Renda Brasil: O que se sabe sobre o programa e quais são os efeitos políticos para Bolsonaro?

Com o auxílio emergencial ganhando sobrevida de 2 meses, o governo acelera a discussão do novo programa de renda mínima, de olho em dividendos políticos

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A pandemia do novo coronavírus e seus impactos econômicos e sociais trouxeram ao centro do debate o desenho de um novo programa de renda mínima no Brasil – ainda que com um quadro fiscal ainda mais desafiador pelo mergulho da economia e pela expansão dos gastos públicos observada ao longo do ano.

Com o auxílio emergencial de R$ 600 ganhando mais duas parcelas (e acumulando um custo na faixa de R$ 250 bilhões), o governo Jair Bolsonaro acelera a discussão do Renda Brasil, de olho na pressão pela manutenção do benefício já pago a quase 65 milhões de pessoas e em seus potenciais efeitos sobre os níveis de aprovação do governo, mas também evitando a construção de despesas permanentes no orçamento público.

O programa Renda Brasil busca trazer uma remodelagem e ampliação do Bolsa Família, além da incorporação de outros benefícios sociais em vigor para aumentar a base de beneficiários e os valores pagos por mês. O objetivo do governo é utilizar o período de prorrogação do auxílio emergencial como uma transição para o início do programa.

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O modelo em discussão pela equipe econômica abrangeria um universo de 57,3 milhões de pessoas (o equivalente a 18,6 milhões de famílias), que receberiam, em média, R$ 232,31 mensais. O programa é estimado em R$ 51,7 bilhões anuais. Os valores e a abrangência, porém, dependem da verba que o governo conseguirá remanejar.

Hoje, o Bolsa Família atende a 41 milhões de pessoas (13,2 milhões de famílias) a um custo médio de R$ 190,16. O impacto anual do programa é de cerca de R$ 32 bilhões.

Há um esforço da equipe econômica em manter o pagamento de valor o mais próximo possível da última parcela do auxílio emergencial, mas sem que haja novo impacto fiscal. O objetivo é respeitar o teto de gastos, que impede um crescimento das despesas públicas acima da inflação – no caso do enfrentamento à pandemia, a emenda do “Orçamento de guerra” abriu um grupo excepcional de despesas fora desta regra.

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A ideia seria criar o novo programa a partir de recursos do Bolsa Família e de benefícios avaliados como de menor eficiência, apenas com remanejamento orçamentário.

Nesse sentido, discute-se nos bastidores a possibilidade de inclusão de benefícios como o abono salarial, pago ao fim do ano, como uma espécie de 13º salário, a trabalhadores que recebem em média até dois salários mínimos mensais. Também fazem parte da lista em avaliação o seguro-defeso, destinado a pescadores artesanais em período do ano, e o salário família, pago a trabalhadores de baixa renda que têm filhos com até 14 anos ou com deficiência.

“Como o desemprego vai aumentar, esperamos aumento da pobreza também. A ideia é remanejar recursos orçamentários. Vamos fazer uma grande discussão sobre quais programas não são bem avaliados. É passar um pente-fino nos programas que não são bem avaliados e concentrar no Renda Brasil. Preserva recursos públicos e, ao mesmo tempo, melhora a situação da população mais pobre”, afirmou o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida em entrevista ao jornal O Globo sem mencionar os programas em avaliação.

O time de Paulo Guedes deseja discutir o Renda Brasil simultaneamente à reforma tributária. A ideia seria conseguir mais espaço fiscal a partir da reorganização do sistema para focalizar recursos ao novo programa. Neste campo, há o interesse em incluir à pauta a questão das deduções do Imposto de Renda, o debate sobre IR negativo e a desoneração de determinados produtos da cesta básica.

Membros da equipe econômica têm dito, ainda, que o Renda Brasil deverá ter um mecanismo de “rampa de acesso social”, incluindo medidas de estímulo à inserção dos beneficiários no mercado de trabalho, sobretudo a partir da criação de novas modalidades de contrato de trabalho, com menos encargos aos empregadores.

