“Reforminha” da Previdência pode condenar governo Bolsonaro ao fracasso, diz Paulo Tafner

Em entrevista ao InfoMoney, especialista defende proposta que combine potência fiscal, combate a privilégios e maior liberdade aos entes federados. Ele diz que não há mais tempo para regras de transição suaves

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O Brasil perdeu muito tempo imerso em falsos debates e agora terá de enfrentar uma reforma ampla do sistema previdenciário, sem espaço para regras suaves de transição, caso queira evitar uma situação de colapso fiscal nos próximos anos. Essa é a leitura que faz Paulo Tafner, um dos maiores especialistas no assunto e coautor de uma das propostas analistas pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia). Ele acaba de lançar o livro “Reforma da Previdência: por que o Brasil não pode esperar”, escrito em parceria com o economista Pedro Nery.

Em entrevista ao InfoMoney, Tafner argumenta que uma proposta de reforma pouco ambiciosa poderá cobrar um preço alto ao país, que tem como agravante o fato de ter no horizonte uma das transições demográficas mais rápidas do planeta, mudando o status país jovem para idoso em apenas quatro décadas. Nesse aspecto, um dos principais desafios do governo de Jair Bolsonaro será conquistar base parlamentar suficiente para aprovar um texto com impacto consistente, evitando uma excessiva desidratação.

“Do ponto de vista de sinais e de equilíbrio macroeconômico, uma ‘reforminha’ vai condenar o governo ao fracasso. Não dá para fazer uma reforma da Previdência meia-boca. Não estou dizendo que ela tem que se completa e exaustiva como foi nosso projeto, mas tem que estar mais para isso do que uma ‘reforminha pequena’, com transição de 20 anos, com idades baixas”, defende. No mundo político, não são poucas as vozes governistas que apoiam a implementação de uma reforma previdenciária, mas com regras mais brandas.

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Para Tafner, um texto que combine potência fiscal, combate a privilégios e maior liberdade aos entes federados seria salutar. A introdução do regime de capitalização sob determinados critérios também é defendida. Na proposta em que assina em conjunto com o ex-presidente do BC Armínio Fraga e outros seis economistas, é estimada uma redução de despesas de R$ 1,3 trilhão em dez anos. O valor supera em 62% o previsto na proposta original encaminhada pelo governo de Michel Temer ao parlamento e 89% o substitutivo pronto para ser votado em plenário.

O especialista entende que a estratégia estudada pelo governo, de aproveitar a tramitação da PEC 287/16 (a reforma previdenciária enviada por Temer), é acertada, mas defende a implementação de ajustes a partir de emendas já apresentadas pelos parlamentares e novas emendas de plenário. Para Tafner, é necessário alterar regras para regimes especiais – caso das Forças Armadas e policiais militares, por exemplo –, mas as especificidades dessas categorias teriam de ser respeitadas. Na contramão de declarações recentes dadas por ministros da ala militar do governo, ele não vê resistências relevantes à reforma previdenciária nesse setor.

Confira os destaques da entrevista em dez pontos (a íntegra está no vídeo acima):

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POR QUE REFORMAR A PREVIDÊNCIA?

Há várias formas de entender e apresentar uma resposta satisfatória. Eu poderia dizer que precisamos mudar porque a sociedade não suporta mais privilégios. Outra razão é porque a Previdência hoje apresenta um déficit global de aproximadamente 5% do PIB e está sufocando os orçamentos públicos do país, da União, dos estados e dos municípios. Mas há também outro fator: precisamos mudar porque a demografia exige isso. Estamos passando por um processo de envelhecimento muito acelerado. O Brasil fará a 9ª mais veloz transição demográfica da história do planeta, fazendo com que passemos de um país jovem a um país idoso em pouco mais de 35 ou 40 anos. A Bélgica demorou 162 anos, a Suécia 150 e alguns países latino-americanos, como o Chile, vão demorar 70 anos. É preocupante. Por essas razões, precisamos fazer e fazer agora. Demoramos demais e obviamente isso exige que essa reforma seja um pouco mais ampla.

FALSOS DEBATES

Há vários anos estamos enfrentando esse processo e lamentavelmente o debate não foi adiante produzindo reformas. Isso fez com que as finanças públicas fossem sendo degradadas. Inicialmente, os governos foram reduzindo investimentos até chegar praticamente ao limite de acabar com ele. Isso foi mais grave nos governos estaduais, onde 60% da mão de obra são compostos por policiais militares e professores, categorias com aposentadorias especiais e precoces. Isso faz com que o orçamento do estado passe a ser direcionado majoritariamente para pagar aposentadorias e salários de servidores públicos em vez de voltar para a sociedade sob a forma de educação, saúde, segurança e investimentos. Esse conjunto de políticas públicas foi sendo comprimido até que se chegou ao limite. Vários estados passaram a atrasar salários, aposentadorias e pensões porque não tinham mais dinheiro.

