Por que SP, MG, RJ, RS, PR e ES culpam a reforma tributária pelo aumento do ICMS?

Receosos com possíveis perdas de arrecadação no futuro, governadores articulam elevação de alíquotas antes da transição de regime tributário

Marcos Mortari

Governadores discutem Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma tributária em Brasília (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

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Ao menos seis Estados das regiões Sul (PR e RS) e Sudeste (ES, MG, RJ e SP) devem elevar suas alíquotas do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) ainda em 2023.

A alegação dos entes subnacionais é que o movimento busca preservar receitas dos entes, tendo em vista as possíveis mudanças decorrentes da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019) pelo Congresso Nacional. Em nota, a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda disse que a reforma em discussão não contribui para a elevação das atuais alíquotas modais do ICMS (veja detalhes abaixo).

“A PEC 45/2019 (…), além de reduzir significativamente a autonomia tributária dos Estados e Municípios brasileiros, consagrou um mecanismo de distribuição do produto arrecadado com o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que vem induzindo os Estados a um movimento generalizado de elevação das atuais alíquotas modais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), tributo que será extinto em 2033, mas cujos efeitos, sob o prisma da transição federativa, se farão sentir até 2078”, diz carta assinada pelos secretários de Fazenda.

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“A arrecadação dos Estados com o ICMS nos próximos 5 anos condicionará, em significativa medida, as suas receitas tributárias nos 50 anos subsequentes, configurando-se um forte incentivo para que aumentem a sua arrecadação entre 2024 e 2028, por exemplo, mediante a realização de programas de recuperação de créditos tributários ou aumentos de alíquotas modais de ICMS”, prossegue.

O documento é assinado por Samuel Kinoshita, secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo; Leonardo Lobo, secretário de Fazenda do Rio de Janeiro; Benicio Costa, secretário de Fazenda do Espírito Santo; Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda de Minas Gerais; Renê Garcia, secretário de Fazenda do Paraná; e Priscilla Maria Santana, secretária da Fazenda do Rio Grande do Sul.

A carta não expõe as novas alíquotas de cada ente. Na semana passada, o Rio Grande do Sul já havia comunicado o envio de projeto de lei elevando o tributo de 17% para 19,5%. Há uma expectativa que Espírito Santo, Paraná e São Paulo adotem o mesmo patamar.

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A preocupação dos Estados está relacionada às regras de distribuição dos recursos arrecadados na forma do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) − tributo que substituirá o estadual ICMS e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), cobrado pelos municípios − sobretudo durante a transição de sistemas (que será muito mais longa no caso dos entes subnacionais).

A reforma tributária estabelece três prazos distintos para a fase de transição do modelo atual para o novo, com previsão de migração completa em apenas 50 anos (conheça os detalhes clicando aqui). Uma dessas etapas se debruça justamente sobre a partilha dos novos tributos entre Estados e municípios.

Esta fase tem como objetivo assegurar aos entes, inicialmente, uma participação no montante total arrecadado no novo modelo similar à atual e, também de forma gradual, a transição para o modelo de cobrança baseado exclusivamente no princípio do destino (ou seja, grosso modo, o local onde o bem ou serviço é consumido ou usufruído é que tem direito sobre os tributos recolhidos na operação).

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Ocorre que os repasses levam em conta uma média, de 2024 a 2028, da arrecadação com ICMS para definir a divisão do bolo do IBS na transição federativa, que vai até 2078. Pela regra, em um primeiro momento (de 2029 a 2032), 80% do montante arrecadado com o tributo subnacional será distribuído com base nas participações do referido período. Em 2033, o percentual sobe para 90%. E depois (de 2034 a 2077), ele começa a ser reduzido gradualmente à razão de 1/45 por ano.

Durante o período, o montante repassado a cada ente pelo Comitê Gestor também é ajustado por um “fator de transição”. Nos primeiros quatro anos (2029 a 2033), ele será igual a 1. Já nos anos seguintes, ele é calculado a partir da divisão entre a razão entre: 1) o produto da arrecadação do imposto do ente e o produto da arrecadação do conjunto dos Estados, do DF e dos municípios nos 4 anos anteriores; e 2) o produto da arrecadação do imposto nos mesmos termos entre 2029 e 2032. Tal regra busca estimular a eficiência dos Fiscos em cada ente subnacional.

“Então, todos os Estados querem aumentar agora [o ICMS] para não ter seu pedaço reduzido relativamente aos demais. A saber, o ponto de partida inicial, de 90%, vai diminuindo linearmente até chegar a 0% em 2078. Até lá, isto é, até que a arrecadação seja de fato partilhada de acordo com o fluxo efetivo arrecadado no destino, remanescerá esse mecanismo”, explica Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.

