Reformas como “absoluta prioridade”, combate às desigualdades e não à reeleição: as ideias de Eduardo Leite para o Brasil

Governador do Rio Grande do Sul, que disputará as prévias presidenciais do PSDB, falou ao InfoMoney sobre planos e caminhos para a "terceira via" em 2022

Marcos Mortari

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em videochamada (Fotos: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini)

SÃO PAULO – A menos de dois meses das prévias que definirão o candidato do PSDB nas próximas eleições presidenciais, Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, aposta na experiência com a condução de reformas difíceis para a regularização das contas em um dos estados mais endividados do país e na aptidão para o diálogo como trunfos para se apresentar como alternativa mais viável à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, Leite diz que, caso eleito presidente, abrirá mão de buscar a reeleição e terá as reformas tributária e administrativa como “absoluta prioridade” para os primeiros dias de governo – repetindo a fórmula que usou para governar o Rio Grande do Sul. O movimento foi fundamental para que ele construísse um arco de alianças de tamanho suficiente para implementar uma agenda de reestruturação do estado.

“Se o governante é candidato à reeleição, ele é o primeiro obstáculo a ser superado na aspiração política dos partidos que vão apoiá-lo”, argumenta.

“Especialmente o próximo governante do Brasil precisa não ser candidato à reeleição para que possa focar toda a energia nessas reformas que são urgentes. Se o governante que for eleito, sendo da terceira via, é um virtual candidato à reeleição, no dia 1, passa a ser atacado por lulistas e por bolsonaristas que querem voltar ao poder. Ele é o primeiro obstáculo, e o ambiente político já fica mais difícil”, pontua.

Aos 36 anos, Leite carrega um currículo mais extenso do que a idade sugere. Filho de professores aposentados da Universidade Federal de Pelotas – o pai, advogado, por anos diretor da Faculdade de Direito, foi secretário de Educação na cidade e um dos fundadores do PSDB local, e a mãe, cientista política –, entrou na política pela chefia de gabinete da prefeitura de Pelotas (RS).

E rapidamente alçou voo para a presidência da Câmara dos Vereadores. Em 2013, assumiu o comando do Poder Executivo local ao derrotar o petista Fernando Marroni no segundo turno, com 110.823 votos (57% dos votos válidos), e encerrou o mandato com aprovação superior a 80%.

Contrário à reeleição, não disputou o pleito seguinte, mas fez da vice, a também tucana Paula Mascarenhas, sua sucessora na cidade. Quando deixou a prefeitura, passou uma temporada em Nova York, nos Estados Unidos, para estudar políticas públicas na Universidade de Columbia, com bolsa de estudos paga pela organização Comunitas.

Nas eleições de 2018, foi convidado pelo PSDB para disputar o governo estadual e derrotou o então governador, candidato à reeleição, José Ivo Sartori (MDB), com 3.128.317 votos (53% dos votos válidos). Poucos dias depois, já estava à mesa com lideranças do partido para discutir apoio ao governo e às reformas econômicas.

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Conhecido na política como conciliador, Leite ainda é um anônimo para a maioria do eleitorado – o que desperta ceticismo de analistas sobre a viabilidade de sua possível candidatura.

De acordo com a última pesquisa Ipespe, divulgada na quinta-feira (30), ele tem 3% das intenções de voto em simulação de primeiro turno – tecnicamente empatado com outros nomes especulados na “terceira via”, como Sergio Moro (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (DEM), José Luiz Datena (PSL) e Simone Tebet (MDB-MS).

“Eu tinha 6% [de intenções de voto] a quatro meses da eleição para governador. Nós vamos nos tornar mais conhecidos ao longo desse período, vamos crescer, nos viabilizar e ganhar as eleições”.

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Em outra simulação, o governador de São Paulo, João Doria, que também disputa as prévias tucanas, aparece com 5% das intenções de voto – diferença dentro da margem para Leite. Nos cenários de segundo turno, o governador gaúcho aparece numericamente à frente em possível disputa com Bolsonaro (36% a 33%). Já contra Lula teria menos da metade dos votos do petista (49% a 21%).

“Fala-se muito na polarização nas intenções de voto de Lula e Bolsonaro e pouco sobre a mesma polarização que eles têm na rejeição. São muito rejeitados. Isso, no momento do processo eleitoral, vai contar a favor do surgimento de uma terceira via, eu não tenho dúvida”, diz.

