Relatório da PEC dos Auxílios traz impacto de R$ 38,75 bilhões e estado de emergência

Texto representa nova ofensiva de Jair Bolsonaro a 3 meses das eleições e marca mudança de rota em relação ao plano inicial com a PEC dos Combustíveis

Marcos Mortari

(Marcos Oliveira/Agência Senado)

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O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) protocolou, nesta quarta-feira (29), seu relatório para a agora chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Auxílios. A expectativa é de votação em plenário do Senado Federal no mesmo dia.

O texto representa a nova ofensiva do governo Jair Bolsonaro (PL) a menos de 100 dias das eleições e marca uma mudança de rota em relação à ideia inicial com a PEC 16/2022, que previa compensações pelo governo federal a estados que zerassem o ICMS sobre óleo diesel e gás de cozinha.

A chamada PEC dos Combustíveis previa um auxílio financeiro de até R$ 29,60 bilhões aos estados que aceitassem: 1) zerar a alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) cobrada sobre o óleo diesel e o gás de cozinha; 2) reduzir para 12% a alíquota do tributo sobre o etanol hidratado.

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A ideia havia sido anunciada às pressas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em comunicado à imprensa, três semanas atrás, no Palácio do Planalto. Em meio às resistências entre parlamentares e governadores ao plano e aos riscos de judicialização e de menor efetividade na redução de preços dos combustíveis ao consumidor, o mandatário recuou.

O substitutivo mantém apenas a previsão de compensação financeira à cadeia produtiva do etanol, na tentativa de possibilitar a competitividade desse produto frente ao diesel e à gasolina. O impacto fiscal estimado para esta medida é de R$ R$ 3,8 bilhões. Os outros pontos da PEC 16/2022 foram deixados de lado.

No lugar da zeragem de ICMS, o relatório inclui um aumento de R$ 200,00 nos repasses mensais do Auxílio Brasil (programa que substitui o Bolsa Família desde dezembro de 2021), que passariam a uma média de R$ 600,00 – mesmo patamar do auxílio emergencial no período mais crítico da pandemia de Covid-19. E ainda a zeragem da fila de beneficiários do programa, com 1,6 milhão de famílias incluídas. O custo, neste caso, seria de outros R$ 26 bilhões.

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A proposta também passará a contar com um reajuste do auxílio-gás, de modo a garantir o equivalente em dinheiro ao valor de compra de um botijão a cada dois meses para um público de 5,86 milhões de famílias, a um custo de R$ 1,05 bilhão.

O texto também trata da criação do “voucher caminhoneiro”, para o abastecimento de diesel, no valor de R$ 1.000,00, para transportadores autônomos, com valor estimado em R$ 5,4 bilhões. Para definição do público beneficiário, será utilizado o Registro Nacional do Transportador Rodoviário de Carga (RNTRC), administrado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Serão contemplados somente os trabalhadores cadastrados até 31 de maio.

Há ainda compensação para gratuidade no transporte coletivo para idosos, além do repasse para os sistemas de transporte público semi-urbano, inclusive o existente entre municípios da mesma Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (RIDE). O custo destes itens é estimado em R$ 2,5 bilhões.

Todas as medidas valem apenas até o final de 2022.

Com isso, a PEC dos Auxílios vai prever autorização para despesas de R$ 38,75 bilhões fora do teto de gastos. Como forma de conciliar as despesas com as regras fiscais vigentes, o texto deverá reconhecer o estado de emergência em decorrência dos preços de combustíveis. Os efeitos, neste caso, ficariam restritos às medidas previstas na Proposta de Emenda à Constituição.

“A edição de novos programas é possível, desde que presentes as condições que justifiquem estado de calamidade ou de emergência. Não se trata de medida casuística. Ao contrário, o voucher para os transportadores de cargas é a resposta mais adequada ao problema e encontra paralelo em medidas recém-criadas em outros países”, afirmou o relator Fernando Bezerra Coelho.

Os efeitos do reconhecimento de estado de emergência, conforme pontuou o parlamentar, ficarão circunscritos aos valores e medidas contidos no próprio substitutivo. “Ele não vai ser uma porta aberta para a realização de novas despesas”, defendeu em coletiva de imprensa nesta manhã.

O senador, que foi líder do governo na casa legislativa até dezembro de 2021, anunciou que seu substitutivo será vinculado à PEC 1/2022, e não mais à PEC 16/2022, pela maior correlação dos temas presentes no novo relatório.