Um dos caminhos em discussão é a criação da nova Carteira Verde Amarela digital, que deverá permitir o registro por hora trabalhada de serviços prestados pelo trabalhador para vários empregadores, sem cobrança de encargos trabalhistas, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e da contribuição previdenciária.

A ideia de Guedes é adotar um modelo de imposto de renda negativo, sistema pelo qual as pessoas recebem pagamentos suplementares do governo em vez de pagar impostos. Uma das possibilidades é uma alíquota de 20%. Ou seja, se o trabalhador ganhar R$ 500, o governo completa com mais R$ 100.

“O Bolsa Família foi uma fusão de três ou quatro programas. Ora, podemos fazer o mesmo. Vamos focalizar dois ou três programas e criar a renda de cidadania, o Renda Brasil, acima desse nível que está aí, e ao mesmo tempo vamos criar o Verde Amarelo”, afirmou o ministro em cerimônia no Palácio do Planalto na semana passada.

“O Verde Amarelo são esses 30 milhões de brasileiros que estão por aí rodando e só querem o direito de trabalhar sem serem impedidos pelo governo. Porque quando você coloca muitos impostos sobre folha de pagamentos, o que acontece é o desemprego em massa. O que estamos fazendo é criar um universo onde vamos dignificar o trabalho, criar uma rampa de ascensão social. Qualquer brasileiro que cair recebe o Renda Brasil, mas ele tem o direito de se levantar e começar a trabalhar a qualquer salário que ele consiga até chegar de novo à CLT”, complementou.

Dividendos eleitorais

Há uma avaliação no meio político de que os índices de aprovação do governo Jair Bolsonaro foram beneficiados pelos efeitos do auxílio emergencial de R$ 600 e que o presidente poderia experimentar uma mudança no perfil da sua massa de apoiadores ao longo do tempo, sobretudo com a implementação do Renda Brasil.

Para uns, Bolsonaro poderia até repetir a estratégia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pressionado pelo Mensalão reorganizou seu governo e colheu bons frutos de uma agenda de programas sociais como o Bolsa Família. Outros acreditam que é cedo para tais projeções.

“Há um problema fundamental nessa analogia. O Bolsa Família começou a ser planejado em 2004 e quando iniciou em 2005 já havia cadastrado 5,5 milhões de famílias miseráveis. O programa virou exemplo internacional por ter conceito e método”, observa o analista político Thomas Traumann.

Ele lembra a pouca atenção que Bolsonaro dava a essa camada da população antes da pandemia, com tentativas de terminar com programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o abono salarial.

Também contam contra o presidente as esperadas dificuldades de implementação do Renda Brasil, tendo em vista as experiências com a fila de aposentadorias no INSS e as diversas fraudes registradas no auxílio emergencial. O contexto econômico é outra pedra no sapato, já que a crise atual difere do quadro que Lula experimentou em boa parte de sua gestão.

Do lado das pesquisas, o Datafolha mostra que, em um ano, os eleitores com renda superior a dez salários mínimos que consideram o atual governo ótimo ou bom saíram de 52% para 34%. No mesmo intervalo, caiu em 4 pontos percentuais o grupo de apoiadores na faixa entre cinco e dez salários mínimos.

Por outro lado, entre a faixa de menor renda (até 2 salários mínimos), o percentual  dos que avaliam positivamente a atual gestão oscilou positivamente de 27% para 29%, chegando a marcar 22% no vale de dezembro e 31% no pico de maio deste ano.

Dividindo geograficamente o eleitorado, nota-se que os apoiadores da região Sul se mantiveram em 42%, com oscilações negativas ao longo do período.

Já no Nordeste, as avaliações positivas do governo oscilaram de 25% para 27% no mesmo intervalo, tendo atingido a marca de 29% no mês passado.

Considerando a totalidade do eleitorado, a aprovação de Bolsonaro foi de 33% para 32% no período. Vale ressaltar que, em função da pandemia do novo coronavírus, o instituto passou a realizar pesquisas telefônicas, o que pode dificultar comparações.