Na entrevista, realizada por videochamada na última sexta-feira (1º), o governador gaúcho esteve acompanhado do economista Aod Cunha, responsável pela coordenação da plataforma econômica da campanha. Além do foco nas reformas administrativa e tributária, ele diz que o teto de gastos precisa ser mantido, mas compatibilizado com as necessidades de investimentos do país.

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Eduardo Leite também busca vincular-se à imagem de “presidenciável ESG” (sigla em inglês para sustentabilidade, consciência social e governança), destacando o papel da diversidade, do combate às desigualdades e a preocupação com o meio ambiente em suas bandeiras de campanha. Três meses atrás, ele atraiu manchetes ao assumir ser homossexual durante entrevista na televisão, tornando-se o primeiro governador da história do Brasil a se declarar gay.

Mas antes de sonhar com a foto na urna eletrônica em 2022, Leite precisa convencer os colegas tucanos de que deixar de lado a tradição de lançar um representante paulista para a corrida presidencial pode ser uma boa ideia. O gaúcho disputa a vaga de candidato tucano com João Doria, que desde que chegou ao Palácio dos Bandeirantes movimenta peças no tabuleiro nacional. O ex-prefeito de Manaus (AM) Arthur Virgílio também participa da disputa.

Desde que se candidatou às prévias no partido, Leite recebeu apoio em estados como Alagoas, Amapá, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também contou com a bênção de lideranças históricas do partido, como o senador Tasso Jereissati (CE) – que desistiu da candidatura na semana passada –, e outras controversas, como o deputado federal Aécio Neves (MG).

Veja os destaques da entrevista:

Desde a derrota de Geraldo Alckmin na corrida presidencial de 2018, João Doria tenta se colocar como uma espécie de candidato natural do partido para o Palácio do Planalto nas próximas eleições. O que move o senhor a tentar disputar as prévias no PSDB? O que pretende apresentar de diferente aos eleitores?

O simples fato de haver prévias dentro do PSDB já demonstra que o partido não está inclinado a seguir a mesma forma que sempre encontrou. [Em] Todas as eleições, à exceção de 2014, o candidato foi de São Paulo. É o estado com maior população e onde, também, o partido tem mais força.

Fazer prévias já demonstra que o partido está aberto a alternativas e a ver novos caminhos. Fui provocado pelos colegas de partido. Não era algo que eu estivesse buscando, sempre estive focado em enfrentar os problemas do Rio Grande do Sul e resolver um estado complexo, difícil, do ponto de vista financeiro e político. E acho que foi justamente por ter conseguido enfrentar os desafios do estado com sucesso que fui percebido nacionalmente pelas lideranças do PSDB, que geraram essa provocação para que me apresentasse nacionalmente.

O Rio Grande do Sul que assumi, em 2019, tinha mais de R$ 1,1 bilhão de dívidas acumuladas só na área da Saúde, hospitais, municípios, fornecedores de medicamentos. Havia dívidas em obras paradas, salários atrasados por três anos e estava com as alíquotas de ICMS majoradas ‒ ou seja, mesmo assim não conseguia pagar as contas em dia.

O estado que já vivenciamos e vamos entregar no ano que vem não atrasa pagamentos, paga as dívidas deixadas por governos anteriores, abre investimentos históricos ‒ anunciamos recentemente investimentos que equivalem a dez vezes o que o estado fazia anualmente em média ‒ e ainda reduz a alíquota do ICMS.

E fizemos tudo isso sem brigas inúteis, sem lacração, sem querer bater em quem pensa diferente, fugindo dessa lógica política que vemos nos últimos anos no Brasil e focando em atacar os problemas. Isso foi bem percebido. Um estado que, além de ter uma situação financeira difícil, tinha uma situação política difícil. O Rio Grande do Sul sempre foi muito polarizado e tinha dificuldade de fazer os enfrentamentos aos problemas.

A superação dos quadros fiscal e político do Rio Grande do Sul acabam me habilitando, aos olhos de muitas pessoas, para me apresentar nacionalmente e estou cumprindo esse papel com muita determinação e humildade.

