Novo marco das startups: projeto tenta ampliar segurança a investidores anjo; entenda

Texto já foi aprovado na CAE e aguarda votação no plenário, mas é visto por especialistas da área como "o balde embaixo da goteira"

Lucas Sampaio

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Um projeto de lei complementar (PLP 252/2023) já aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal quer criar um novo modelo de investimento para incentivar as startups, empresas de inovação em fase de desenvolvimento, no Brasil.

O texto, que teve pedido de urgência aprovado nesta semana pelo plenário da casa legislativa, visa dar mais segurança jurídica a investidores de startups e investidores anjo, criando a figura do contrato de investimento conversível em capital social (CICC) para “substituir” o contrato de mútuo, principalmente no early stage (empresas em estágio inicial de desenvolvimento).

O projeto é de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ) e altera o marco legal das startups (Lei Complementar 182/2021) — criado a partir de outra proposição de autoria do parlamentar. A ideia agora é que, pelo CICC, valores investidos em empresas em estágio inicial de criação sejam futuramente convertidos em participação societária.

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Portinho argumenta que o CICC é o instrumento correto para esse tipo de investimento, de capital de risco, e que ele dá mais segurança jurídica do que o contrato mútuo. Isso porque há casos em que os investidores são cobrados judicialmente até no fracasso de uma startup — e, em alguns casos, até pela própria empresa investida.

Esse novo tipo de contrato também prevê que a incidência de tributos ocorra apenas em caso de sucesso do negócio, quando — e se — o investimento for convertido em ações. Por outro lado, caso a startup seja dissolvida ou liquidada, o projeto prevê a extinção automática do contrato conversível em capital social.

“Nós não queremos tributar expectativa. [Queremos,] no fato concreto, tributar uma empresa que deu certo, que está gerando emprego. E assim mais empregos virão”, afirma Portinho ao InfoMoney. “No contrato de mútuo, já identificamos alguns processos judiciais que geram insegurança jurídica, porque a incidência dos tributos tem de ser no sucesso, quando o investimento é convertido em ações. Queremos evitar disputas judiciais se o negócio fracassar.”

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Especialistas da área, no entanto, veem o projeto com ceticismo. Eles dizem que o intuito da iniciativa é “nobre”, mas fazem uma analogia: o CICC é o balde que você coloca quando tem uma goteira no teto, que resolve o problema, mas não corrige o defeito estrutural do telhado.

“No Brasil, todo investidor morre de medo de ser considerado responsável pelas dívidas da empresa que não deu certo. Isso é frontalmente contra o conceito da autonomia patrimonial, mas os juízes — sobretudo do trabalho — simplesmente ignoram a Lei de Liberdade Econômica, o Código Civil, a Lei das Sociedades Anônimas e até a Constituição Federal”, afirma Fabiana Fagundes, fundadora e sócia do escritório FM/Derraik.

“[O projeto] é mais uma tentativa de não responsabilizar o investidor, mas já está escrito em vários lugares que o princípio da separação patrimonial deveria ser respeitado. Mas os juízes simplesmente não cumprem”, reitera Fagundes. “O problema está no Judiciário, não na lei. Se eles cumprissem a legislação que já existe, não precisaria do CICC.”

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Inspirado no Safe

O projeto do senador recebeu parecer favorável do relator Izalci Lucas (PL-DF) na CAE e agora está na fila para ser votado em plenário. O texto prevê que os aportes feitos por investidores não integram o capital social da startup até serem efetivamente convertidos em participação societária. Assim, o investidor se dissociaria de riscos operacionais, como dívidas trabalhistas e tributárias, e a tributação do aporte ocorre só após a eventual venda da participação na companhia.

O CICC é inspirado no Simple Agreement for Future Equity (Safe), um padrão internacional de contrato para investimentos de risco. Hoje, no Brasil, o modelo mais usado é o mútuo conversível em participação societária (que tem natureza de dívida e estabelece prazo para a restituição dos recursos aportados pelo investidor, mas também admite a conversão em ações).

Portinho critica o modelo de contrato atual, baseado no mútuo, sob a alegação de que o objetivo do investidor anjo não é o de receber o dinheiro de volta, com juros, em um prazo acordado, mas sim lucrar, no futuro, com o sucesso de uma startup.

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O senador argumenta que, tanto o PLP 252/2023 quanto outra proposição de sua autoria — o marco legal das stock options, em análise na Câmara dos Deputados — têm o mesmo objetivo: dar mais segurança jurídica a empresas, startups, profissionais qualificados e investidores, para criar um ambiente de negócios mais favorável no Brasil.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.