Política do Rio não tem nada de divina, diz coluna da Bloomberg

O que fracassou no Rio nestas eleições foi a política, diz Bloomberg View

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(Bloomberg) — Base do império português, berço do samba, sede da Olimpíada: o Rio de Janeiro foi o lar de muitos esplendores, e a maioria deles enriqueceu a herança multicultural do Brasil.

Então, como explicar a eleição municipal de 2016?

Neste domingo, os cariocas foram às urnas para eleger um novo prefeito. Marcelo Crivella, senador brasileiro e ex-pastor, venceu habilmente a disputa com 60 por cento dos votos válidos contra o socialista linha-dura Marcelo Freixo, que recebeu 40 por cento. E o que poderia ter sido um momento de renovação democrática para esta cidade brasileira cheia de estilo, embora maltratada, agora parece mais uma guerra cultural, atiçada por dogmas rivais que têm pouco em comum além do entusiasmo por ideias exóticas e desprezo mútuo.

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A começar pelo fato de que o segundo turno foi disputado por dois personagens da periferia política do Brasil. Crivella aproveitou seu sucesso no púlpito e sua voz demasiadamente doce de cantor gospel para conquistar um lugar no Senado. Críticos questionaram seus vínculos com Edir Macedo, que é seu tio e o bilionário fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, extremamente popular e um tanto obscura. Mas aparentemente os eleitores se sentiram mais seguros com Crivella do que com seu oponente Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio que representa o PSOL, pequeno e de extrema esquerda, cujos membros atearam fogo à bandeira de Israel em público e elogiaram o socialismo falso e disfuncional da Venezuela.

Ambos os candidatos se mostraram como antipolíticos no primeiro turno da votação para superar um campo repleto de concorrentes dos partidos mais tradicionais do Brasil. O sucesso deles em uma das maiores e mais sofisticadas cidades da América Latina é mais uma evidência de que a crescente repugnância pública em relação à classe governante também pode abrir a porta para aventureiros e para o obscurantismo político.

Visões contrastantes dificilmente seriam uma surpresa no Brasil, onde um enorme escândalo de corrupção política, que culminou com uma desagradável batalha pelo impeachment, deixou a sociedade polarizada. Mas por um instante parecia que o Rio, governando por um prefeito ambicioso que realizou reformas urbanas ousadas e os bem-sucedidos Jogos Olímpicos de 2016, pairava acima do pânico nacional. Na verdade, de acordo com Marcelo Neri, economista da Fundação Getúlio Vargas no Rio, enquanto a economia do Brasil caía em uma recessão profunda, a do município do Rio se segurou: a renda familiar subiu 7,4 por cento nos 12 meses até junho de 2016, embora tenha caído 5,6 por cento em todo o país. Como me disse Neri, “ouvindo os candidatos, o Rio é uma catástrofe, mas nossos números mostram o contrário”.

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O que fracassou no Rio foi a política. O prefeito Eduardo Paes, que sai do cargo após dois mandatos, apoiou um candidato inepto cujas habilidades administrativas foram ofuscadas pelas denúncias de que ele havia agredido a esposa (posteriormente, ela retirou a acusação). De forma mais ampla, a eleição do Rio foi parte de uma reação nacional contra o partido de Paes, o PMDB, porque muitos de seus caciques (notavelmente o presidente da Câmara detido e carioca Eduardo Cunha) foram pegos com a mão no dinheiro público. “Em todo o Brasil, os antipolíticos estão em ascensão”, disse Mauro Paulino, diretor do instituto de pesquisa Datafolha.

E assim a disputa pelo Rio se resumiu a uma briga entre duas exceções políticas que, surpresas por estar sob os holofotes, pareciam elaborar suas propostas à medida que avançavam. Freixo voltou atrás em seu programa estatista original de enorme burocracia e adotou a simplificação, a reavaliação de impostos e a substituição dos trabalhadores terceirizados. Se antes Crivella alegava que a homossexualidade era um pecado e acusava católicos e seguidores das religiões afro-brasileiras de “pregar doutrinas demoníacas”, ele recentemente pediu desculpas por seu comportamento “imaturo” e prometeu que se tornaria um modelo de tolerância, embora tenha fugido dos debates e da imprensa.

A boa notícia, pelo menos, é que os candidatos intuem que, para vencer eleições hoje em dia, é necessário dar um passo para o centro. Os eleitores, especialmente da classe média, querem uma mudança administrativa, não uma ruptura.

Mas isso também significa que política se tornou uma batalha de almas. Antigamente, o Brasil era um monopólio do catolicismo romano; agora, os protestantes evangélicos representam quase quatro de cada dez adoradores, de acordo com uma pesquisa do Pew Research Center. É revelador que a pesquisa também tenha concluído que os protestantes do Brasil têm uma probabilidade três vezes maior que a dos católicos de compartilhar sua fé com os outros e que os jovens protestantes são mais devotos que os católicos da mesma faixa etária.

Crivella, um devoto do pentecostalismo — uma forma agressiva e drástica do evangelicalismo cristão –, é o primeiro do rebanho a se tornar prefeito de uma cidade grande. Ao longo da campanha, ele se saiu melhor nos redutos protestantes (com 72 por cento dos votos) e entre eleitores mais velhos, pobres e de menor escolaridade.

Sua força provocou algumas alianças improváveis de última hora, a começar com um grupo de padres católicos que declarou apoio ao socialista Freixo. Eles foram imediatamente censurados pelo arcebispo do Rio Orani Tempesta, que, semanas antes, também havia repreendido a campanha de Crivella por usar a foto do cardeal em um panfleto. Em vez de tentar invocar a intervenção divina, a classe política do Rio deveria escutar seus eleitores, um recorde de 45 por cento deles desperdiçaram seus votos (20 por cento) ou simplesmente se recusaram a comparecer às urnas.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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