Já as pesquisas XP/Ipespe, sempre conduzidas por telefone, mostram pouca variação na participação dos eleitores mais pobres sobre o grupo de apoiadores do presidente ao longo do tempo, embora a fotografia geral seja mais negativa para o governo.

O levantamento mostra que a aprovação do governo saiu de uma média de 33,25% antes da pandemia para 28,13%. Considerando a média de apoiadores com renda superior a 5 salários mínimos, a queda foi de 40% para 29,13%. Já entre aqueles com renda inferior a 2 salários mínimos, o recuo foi de 29,38% para 25,88%.

“Não encontramos evidência de grande diferença de aprovação ao governo entre os que se beneficiam ou esperam se beneficiar do auxílio emergencial de R$ 600”, observa o analista político Victor Scalet, da XP Investimentos.

“No entanto, vimos que, ao longo do tempo, houve uma piora proporcionalmente maior na avaliação positiva e negativa do presidente entre brasileiros com renda mais alta do que entre aqueles com renda mais baixa”, complementa.

Analistas argumentam que é difícil separar os efeitos de cada variável em um período marcado pela pandemia da covid-19, demissões dos ministros Luiz Henrique Mandetta, Sérgio Moro, Nelson Teich e Abraham Weintraub e uma série de atritos com os Poderes.

No entanto, a avaliação é que até o momento o auxílio emergencial não teria sido uma “bala de prata” para o governo – embora tenha ajudado a evitar uma esperada erosão do capital político do presidente, sobretudo junto às camadas que mais sofrem com efeitos da pandemia.

Os dados do Ipespe mostram que a proporção de eleitores com renda de até 2 salários mínimos na base bolsonarista oscilou de uma média de 46% antes da pandemia para 48%. Já a participação média daqueles com renda superior a 5 salários mínimos foi de 19% para 17%.

No Datafolha, a variação é maior, com a participação da faixa de menor renda saltando de uma média de 34% antes da pandemia para 52%. Todos os outros grupos reduziram participação. Entre os eleitores com renda superior a 10 salários mínimos, a oscilação foi de 5% para 4%. Dos com renda entre 5 e 10 salários, caiu de 12% para 8% em média. Já entre aqueles que recebem entre 2 e 5 salários, o tombo foi de 46% para 30% na participação.

O infográfico abaixo destaca as diferenças entre o que foi registrado por cada instituto:

A pesquisa de opinião Quaest, realizada de forma online e publicada no site Jota, aponta o auxílio emergencial como instrumento que pode ter evitado uma maior desidratação de Bolsonaro no curto prazo, mas com baixo potencial sobre a intenção de voto.

“Enquanto 54.95% dos não beneficiários avalia o presidente negativamente, esse número cai -8.42 pontos percentuais entre beneficiários, o suficiente para haver uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos”, observaram os cientistas políticos Felipe Nunes e Cesar Zucco em publicação no site.

Os especialistas também lembram que o impacto fiscal torna ampla a possibilidade de o benefício ser interrompido ou reduzido – o que a literatura indica que pode acarretar perda maior de popularidade do que qualquer ganho observado com sua introdução.

Para o cientista político Vítor Oliveira, diretor da consultoria Pulso Público, o auxílio emergencial teve impactos sobre a aprovação de Bolsonaro, mas é preciso separar os efeitos de curto prazo de consequências mais duradouras de possível transformação na base de apoio do governo junto ao eleitorado.

“Isso não significa um realinhamento eleitoral nos moldes que André Singer falava sobre o lulismo. É um processo muito pontual de curto prazo, que pode se solidificar se o governo tiver uma inflexão na política econômica, nas políticas sociais e na comunicação. A própria perda de apoio na classe média pode ser uma questão temporária”, observa.

Desafios políticos

Do ponto de vista político, há uma série de desafios até a implementação do Renda Brasil, que passam pelo formato do novo programa, sua viabilidade fiscal e execução, a falta de tempo para discussão e os obstáculos dentro do próprio governo e no Congresso Nacional.