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A PEC aprovada pelos senadores também determina que a parcela do produto da arrecadação do imposto não retida será distribuída a cada ente de acordo com os critérios estabelecidos em lei complementar, nela computada a variação de alíquota fixada pelo ente em relação à de referência. Durante a transição, é vedado aos entes subnacionais fixar alíquotas próprias do IBS inferiores às necessidades de garantir retenções estabelecidas.

Há, ainda, outra regra que estabelece que, do IBS apurado com base nas alíquotas de referência, deduzida a retenção, um outro montante correspondente a 5% será destinado à distribuição aos entes com as menores razões entre o valor apurado e receita média entre 2024 e 2028, sem a multiplicação pelos respectivos fatores de transição, limitada a 3 vezes a média nacional por habitante da respectiva esfera federativa.

Esses recursos serão distribuídos, sequencial e sucessivamente, aos entes com as menores razões, de maneira que, ao final da distribuição, para todos os entes que receberem recursos, seja observada a mesma a razão entre a soma do valor apurado e a receita média.

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Uma lei complementar estabelecerá os critérios para a redução gradativa, entre 2078 e 2097, dos 5% reservados à distribuição aos entes que sofreram os maiores tombos em arrecadação, conforme a regra apontada na PEC e suas restrições.

Na carta em que comunicam a necessidade de recomposição de receitas com o aumento do ICMS, os secretários de Fazenda de Estados do Sul e do Sudeste também lembram de decisão tomada pelo governo federal, com o aval do Congresso Nacional, em 2022, que estabeleceu um teto para a alíquota do tributo cobrado para serviços considerados essenciais − o que reduziu a capacidade dos entes de gerar receitas e culminou em um acordo bilionário com o atual governo.

“Esses dois fatores associados são um forte incentivo para se rever, em âmbito estadual, a dinâmica de arrecadação do principal imposto da Federação. Por isso, a larga maioria dos Estados das regiões Norte e Nordeste do país aumentaram recentemente as suas alíquotas modais de ICMS, enquanto a maior parte das unidades federadas das demais regiões não realizou movimento semelhante”, argumentam.

“Nesse quadro, os Estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, além de permanecerem com desequilíbrios financeiros causados pelas alterações em leis federais em 2022, receberão relativamente menos recursos do IBS, mesmo que a maior parte da arrecadação do novo imposto ocorra em seus territórios”, complementam.

Sendo assim, eles alegam que “as circunstâncias impõem” um reposicionamento das alíquotas modais cobradas por Estados das três regiões, de modo a “recompor a tributação estadual no curto prazo” e “neutralizar as perdas potenciais com a futura distribuição do produto arrecadado com o IBS”, em razão de providências já tomadas por governadores do Norte e Nordeste.

“A recomposição da arrecadação é imprescindível para que os cidadãos das regiões mencionadas possam ter Estados com recursos compatíveis com suas necessidades e capacidades de contribuir com a Federação. Cuida-se, pois, de medida vocacionada a preservar os erários estaduais, garantir as bases para o crescimento econômico e assegurar as condições para a execução de políticas públicas necessárias ao atendimento das demandas, dos direitos e garantias fundamentais da presente e das futuras gerações”, concluem.

Governo rebate

Em nota à imprensa, a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda disse que a PEC 45/2019 não contribui para a elevação das atuais alíquotas modais do ICMS.

“Recentemente, alguns estados têm tentado justificar a elevação da alíquota modal do ICMS no curto prazo supostamente por causa da adoção da arrecadação do ICMS entre 2024 e 2028 como base para a distribuição de parcela da arrecadação do IBS entre 2029 e 2077, proposta na PEC 45. No entanto, essa não parece ser a razão para o aumento das alíquotas do ICMS neste momento”, pontua a pasta.

A secretaria lembra que o texto em tramitação no parlamento prevê uma alíquota de referência estadual do IBS, a ser fixada pelo Senado Federal e adotada automaticamente pelos Estados durante a transição para o novo sistema.  O órgão também destaca que a matéria mantém a autonomia para os entes fixarem suas alíquotas do IBS abaixo ou acima da alíquota de referência. Caso julguem que a arrecadação apurada entre 2024 e 2028 não reflete adequadamente sua participação histórica no total da arrecadação do ICMS, o ente pode elevar sua alíquota de IBS.

“Para a arrecadação de IBS do estado, tem-se o mesmo efeito caso ocorra elevação do ICMS entre 2024 e 2028 ou elevação da alíquota do IBS a partir de 2029 – e, sobretudo, a partir de 2033, quando o ICMS será extinto e o IBS passará a vigorar integralmente. A Reforma Tributária não justifica, portanto, a elevação no curto prazo da alíquota modal do ICMS como forma de proteger a arrecadação futura do IBS”, argumenta.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.