Parte dessa responsabilidade de não termos feito essa reforma mais cedo é que enfrentamos falsos debates. Um deles foi se há ou não déficit na Previdência. É como se todos os governos mentissem a respeito do resultado previdenciário. Passamos por Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer, e todos teriam mentido, porque diziam que tinha um déficit e algumas poucas pessoas dominaram o debate insistiam que não havia.

O segundo falso debate é que bastava acabar com a corrupção que resolvia da Previdência, o que é uma bobagem. Nós temos que acabar com a corrupção, isso é uma coisa. Mas de longe [não resolve a Previdência]. São dimensões diferentes. Um é uma gota d’água e o outro é um conjunto de oceanos. Por fim, outro falso debate foi que nós tínhamos que cobrar a dívida ativa sem sequer olhar sua composição. Os principais devedores do INSS são empresas falidas. E mesmo se fosse pago, é uma vez só. É como se a gente resolvesse problema de fluxo com estoque.

Esses falsos debates acabaram por impor certa confusão na população de que não tínhamos problemas na Previdência. Acho que a percepção mudou e, nessa medida, o fato de o presidente Temer ter apresentado francamente uma proposta e enfrentado o debate ajudou.

ESQUERDA

A esquerda brasileira vive do passado, em um mundo que não existe mais. Tive a oportunidade de debater com um representante da CUT e disse: ‘alguma coisa está fora da ordem, porque você está defendendo privilégio e eu não. E você diz que sou um homem de direita e você de esquerda. Tem alguma coisa errada aqui’. Lamentavelmente, ela ainda não superou o fato de que as sociedades mudaram e o Brasil mudou. Sinto falta de um grande partido comunista, com ideias de vanguarda, de trazer uma pauta mais igualitária, que combata privilégios. Lamentavelmente, vejo a esquerda se atendo a um discurso de manutenção de privilégios – em todas as áreas. Talvez a derrota eleitoral sirva de estímulo para que revejam sua postura e tragam uma pauta que ajude o país a superar dificuldades que temos, inclusive na questão previdenciária.

A PROPOSTA DE TAFNER E SEUS PRINCÍPIOS

Nossa proposta de Reforma da Previdência não é apenas um conjunto de ideias. Preparamos não apenas um texto como apresentamos o texto legal de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) e de 4 projetos de lei complementares, que fariam essa mudança totalmente estrutural do nosso sistema previdenciário.

Definimos alguns princípios norteadores: 1) a reforma deveria ter potência fiscal. Estamos com um déficit previdenciário agregado de 5% do PIB. Temos que mudar a trajetória e progressivamente trazê-lo para próximo de 0%. 2) Respeitando que nosso país é uma república federativa, temos que dar algum grau de liberdade para que os entes subnacionais possam administrar seus sistemas previdenciários. 3) Deveríamos combater firmemente os privilégios e trazer para o sistema uma noção de equidade, reduzindo a desigualdade implícita. 4) Deveríamos abrir espaço para a capitalização. Há inúmeros trabalhos que mostram que a capitalização está imune à pressão fiscal, estimula pessoas e famílias a fazerem poupança. Essa poupança é boa para financiar investimentos, porque é de longo prazo. Nossa reforma também tem dois balizadores: não podemos fazer aumento da carga tributária e não podemos perder R$ 1,00.

DETALHES DA PROPOSTA

A demografia traz elementos suficientes para mostrar que temos que caminhar rapidamente para uma idade mínima de 65 anos com igualdade entre homens e mulheres. Não há mais razão de distinção. Outro ponto é que uma transição seja rápida, de 10 e 12 anos. Hoje não há mais possibilidade de fazer uma transição longa como havia no passado. A terceira questão é atacarmos todos os benefícios previstos no nosso sistema previdenciário. Buscamos corrigi-los. Cada um tem problemas, peculiaridades. Além do mais, existem imprecisões no texto legal em vigor que permitem excessiva judicialização. Outro tema que tratamos foi a abertura de espaço para a capitalização. Isso envolveria mexer no teto da Previdência.

Esse conjunto de medidas implicou em uma redução de R$ 1,3 trilhão da despesa previdenciária em um horizonte de dez anos, contra R$ 800 bilhões da PEC 287 em sua versão original. Precisamos de um impacto desse tamanho para ajudarmos na correção do nosso problema fiscal.

CAPITALIZAÇÃO

Propomos uma mudança de teto progressiva, reduzindo da área de repartição e abrindo a cunha para a capitalização. A capitalização foi proposta para aqueles nascidos a partir de 2014. A ideia é manter sempre um sistema híbrido (que combine repartição e capitalização), porque entendemos que o Brasil é um país com enorme pobreza e desigualdade. Metade da força de trabalho está na informalidade, não faz sentido aplicar um regime puro de capitalização. Os países que tentaram isso voltaram atrás. Temos que ter o bom senso de entender que, para uma realidade como a brasileira, não dá, mas precisamos trazer as virtudes da capitalização.

