Prisões da Lava Jato colocam Sérgio Moro e Gilmar Mendes em rota de colisão

Antes de o Supremo decidir sobre possível soltura de Eduardo Cunha, nova declaração polêmica de ministro expõe atritos no Judiciário

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Os choques entre a primeira instância e o Supremo Tribunal Federal representados pela operação Lava Jato ganham novos contornos com os acontecimentos recentes envolvendo o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), que depôs na véspera ao juiz federal Sérgio Moro e deverá ter pedido de sua defesa julgado pelo plenário do STF nesta quarta-feira. Os advogados do peemedebista alegam que os argumentos usados pelo Ministério Público Federal para o pedido de prisão já haviam sido analisados e negados por Teori Zavascki em julho, o que implicaria em descumprimento por parte de Moro ao aceitar os mesmos elementos para decisão diversa.

Se, por um lado, é difícil imaginar que as recentes declarações do parlamentar cassado favoreçam decisão de soltura em Curitiba, por outro, elas funcionam como novas cartas na mesa antes de os dez ministros do Supremo decidirem se ele deve ou não ser mantido preso. O ex-deputado procurou apresentar insumos para uma decisão ainda a ser tomada — muito embora sua soltura seja considerada absolutamente improvável. Ao mesmo tempo, não surpreendem as avaliações de que uma série de esforços tem sido tomada nos bastidores do poder para que Cunha possa deixar o Complexo Médico-Penal em Pinhais.

Em paralelo à questão particular do ex-presidente da Câmara, que ainda pode provocar diversos abalos ao mundo político, episódios recentes voltam a expor os atritos internos do Judiciário. Ontem, o ministro do Supremo Gilmar Mendes levantou a discussão sobre as prisões determinadas pela operação Lava Jato na capital paranaense. “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre este tema que conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo desses anos”, afirmou em sessão da Segunda Turma.

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Conforme conta o jornal Folha de S. Paulo, a declaração do magistrado foi entendida nos bastidores como um indicativo de que o tribunal deve abrir caminho para discutir a revisão dos prazos das prisões preventivas — considerada por muitos, juntamente com conduções coercitivas e delações premiadas, um dos pilares da Lava Jato.

Não é a primeira vez que o ministro da Corte se propõe a exercer o papel de contrapeso às investidas vindas de Curitiba e outros processos em curso. Um dos momentos mais emblemáticos ocorreu durante sessão temática realizada em 1º de dezembro, no plenário do Senado Federal. Naquela ocasião Moro e Mendes foram convidados a tratar do chamado projeto de lei do abuso de autoridade. Enquanto o primeiro manifestou preocupação com possíveis retaliação à Lava Jato, o segundo posicionou-se favoravelmente à discussão de abusos cometidos pelo Judiciário.

Conforme apontam as notas taquigráficas da casa legislativa, eis trechos do discurso de Mendes:

“Com a experiência já de anos que nós temos nessas questões e nesses debates, nós agentes públicos, agentes políticos e do Judiciário – e aqui hoje já foi citado Bobbio –, não devemos ceder à tentação de procedermos ao combate ao crime mediante qualquer prática abusiva. Há um texto histórico de Bobbio em que ele dizia “Se a lei ceder”. Era uma reclamação ou uma reflexão sobre a situação na Itália no combate ao terrorismo, e ele recomendava que não fossem aprovadas leis excepcionais para o combate ao terrorismo, porque esse era o valor do Estado de direito, isso não poderia ser feito”.

“Por isso, também não compactuo, não compartilho da ideia de que este não seja o momento azado para aprovar a lei. Qual seria o momento azado? Qual seria o momento adequado para discutir esse tema de um projeto que já tramita no Congresso há mais de sete anos? Como se fazer esse tipo de escolha do momento? Acho, inclusive, Sergio Moro, com toda a honestidade intelectual… E, para que ninguém suspeite de que nós tenhamos relação de inimizade, estou até contribuindo com um artigo em um livro que sai em homenagem ao Sergio. Qual é o momento? A Lava Jato não precisa de licença especial para fazer suas investigações. Os instrumentos que aí estão são mais do que suficientes, como qualquer outra operação”.

(…)

“A mim me parece que é oportuno que se discuta esse projeto com toda a abertura mental, com toda a abertura de espírito, e que se discuta neste momento, até porque operações vão continuar ocorrendo. Teríamos que, daqui a pouco, então, buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este? Não faz sentido algum. O que todos nós temos que ter é a consciência de que devemos atuar dentro dos parâmetros estabelecidos”.

“Vou tocar em um outro tema sensível: a questão do vazamento de informações. Eu, com minhas andanças internacionais, esses dias, estava em Portugal. E um dos meus colegas, português, dizia: “É engraçado vocês brasileiros: vocês divulgam as interceptações na televisão”. Eu disse: “A nossa ordem jurídica não permite, mas nós nos acostumamos a essa violação”. Ora, ele não sabia, ele achava que a nossa Constituição e as leis autorizavam esse tipo de vazamento, tantas vezes ele, passando pelo Brasil, tinha visto isso na Rede Globo. É preciso que haja limites para isso, de forma inequívoca. É preciso que chamemos as coisas pelo nome”.

Em outra situação, antes de sessão de julgamentos da Segunda Turma no STF em agosto do mesmo ano, o ministro havia criticado vazamentos de conteúdos investigativos e reclamado do comportamento de procuradores da República: “Ninguém pode se entusiasmar, se achar o ‘ó do borogodó’ porque vocês [imprensa] dão atenção a eles. Cada um vai ter o seu tamanho no final da história. Então, um pouco mais de modéstia. Calcem as sandálias da humildade. O pais é muito maior do que essas figuras eventuais e cada qual assume sua responsabilidade”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.