Em Carta Aberta de lançamento de sua pré-candidatura para as prévias presidenciais do PSDB, o senhor destacou três focos principais de sua campanha: “combater as desigualdades, crescimento com foco no aumento de produtividade e sustentabilidade e diversidade, com respeito a todas as diferenças”. Em termos práticos, quais seriam suas ações prioritárias?

Em um país como o Brasil, com o imenso abismo social que temos, a função do governo não pode se desviar de uma missão de combater desigualdades, promover oportunidades. Esse é o carro-chefe. Isso significa ter os corretos programas sociais, não apenas os de transferência de renda, que precisam ter a melhor alocação dos recursos possível.

O país tem um investimento em programas de transferência de renda ‒ eventualmente, não tem a melhor alocação, e é possível fazer até um aumento de aporte, só que esses recursos precisam ser muito bem alocados para ajudar a promover inclusão e redução da desigualdade. Por exemplo, nós acreditamos que precisamos turbinar investimentos para combater a pobreza infantil. O Brasil tem programas de proteção para as pessoas de mais idade ‒ pode-se discutir se são suficientes ou não, mas existem. Mas são desproporcionais ao que se oferece para atender as crianças mais pobres.

Entendemos que precisamos focalizar aqui, para que tenhamos uma educação que promova inclusão e oportunidades, para que possamos formar as competências e habilidades que o novo mundo, com as novas tecnologias, vai exigir. Mas, para poder sustentar isso, o governo precisa fazer suas reformas e organizar o ambiente econômico.

A reforma administrativa tem que ser prioridade, para reduzir gasto com o próprio governo e ter mais eficiência no funcionamento da máquina pública a partir de estruturas e carreiras que efetivamente estimulem os servidores. O servidor que se esforça precisa ser recompensado, o servidor relapso precisa ter consequências.

E, ao lado dela, a reforma tributária, para poder dar melhor eficiência ao ambiente econômico com a redução da complexidade na tributação, além de uma melhor distribuição dessa carga para a população.

As reformas tributária e administrativa são uma absoluta prioridade para o primeiro ano do governo. Não vai se resolver o desequilíbrio fiscal do governo em um ano, mas pelo menos apontar o horizonte e a trajetória de equilíbrio fiscal com a redução de despesas para dentro da máquina e com a melhoria do ambiente econômico.

Tudo isso somado a um terceiro eixo, que é um dos conceitos do ESG: o respeito à diversidade e a promoção da nossa diversidade como alavanca para o desenvolvimento. São uma riqueza do povo brasileiro as diferenças que temos: culturais, religiosas, de raças e de tantas outras ordens. Isso nos faz mais ricos. As empresas percebem isso. Se você tiver um grupo de homens brancos, de meia idade, à volta de uma mesa, vão olhar alguns problemas por um ângulo. Se você tiver mulheres, homens, negros, brancos, índios, pessoas com deficiência, LGBTs, pessoas mais jovens, pessoas de mais idade, são tantas as experiências de formas de ver aqueles problemas, que a solução é mais criativa. Em uma nova economia que exige criatividade, as diferenças que temos são alavanca para a inserção econômica do país, e não um problema a ser combatido. E estamos vendo que isso é desestimulado. As diferenças no Brasil são combatidas, enfrentadas como se problema fossem.

E a questão ambiental, que, além de uma questão de responsabilidade geracional e para com o planeta em que vivemos, é uma oportunidade do ponto de vista econômico. O Brasil tem a maior oportunidade, do ponto de vista econômico, desde que se descobriu ouro nas Minas Gerais, porque o mundo se alinha, em função das mudanças climáticas, na preocupação com o meio ambiente. E onde está a maior biodiversidade do mundo? A maior área florestada do mundo? E a maior oportunidade de geração de energia limpa, a partir dos ventos, do sol, das águas? Está no Brasil.

Hoje, o país não só não utiliza essa oportunidade, como se apresenta hostil ao meio ambiente ‒ o que nos tira oportunidades de negócios, de investimentos, e, consequentemente, empobrece o país. Esse é um tema que também vamos entrar desde o primeiro momento para virar a imagem do Brasil e mostrar comprometimento com a proteção ao meio ambiente, com o combate ao desmatamento, para que o país recupere credibilidade e recupere, assim, a capacidade de atrair investimentos que nos interessam muito.