[Essa política] Casa com o que o ‘centrão’ quer e com o que querem os militares, mas não com o que deseja Paulo Guedes. Então, não vejo o governo talvez preparado para surfar essa onda”, pontua Oliveira.

Também há preocupações com a redução dos valores repassados por mês e do grupo de beneficiários, em um momento em que os efeitos sanitários, econômicos e sociais do novo coronavírus ainda deverão ser sentidos.

“O governo espera reduzir pressões para dar continuidade ao pagamento do auxílio emergencial de R$ 600. Entretanto, como há muitos trabalhadores informais que deixarão de receber o auxílio e não deverão se enquadrar no Renda Brasil, a pressão deve prosseguir”, observam os analistas da consultoria Arko Advice.

“Como será preciso autorização legislativa para implementar tais mudanças, o risco para o governo é alto. Isso porque, com o adiamento das eleições para novembro e o pagamento extra do auxílio terminando em setembro, o governo pode se ver obrigado a fazer concessões nessa área”, complementam.

Para evitar pressões e possíveis derrotas, o governo terá de correr contra o tempo para fechar o texto, fomentar as discussões no Congresso Nacional e construir apoio a uma versão do seu interesse ainda durante a vigência do auxílio emergencial. Também são desafios a mudança nos valores repassados e o convencimento de parlamentares da extinção de alguns programas.

“Vai ser um desafio grande para o governo formular, votar e implementar o programa em um período tão curto. O risco passa a ser que o Congresso comece a discutir a prorrogação do auxílio emergencial por mais algum período”, pontua o analista político Paulo Gama, da XP.

Não se espera vida fácil para o governo no debate com os parlamentares. Em entrevista concedida à GloboNews no último domingo (5), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou o Renda Brasil como “mais do mesmo”.

Para ele, o programa apenas unifica benefícios e não cumpre o papel de garantir a “mobilidade social” dos mais pobres.

“O Renda Brasil é mais do mesmo. É unificar o que já existe de programa, ampliar o valor médio de R$ 180 para R$ 230 e manter isso como programa de transferência de renda. Nós precisamos ir além do programa de transferência de renda. Precisamos ter uma parte de recurso de transferência para garantir que nenhum brasileiro fique abaixo da linha da pobreza e somar isso a uma variável que a gente estimule a mobilidade social das famílias”, disse.

Maia defende que, além de transferência de renda, o governo também deve oferecer “prêmios” à população de baixa renda que cumprir algumas etapas da organização familiar para aprimoramento dos estudos e inserção no mercado de trabalho, por exemplo.

Na avaliação do deputado, a exigência de matrícula de filhos na escola para recebimento do Bolsa Família, que existe desde 2004, não ajudou os mais pobres a avançarem socialmente.

“A transferência de renda apenas tira as famílias da extrema pobreza. A discussão que devemos começar a fazer é como garantimos mobilidade social, como garantimos um prêmio a essas famílias quando o filho termina o ensino fundamental, quando um pai volta a estudar, quando uma família consegue terminar sua habitação”, comentou.

Caso queira evitar a pressão por novas prorrogações do auxílio emergencial, Bolsonaro terá de avançar rápido com o texto e implementar o novo programa em dois ou três meses.

Outro desafio reside no próprio campo fiscal. Conforme noticia o jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (9), o governo deverá ter dificuldades para remanejar recursos orçamentários para lançar o Renda Brasil ainda em 2020.

A publicação mostra que, dos R$ 20 bilhões previstos para o abono salarial, mais de R$ 14 bilhões já foram desembolsados. Além disso, o calendário do pagamento é defasado, o que amplia o compromisso de mais gastos já assumidos pelo programa em curso.

Uma das alternativas em estudo seria o uso do atual Bolsa Família na reformulação. Em função da pandemia, dos R$ 32,5 bilhões reservados para este ano, até o momento menos de R$ 8 bilhões foram pagos, já que a maioria dos beneficiários está recebendo o auxílio emergencial. Há, porém, dúvidas sobre a legalidade desta operação.

(com Agência Estado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.