“O presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) entendeu que os objetivos da PEC 16 não mais prosperavam. E, analisando a apresentação de outras matérias conexas, identificou-se que a PEC 1, subscrita pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT) e pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG), tinha mais a ver com o espírito que agora predominava no Senado Federal, que é a concessão desses benefícios”, explicou.

Conforme mostrou o jornal O Estado de S.Paulo, a mesma PEC 1/2022, no início do ano, enfrentou fortes resistências da equipe econômica, que chegou a apelidar a proposta de “PEC Kamikaze”, ao estimar impacto fiscal de mais de R$ 100 bilhões para as medidas em dois anos de vigência.

Mudança de rota

As bruscas mudanças já haviam sido antecipadas, na semana passada, pelo autor da PEC 16/2022, o senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do governo no Senado Federal. Segundo ele, houve um “receio” do Poder Executivo de que governadores não aderissem à nova redução do ICMS mesmo com as compensações oferecidas pela União.

Naquela semana, Bezerra Coelho também argumentou que, em razão de insegurança jurídica, os recursos seriam “melhor aproveitados” em benefícios destinados a públicos mais específicos.

Vale lembrar que governadores de 11 estados estão com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei Complementar 192/2022, sancionada em março, que determinou a incidência do ICMS em uma única vez, com alíquotas uniformes, em reais, sobre os preços dos combustíveis — a chamada monofasia.

Os senadores também manifestavam preocupação de que os esforços em redução de impostos não se traduzissem em redução proporcional dos preços dos combustíveis na bomba para o consumidor, o que tornaria mais efetiva uma transferência direta de recursos — além de ser considerada uma política pública mais focalizada.

Ao justificar a mudança de foco, Bezerra Coelho destacou “a crise econômica pós-Covid”, que tem provocado o agravamento da pobreza no país e aumentado o número de de famílias em situação de insegurança alimentar.

“A visão no Senado Federal é que o espaço fiscal que iria ser utilizado para zerar a alíquota do diesel e do gás de cozinha que fosse usado para conceder benefícios sociais diretos às camadas mais vulneráveis da população brasileira, tendo em vista o agravamento da crise econômica, sobretudo seus desdobramentos em relação à segurança alimentar”, afirmou.

A PEC é discutida a pouco mais de três meses das eleições, em um momento de dificuldades para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) por mais um mandato à frente do Palácio do Planalto.

A medida é apontada como nova cartada do mandatário, que corre contra o tempo para recuperar popularidade e melhorar seu desempenho nas pesquisas eleitorais. Auxiliares de Bolsonaro avaliam que a inflação elevada e a perda de poder de compra da população seriam hoje seus principais obstáculos.

As últimas pesquisas divulgadas mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém a dianteira da disputa, derrotando todos os adversários nas simulações de segundo turno e com chances de vencer no primeiro.

Com o Auxílio Brasil “turbinado”, Bolsonaro quer reduzir a vantagem de Lula na faixa com menor renda da pirâmide social e, assim, equilibrar a corrida presidencial.

Críticos ao governo, no entanto, denunciam o caráter eleitoreiro da medida patrocinada por Bolsonaro. Alguns alegam que a medida poderia esbarrar em restrições previstas na Lei Eleitoral.

A norma veda, no ano do pleito, “a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios (…) exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”. Neste caso, poderia haver questionamentos sobre a legitimidade da decretação de estado de emergência pela PEC.

Uma das formas adicionais de blindar Bolsonaro de riscos da Justiça Eleitoral foi a de fazer o plano tramitar por PEC no Senado Federal de autoria de um parlamentar, e não do próprio presidente. Por se tratar de PEC, o texto também não passa por sanção presidencial, apenas por promulgação pelo Congresso Nacional após sua tramitação.

Com esses dois movimentos, as impressões digitais de Bolsonaro estariam fora do programa, embora os benefícios eleitorais à candidatura do mandatário sejam estimados e aguardados por seu entorno.

Durante a coletiva de imprensa desta manhã, o relator Fernando Bezerra Coelho também defendeu a conformidade da PEC à legislação eleitoral. “Encontramos uma série de julgamentos que nos dá a convicção de que a ampliação de programas preexistentes não é vedado pela legislação eleitoral. Há vários julgados do TSE que deixam clara a posição da Corte”, disse.

“E a edição de novos programas, como é o caso do ‘voucher caminhoneiro’, é possível, desde que presentes as condições que justifiquem o estado de calamidade ou de emergência”, completou.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.