Sua gestão se destacou pelas reformas previdenciária e administrativa. Abriu caminho para privatizações, com uma PEC para acabar com a necessidade de plebiscito para vender algumas empresas estatais, e fez desestatizações. Qual é o segredo para aprovar tantas matérias difíceis com apenas 4 tucanos entre os 55 deputados que compõem a Assembleia Legislativa? O que o senhor poderia levar de lições do Piratini ao Planalto?

Esse aprendizado veio com o tempo. Fui vereador, presidente da Câmara Municipal, prefeito, trilhei um caminho até aqui e aprendi que [o fato de] não estarmos de acordo com a forma como a política é feita no Brasil ‒ usando moedas indevidas nas relações ‒ não significa que não devamos fazer política, entendendo a agenda da outra pessoa e conversando para ver como podemos promover convergências.

Disputei o segundo turno com o MDB. Imediatamente depois que fui eleito governador, uma das primeiras coisas que fiz foi ir ao MDB pedir o apoio e ingresso deles no governo. Algumas pessoas ficaram surpresas. Eu acredito nessa política feita com diálogo, entendimento. O que não significa ficar em cima do muro ou querer ficar de bem com todo mundo. Não é uma política anódina, que não se posiciona, não apresenta suas convicções, mas é feita com respeito às posições dos outros.

Depois de trazer o MDB, fui à Assembleia Legislativa e conversei com cada uma das bancadas de deputados. Recebi cada deputado individualmente ‒ inclusive os da oposição ‒ e disse a eles que fui eleito com uma agenda. Falei claramente na campanha que ia privatizar e que faria reformas nas carreiras da previdência. Tanto quanto eu fui eleito com uma agenda e esperava que os deputados entendessem, tinha que entender que eles foram eleitos com as suas agendas e que não são indivíduos apenas, mas representantes de parte da população para quem eu governo. Mesmo que pense diferentemente de mim, eu governo para essa população também. Então, preciso entender quais são as agendas que estão ali presentes.

Em janeiro de 2019, fui à sede de cada sindicato e disse que iríamos propor reformas que eles não gostariam, mas assumi o compromisso de apresentar [os textos] a eles antes de enviar à Assembleia. Democracia é isso, não é apenas a oportunidade da eleição pela maioria de um governo. É a necessidade de um governo, eleito pela maioria, conviver com a contestação. É preciso oferecer os espaços de contestação a quem pensa diferente e estabelecer um diálogo, ouvir, estar permeável às posições diferentes.

Fizemos concessões que não quebravam a espinha dorsal do que propúnhamos e diminuímos o ambiente de tensão para que pudéssemos fazer aprovar essas medidas estruturantes no Rio Grande do Sul. Nossa reforma para redução de despesas seguramente foi muito mais profunda do que a de outros estados. Além de fazer uma reforma da Previdência que foi mais fundo do que outros estados ‒ fomos ao limite do que a legislação nos permitia para a redução da faixa de isenção sobre a qual não incide a contribuição previdenciária ‒, fizemos uma reforma administrativa que mexeu na carreira dos professores, dos policiais e tantas outras categorias, promovendo uma forte redução na nossa despesa.

Outros estados fizeram reformas mais acanhadas e tiveram que tirar a sessão de dentro da assembleia porque houve quebra-quebra. No Rio Grande do Sul, as votações de uma reforma mais profunda em um estado polarizado aconteceram com as galerias lotadas, com os manifestantes democraticamente apresentando suas impressões, mas sem quebra-quebra. Por quê? Porque teve esse espaço anterior de oportunidades de contestação, houve o debate. Isso é bastante importante para construir um ambiente que favoreça a aprovação de medidas estruturantes, como o Brasil vai precisar. O Brasil vai precisar de esforço político para sustentar uma agenda profunda de transformações e reformas que são urgentes.

O governo federal também tenta conduzir reformas, mas os textos das reformas administrativa e do Imposto de Renda têm sido criticados por diversos setores. Como construir o entendimento adequado para a construção de uma proposta efetiva em um contexto político complexo?