Da forma como propusemos, a perda acumulada de receitas para o sistema de repartição em 20 anos seria de R$ 70 bilhões. É um custo bastante baixo, que significa muito pouca perda de arrecadação. (Os valores tendem a aumentar se for adotada uma transição mais drástica).

O sistema de repartição tem virtudes, mas é extremamente suscetível a variações de outras variáveis que não são propriamente previdenciárias (mudanças nas relações de trabalho, pejotização, informalidade etc.). É por isso que precisamos combinar as virtudes desse sistema de repartição, que de fato protege as camadas mais pobres, mas comprimindo sua dimensão, e permitir a capitalização, absorvendo suas virtudes. Esse é o sistema híbrido, que está sendo adotado em vários países, com pequenas diferenças, e é recomendado por organizações multilaterais.

FORÇAS ARMADAS

Nossa proposta conta com projeto de lei para os trabalhadores da iniciativa privada, para os servidores civis, para as Forças Armadas e para os trabalhadores das policiais militares e bombeiros. Eu gosto de chamar atenção: não pode ter um mesmo sistema previdenciário para mim e um membro das Forças Armadas, pelas peculiaridades de seus trabalhos e sua relevância.

Oxalá tivéssemos certas categorias do serviço público civil com o senso de responsabilidade que têm as Forças Armadas. Não vejo nelas um obstáculo à reforma. Eles são muito ciosos de suas peculiaridades, e elas existem. No Brasil não pode ser diferente do que há no mundo, não podemos ter soldado velho. Temos que ter equipamentos de primeira qualidade, uma força jovem, preparada. Temos que ter as Forças Armadas habilitadas a garantir o papel de liderança regional do país. E temos que garantir que elas tenham remunerações adequadas. Porém, temos que fazer ajustes na área previdenciária deles. Em meus contatos com eles, não vi uma resistência a mudanças, desde que sejam graduais e sejam respeitadas certas características.

Não vejo, entre os membros das Forças Armadas, um obstáculo real à realização da reforma da Previdência. Vejo outros grupos muito mais poderosos que poderão atrapalhar o andamento da reforma com a poluição do debate. Manifestações isoladas podem ocorrer, mas tenho certeza que eles estarão aptos a dar sua dose de contribuição para o ajuste que o país precisa.

RESISTÊNCIAS POLÍTICAS

Entendo que haja opiniões divergentes. É natural que isso ocorra e é natural também que o governo se preocupe e tente alinhar sua base. Do ponto de vista de sinais e de equilíbrio macroeconômico, uma “reforminha” vai condenar o governo ao fracasso. Não dá para fazer uma reforma da Previdência meia-boca. Não estou dizendo que ela tem que se completa e exaustiva como foi nosso projeto, mas tem que estar mais para isso do que uma reforminha pequena, com transição de 20 anos, com idades baixas.

O governo começou a se alinhar. Pelo que tive de informação, os ministros Paulo Guedes e Onyx acertaram os discursos e as equipes estão trabalhando conjuntamente. Isso é bom. Eles devem formular uma proposta bastante abrangente e audaciosa que será encaminhada ao presidente na semana que vem.

O governo tem uma legitimidade muito grande, saiu vitorioso de uma eleição que acabou de terminar. Ele tem legitimidade para apresentar uma proposta e defendê-la junto ao parlamento. Vai colher alguns dissabores? Vai. Mas é melhor colhê-los agora e colher os louros ao longo do mandato, com a economia crescendo 3/3,5%, do que o contrário de não se desgastar agora e ter um governo medíocre. O Brasil não pode mais ter um governo medíocre como tivemos nos últimos 6 ou 7 anos.

[As eleições para as presidências da Câmara e do Senado] Atrapalham se o governo quiser interferir no processo de escolha das duas casas legislativas. Ele tem que se manter atento, porém cada casa tem sua dinâmica própria. A última experiência que tivemos de o Executivo querer interferir na escolha da presidência da Câmara não foi boa e a mentora intelectual dessa ideia pagou caro.

É natural que o Congresso, representando as pressões da sociedade que lá batem à porta, façam suas alterações, ponham suas marcas. É por isso que entendo que a proposta que saia do Executivo tem que ser uma proposta muito bem estruturada, dura, realista, para que se houver cessão aqui ou ali, negociações, não tenhamos um processo de desidratação acentuada. Qualquer desidratação pode ser feita, porém não pode mutilar uma proposta de reforma. Os mercados reagiriam muito negativamente e teríamos muito problema para o futuro.

CARONA NA PROPOSTA DE TEMER

Acho que tem que usar a tramitação já feita pela PEC 287, aproveitando partes da proposta, que tem muitos méritos. Mas tem que complementar, ampliar, fazer ajustes. Das emendas apresentadas, há uma boa parte que pode ser aproveitada no novo texto. E é possível também, dependendo do andamento das negociações políticas, que seja aberta a possibilidade de o relator da matéria preparar um novo texto, que inclua novidades. Isso é possível e está dentro do espectro de possibilidades estudadas, de modo a contemplar um conjunto amplo de correções.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.