Por que a Constituição fala em eleição indireta para casos como o de Michel Temer?

Para que o desejo da maioria por eleições diretas seja atendido, é preciso que o presidente renuncie ou perca o mandato ainda neste ano

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A mais recente crise do governo Michel Temer, provocada pelo vazamento de delação do ex-executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho, que o acusa de ter pedido R$ 10 milhões ao presidente da empreiteira para campanha eleitoral, trouxe de volta ao debate a possibilidade da convocação de novas eleições diretas para a presidência do país. A saída é apoiada por 63% dos eleitores, de acordo com o mais recente levantamento realizado pelo instituto Datafolha.

Para que o desejo desta maioria seja atendido, é preciso, porém, que o peemedebista renuncie ou perca o mandato até o fim deste ano. Caso contrário, se Michel Temer perdesse o cargo, a escolha do substituto dar-se-ia por eleições indiretas, ou seja, deputados e senadores escolheriam o futuro mandatário, conforme determina a Constituição Federal:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

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§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

Mas qual seria a lógica por trás de tal ordenamento jurídico? Qual teria sido o raciocínio que determinou a escolha dos constituintes pela adoção do mecanismo de eleições indiretas após transcorridos dois anos de mandato?

O advogado de Direito Constitucional Marcones Santos, sócio do escritório Lopes, Leite & Santos Advogados Associados, diz que dois fatores principais podem justificar a escolha pelas eleições congressuais nessas situações: os custos relacionados para a execução de eleições e a instabilidade que sucessivos pleitos poderia gerar para a democracia do país.

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“Mobilizar uma eleição direta a nível nacional representa um custo muito grande. Isso demandaria tempo também para se conseguir concluir o processo, além de toda a margem de discussão de conduta, de propaganda…”, explicou em conversa por telefone. “Para garantir a estabilidade e celeridade, além dos custos [menores], optou-se pela solução via eleição indireta. O ajuste que se fez depois da Constituição de 1988 foi liberar que essa eleição fosse aberta” – ou seja, que as escolhas dos parlamentares pudesse ser verificada pelos eleitores.

Legitimidade x Estabilidade
Mesmo durante a Constituinte, o tema das eleições indiretas foi por muito tempo preterido em comparação com o voto popular direto. É o que conta o professor de Direito Constitucional e coordenador do Supremo em Pauta Rubens Glezer. Segundo ele, o fator estabilidade teria sido o principal elemento a justificar a vitória do pleito congressual em caso de metade do mandato já ter sido concluída.

“Eleição direta sempre provoca maior mobilização popular. E não se antecipava naquela época que haveria essa crise de representatividade que vemos hoje, que macula o mecanismo das eleições indiretas. Foi uma escolha feita, mas para hoje ser implementada é caótico”, observou o especialista. “Eleição indireta com esse Congresso é inviável. A população não confia que o Congresso possa fazer uma escolha que a represente nessa situação. As premissas institucionais de 1988 não funcionam mais no que diz respeito a esse assunto”.

Visão similar tem Santos, que destaca que o que está em jogo na discussão entre eleições diretas e indiretas seria um embate entre o anseio popular e o que está sacramentado na Constituição. “É um difícil embate. O problema [para a aplicação de eleições indiretas] é que o cenário real e atual é de não se reconhecer a legitimidade do parlamento para uma escolha desta natureza”, argumentou.

Imprevisibilidade vigora
Mais do que a questão da legitimidade, que por si poderia acarretar em problemas de governabilidade e execução de políticas, tendo em vista o risco de perda de lastro popular, a dupla chama atenção para a falta de regras que determinam o processo das eleições congressuais.

“Não há detalhamento claro sobre quem pode e como seria o processo. No meio da disputa serão feitas as regras. Se houver um mínimo de bom senso, não será implementado. O melhor seria uma modificação pelo Congresso Nacional”, analisou Glezer.

“Se no impeachment existia margem de debate mínima, mas os parlamentares levaram frequentemente a discussão ao Supremo, imagine agora, em que a margem de decisão é muito mais ampla”, questionou Santos.

O advogado, porém, lembra processo de eleição indireta em voto aberto realizada em Tocantins, em 2009, após a cassação da chapa composta por Marcelo Miranda e Paulo Sidnei Antunes pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), como precedente jurídico. A decisão se deu por confirmação unânime do plenário ao voto do então ministro Cezar Peluso. De qualquer modo, alega-se que os espaços a serem interpretados ainda são grandes.

Quais são as saídas?
Caso uma troca de governo se confirme, Rubens Glezer sugere que o Congresso legisle para que se torne o ambiente um pouco menos incerto. “A alternativa seria ter uma seleção muito bem feita de pessoas que tivessem apoio suprapartidário, que conseguissem gerir o país nos próximos anos, o que seria sacrificante para qualquer nome com aspiração política. Mas não vejo o Congresso apto. Talvez haja poucas pessoas disponíveis com esse perfil”, observou. 

Sendo assim, o professor de Direito Constitucional acredita que uma proposta de emenda à Constituição estabelecendo eleições diretas, mas estabelecendo novo mandato — em contraste com o atual “mandato-tampão”, possa ser uma saída. Ele também acredita que é possível que o STF também interfira no processo, mas esse cenário não seria dado, sobretudo levando em consideração o atual momento de maior fragilidade da corte, após o episódio envolvendo Renan Calheiros na presidência do Senado.

De todo modo, ele pondera que qualquer alteração de ordenamento nas atuais condições poderia representar problemas à atual gestão, postura que os parlamentares não parecem dispostos a tomar no momento. No mesmo sentido, Santos complementa: “Esse problema pesaria demais. Hoje o governo mostra-se numericamente mais forte. No parlamento, não há perspectiva para essa reforma. Apesar da sombra do processo no TSE, não há sinalizações de saída do impasse”, afirmou em tom pessimista.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.