Não adianta haver o melhor estudo técnico sobre o que deva ser feito se não houver convicção política de que deve ser feito. O primeiro líder que deve conduzir esse processo, do ponto de vista político, é o próprio chefe do Poder Executivo. Não adianta mandar os técnicos falarem com os deputados, tem que haver convicção e liderança política por parte do governante. Isso faz toda a diferença.

No Brasil, não vemos essa liderança por parte do presidente, que está mais preocupado em discutir a urna eletrônica, o não cumprimento de ações judiciais, a cloroquina. É preciso colocar esforço político para que vote o que é realmente estruturante. Fez toda a diferença liderar o processo aqui, chamar incontáveis reuniões para apresentar e conversar com deputados individualmente, com as bancadas, coletivamente com os deputados da base, para criar esse ambiente que houvesse confiança no projeto que o governo estava apresentando.

Qual sua avaliação sobre o texto da reforma administrativa aprovado por comissão especial da Câmara dos Deputados, com apoio do governo federal?

A reforma que está aí é muito acanhada e, pela fragilidade do governo e talvez até pela agenda distorcida, com riscos de gerar mais distorções, como a possibilidade de inclusão de direitos de paridade e integralidade para novos servidores. É um risco real o que está acontecendo na discussão da reforma administrativa, além da não aplicação aos outros Poderes. Ela é ruim do jeito que está sendo encaminhada e não deveria prosperar.

A reforma que entendemos que deva ser feita tem que ser para todos os Poderes e valendo para os servidores que já estão em atividade, como fizemos no Rio Grande do Sul. Fizemos reforma administrativa para os servidores que estão em efetivo exercício, acabando com benefícios e vantagens. É urgente que a gente faça essa mudança, ela tem que valer para já. Não temos tempo para esperar uma geração de servidores se aposentar e usufruir de suas aposentadorias para fazer uma transição.

O Brasil tem urgência nessa readequação, do ponto de vista administrativo, com o impacto que isso tem no campo fiscal. Essa reforma é acanhada. O governo, ao insistir em determinadas pautas sem ter um texto correto e sem ter força política para sustentar, pode queimar boas e importantes pautas que o país precisa discutir com profundidade.

Qual seria o seu modelo ideal de reforma tributária?

Acreditamos mais no caminho da reforma proposta pelo [economista] Bernard Appy, da PEC 45. Precisamos reunir ao máximo esses impostos que incidem sobre o consumo em um único imposto, porque o primeiro ganho que se tem da reforma é o da redução da complexidade, da diminuição do contencioso por dificuldades de classificação de itens, de se creditar ao longo da cadeia do imposto pago na etapa anterior. Isso suga uma energia gigantesca de quem empreende. Costumo dizer que quem empreende tem que focar toda sua energia em empreender, e não em como vai ser a classificação do seu item na tributação. Sabemos que risco é custo, e o custo pode inviabilizar negócios e certamente tirar muitas oportunidades de geração de emprego.

Nos últimos meses, a percepção de risco fiscal cresceu entre agentes econômicos. Boa parte disso se explica por maior turbulência política. Há uma percepção entre investidores de que o presidente Jair Bolsonaro entrou em “modo reeleição” e que a antecipação da corrida sucessória traz consequências fiscais. O senhor tem se apresentado como crítico ao instituto da reeleição. Como isso poderia beneficiar a agenda de reformas e ajustes fiscais?

Eu já me apresentei contrário à reeleição desde meu primeiro mandato no Poder Executivo, na prefeitura de Pelotas (RS). Não fui candidato à reeleição mesmo com mais de 80% de aprovação popular ‒ e já anunciei que não serei como governador também. Não tenho dúvida de que deixar isso claro, e pelo retrospecto de não ser candidato à reeleição, me fez ter um apoio e um ambiente político melhor para aprovar as reformas como governador. Eu só consegui aprovar privatizações e reformas profundas porque conseguimos focar no ataque aos problemas sem me apresentar como possível obstáculo às legítimas aspirações e protagonismo dos partidos políticos que compõem nossa base.

Temos um sistema político absolutamente fragmentado. O PSDB tem 4 deputados estaduais em 55 [no Rio Grande do Sul]. Mas não é só isso: o partido com mais deputados tem 8. Então, é preciso formar uma coalizão com muitos partidos políticos. No Brasil, na década de 1990, Fernando Henrique tinha o PSDB, o PFL e o PMDB, cada um com 90 a 100 deputados. Somando os três, já formava maioria quase para aprovar mudanças constitucionais. Hoje, você precisa juntar dez partidos políticos para formar maioria e aprovar as medidas mais importantes. E é evidente que vai ter que somar partidos que têm legitimamente aspiração de protagonizar a próxima eleição.

