham no mesmo sentido, mas devem integrar planos mais amplos de combate a crimes que ultrapassam as fronteiras. “O contribuinte acaba tendo esse acordo de anistia como uma disposição paralela a uma legislação que pode trazer problemas maiores para ele. De uma mão, tem-se o enrijecimento de políticas de intercâmbio de informação e maior possibilidade de ser descoberto, enquanto, em outra mão, tem-se um programa auxiliar que acelera os resultados do principal”.

Tal integração não se faz visível para o especialista no caso brasileiro. Por aqui, o projeto de regularização combinado à anistia navega de maneira solitária e surge como um esforço de arrecadação mais simples que a aprovação de impostos e o aumento da tensão de uma corda já esticada do lado da sociedade civil. “No ambiente político, existe certo imediatismo em relação às medidas. O esforço a médio prazo para a regularização de ativos seria infinitamente mais bem sucedido se focássemos nas políticas de intercâmbio de informação. Da mesma forma que a informação sai do Brasil, ela volta em acordos bilaterais. A gente pode desenvolver isso com uma série de países. Mas vejo que essa não é uma agenda prioritária. Essa lei é importante, mas acessória. Ela não é o instrumento principal”, argumentou Marcelino.

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O especialista defende que um projeto mais amplo de colaboração internacional ajudaria o país, no longo prazo, a ter mais condições de combater os crimes de evasão de divisas e sonegação fiscal, mitigando os valores anualmente perdidos pelos cofres públicos através de impostos não cobrados por conta do desconhecimento de recursos. No presente, as expectativas são de grandes frustrações com relação ao que o governo pretende arrecadar. “Existem alguns defensores que acreditam que isso pode ter uma arrecadação significativa. Olhando números e dados compilados por organismos internacionais e em contato com economistas, vejo que historicamente não foi tão significativa a arrecadação. É provável que haja uma frustração. Qualquer estimativa é uma especulação. A gente não consegue ter bases concretas disso – nem sobre quanto o Brasil perdeu com isso”, disse.

Enquanto o tributarista e professor titular da USP Heleno Torres, quem trabalhou ativamente na construção do primeiro projeto de repatriação e participou de diversas discussões a respeito em Brasília, estima arrecadação na casa dos R$ 70 bilhões, o cálculo sugerido por Marcelino aponta para um viés mais pessimista. Antes, também é importante levar em consideração que o projeto da regularização de ativos no exterior prevê uma janela de 210 dias – ou seja, não cria uma fonte de arrecadação recorrente que garanta a recuperação das contas públicas a médio e longo prazos.

Aplicando uma hipótese ancorada nos resultados americanos, tem-se o seguinte cenário: considerando um universo de US$ 200 bilhões de recursos brasileiros de origem lícita e o valor da alíquota fixado em 30% (prevista no projeto de lei, desconsiderando-se a defasagem do dólar fixado para dezembro de 2014 pelo mesmo texto), em uma taxa de eficácia considerada generosa nesse projeto, de cerca de 10%, ter-se-ia um retorno estimado na casa dos US$ 6 bilhões – que equivalem a R$ 22,62 bilhões com base na cotação do dólar comercial de ontem. Se o cenário se confirmasse, o montante ficaria R$ 9,4 bilhões abaixo do que se espera arrecadar com o imposto sobre o cheque. Mas, para Marcelino, nada impede que o valor recuperado pelo governo seja ainda menor.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.