Aqui no Rio Grande do Sul, MDB e PP, em nossa base, são partidos muito fortes, muito grandes e que têm, legitimamente, aspiração de protagonizar o próximo processo político. Ou seja, se o governante é um candidato à reeleição, ele é o primeiro obstáculo a ser superado na aspiração política dos partidos que vão apoiá-lo. Você tem a possibilidade de criação de um ambiente em que a colaboração diminui, porque, se o governo der muito certo, adia-se a expectativa de poder de um dos partidos.

Por isso, sou contrário à reeleição e acho que especialmente o próximo governante do Brasil precisa não ser candidato à reeleição para que possa focar toda a energia nessas reformas que são urgentes. O país acaba de passar por mais uma década perdida e está desde 2013 com déficit primário. Um desequilíbrio que gera esse ambiente de risco, de desconfiança, que pressiona juros e que faz com que se tenha que aprovar um teto de gastos para tentar demonstrar a credores e investidores que o país buscará um novo curso para a trajetória da sua dívida, buscando equilíbrio fiscal.

Temos a necessidade de focar apenas em atacar os problemas. Se o governante que for eleito, sendo da terceira via, é um virtual candidato à reeleição, no dia 1, passa a ser atacado por lulistas e por bolsonaristas que querem voltar ao poder. Ele é o primeiro obstáculo, e o ambiente político já fica mais difícil. Então, acho que é bom dizer o seguinte: não se preocupem comigo, não sou um candidato à reeleição, me deixem e ajudem a resolver os problemas, porque vocês vão ter a oportunidade de, no momento certo, se apresentar para tentar voltar com a legítima aspiração que têm de protagonizar o processo político.

Qual sua posição sobre as regras fiscais vigentes, especialmente o teto de gastos? O senhor manteria a regra? Acredita que seria importante ou avalia que é incompatível com a realização de investimentos necessários, sobretudo no pós-pandemia?

Precisa ser mantido, mas, ao mesmo tempo, precisa ser conquistado o direito de avançarmos na direção de não punir os investimentos. O teto de gastos só pode deixar de existir se o país demonstrar, com clareza, que vai ter outra trajetória fiscal ‒ e por isso que é fundamental fazer as reformas. Fazendo reforma administrativa, reforma tributária e demonstrando, a partir de avanços em casos de privatizações, que o curso da trajetória da nossa dívida sobre o nosso PIB vai encontrar outra direção, o país pode, então, abrir um espaço para que o teto de gastos seja revisto. Mas esse direito deve ser conquistado, a partir das reformas, e não simplesmente combatendo o teto de gastos.

A um ano das eleições, Bolsonaro e o ex-presidente Lula aparecem com ampla vantagem nas pesquisas e com maior cristalização de apoio do eleitorado. Como alargar o espaço para a “terceira via”? No seu caso, ainda, um nome desconhecido por boa parte dos brasileiros.

Fala-se muito na polarização nas intenções de voto de Lula e Bolsonaro e pouco sobre a mesma polarização que eles têm na rejeição. São muito rejeitados. Isso, no momento do processo eleitoral, vai contar a favor do surgimento de uma terceira via, eu não tenho dúvida. Desde que ela se apresente em condições de se conectar com o sentimento da população, que, na minha visão, quer discutir Brasil, quer discutir futuro, e não quem é pior.

As pesquisas me indicam com 4% ou 5% neste momento, a um ano da eleição, com os menores índices de rejeição entre todos os candidatos e ainda sendo pouco conhecidos. Eu tinha 6% [de intenções de voto] a quatro meses da eleição para governador. Nós vamos nos tornar mais conhecidos ao longo desse período, vamos crescer, nos viabilizar e ganhar as eleições.

O senador Tasso Jereissati disse que vocês dois teriam 80% das Executivas do PSDB nos estados. Quais as estratégias da campanha para as prévias e os novos apoios aguardados para as próximas semanas?

Temos tido apoios importantes. O Sul acaba de fechar conosco: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Também temos apoios declarados da Bahia, de Alagoas, do Amapá. E estamos conquistando vários outros espaços que, ao longo das próximas semanas, serão declarados.

O senador Tasso Jereissati com o Ceará, o vereador Xexéu Tripoli, líder da bancada do PSDB na Câmara de Vereadores de São Paulo, declarou abertamente que nos apoia. Ex-presidentes do PSDB de São Paulo, como Antonio Carlos Pannunzio, Pedro Tobias, lideranças importantes, fizeram carta aberta defendendo minha candidatura. E o prefeito de Santo André, segunda maior cidade administrada pelo PSDB no estado de São Paulo, é quem lidera para nós um processo de mobilização no estado. Isso, somado a tantas outras manifestações, nos dá muita convicção de que vamos vencer as prévias.

Por que o senhor descarta de antemão a possibilidade de ser vice nas eleições presidenciais?

Isso não é em absoluto deixar de dialogar com outros partidos ou com outras lideranças. Vamos à mesa em busca de apoio, e temos que ter a humildade de saber apoiar também. Outros partidos, com absoluta legitimidade, desejam protagonizar o processo político, e, se demonstrarem claramente que têm um candidato que possa melhor reunir esse centro democrático e se tivermos afinidade de valores, de propósito e agenda para o Brasil, não há nenhum problema de reconhecer que outro candidato seja melhor líder de um projeto nesse momento.

Temos que colocar a população brasileira em primeiro lugar. Não podemos, querendo patrocinar um projeto pessoal, por vaidade, insistir em uma candidatura e forçar o país a ficar nessa polarização absurda, nos fazendo pagar um enorme preço.

Não tenho nenhum problema em reconhecer que outra pessoa possa liderar outro projeto, mas ser vice não faz sentido para mim. Sou governador do meu estado, tenho um contrato com meu povo até o final do ano que vem. Para liderar um projeto [nacional], renunciar se impõe em abril como uma necessidade. Agora, para ser coadjuvante em um processo… [Neste caso], me posicionarei em outra instância, para segurar bandeira na esquina, para distribuir santinho no calçadão, para fazer qualquer outra coisa, mas não para ser vice.

Porque tudo que fizemos aqui no Rio Grande do Sul faz desse período que estamos vivenciando agora o melhor momento. O ano que vem vai ser ainda melhor, com mais colheita de resultados, com obras, com investimentos, com transformação profunda do estado. Então, se não for para liderar um projeto nacional, cuidarei do Rio Grande do Sul até o último momento e ajudarei como coadjuvante em outra posição. Mas não como vice.

O senhor declarou voto em Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais. Está arrependido da escolha? Se pudesse voltar àquele momento, sabendo dos fatos que viriam nos três anos seguintes, o que faria?

Depois do jogo jogado, é fácil olhar pela câmera do replay, do VAR, e dizer: ‘podia ter feito diferente’. Nós não tínhamos a capacidade de exercer essa futurologia ‒ e especialmente [saber] que estaríamos diante de uma situação crítica como uma pandemia, que colocou vidas em risco. Mas é claro que foi um erro o voto em Bolsonaro. Diante da opção que se tinha nos dois candidatos… É uma eleição plebiscitária o segundo turno: um candidato em relação ao outro. E o outro representava um modelo político com graves escândalos de corrupção e um modelo econômico desastroso, que gerou 14 milhões de desempregados no Brasil. Uma crise, uma recessão, como nunca antes vista na história do país. Era uma situação absolutamente difícil e declarei o voto com muitas ressalvas. Não fiz campanha para Bolsonaro, não defendi o voto em Bolsonaro, não pedi votos para ele. Eu me posicionei como um cidadão que teria que escolher entre aquelas duas candidaturas. Foi um erro e cabe a todos nós trabalharmos para evitar que sejamos colocados diante de uma situação como essa novamente nas eleições de 2022.

No VAR, teria anulado?

[Risos]. No VAR, minha posição teria sido outra. Não sei avaliar, porque seria uma outra circunstância. O que posso dizer é: não temos o VAR, não temos a possibilidade de voltar atrás. O que temos é uma nova eleição pela frente, e nela vamos corrigir esse rumo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.