PEC dos Precatórios: Congresso tenta avançar com “fatiamento”, mas “colcha de retalhos” de senadores dificulta

Senadores cobram de Lira garantia de que "PEC paralela" não será engavetada na Câmara; mudanças forçam deputados a rediscutirem subteto dos precatórios

Marcos Mortari

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Quase quatro meses após enviada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso Nacional, a PEC dos Precatórios passou por diversas modificações ao longo de sua tramitação no parlamento, mas continua a prioridade do governo federal para abrir espaço fiscal no Orçamento de 2022 e garantir o pagamento do Auxílio Brasil em parcelas de R$ 400,00.

De 4 artigos, 16 parágrafos e 11 incisos redigidos na versão original da PEC, 2 artigos, 11 parágrafos e 11 incisos foram excluídos da redação final. Sofreram modificações relevantes durante a tramitação no parlamento 1 artigo e 3 parágrafos. Considerando a versão atual do substitutivo em discussão, foram introduzidos 12 artigos, 29 parágrafos e 26 incisos.

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O texto, aprovado na semana passada pelo Senado Federal, precisa ser submetido a nova análise pela Câmara dos Deputados. Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição, pela regra, a mesma versão precisa ser apreciada pelas duas casas legislativas para que a matéria possa ser promulgada. Do contrário, ela segue em pingue-pongue a cada modificação.

O Palácio do Planalto tem pressa para ver o texto em vigor, por isso patrocina a possibilidade de “fatiamento” da proposta, caminho defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Tal encaminhamento viabilizaria a promulgação dos pontos em comum aprovados pelas duas casas e o envio das modificações feitas pelos senadores à análise dos deputados.

O movimento, no entanto, sofre resistências por parte dos senadores, que temem que a “PEC Paralela” pare na gaveta da Câmara dos Deputados, como ocorreu em outras ocasiões ‒ caso da própria discussão da reforma da previdência.

Como o clima entre as casas não é dos mais amistosos, há pressão dos pares sobre Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal, para que ele não aceite o “fatiamento”. Já Lira argumenta que não há tempo hábil para que a casa legislativa se debruce sobre as modificações remetidas pelos senadores ainda em 2021. Ou seja, sem o “fatiamento”, poderia haver riscos ao novo programa social.

Na avaliação do deputado, o que voltar do texto precisará passar mais uma vez pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), por comissão especial, para depois ser submetido a dois turnos de votação em plenário, com quórum de 3/5 (ou seja, pelo menos 308 votos de 513 possíveis). O que seria impossível de cumprir até 17 de dezembro, quando começa o recesso parlamentar.

Além da indisposição política, um agravante para que se construa saída a partir do “fatiamento” da PEC dos Precatórios consiste na forma como a proposta foi aprovada pelos senadores – uma “colcha de retalhos” que, ao final, impede que somente a vontade dos deputados seja atendida.

O texto votado na casa legislativa incluiu, logo no caput do artigo que trata do subteto para o pagamento de precatórios, carimbos para a destinação dos recursos abertos como espaço fiscal. Desta forma, seria impossível a promulgação de apenas um trecho do dispositivo.

A mesma estratégia foi utilizada para reduzir a vigência do subteto dos precatórios de 2036 para 2026, tornando necessária a volta do trecho para análise dos deputados, deixando a promulgação apenas para o momento em que as casas chegassem a um consenso sobre o tema.

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Caso, ainda assim, decida-se pelo “fatiamento” da PEC, poderia ser promulgada versão apenas com as mudanças impostas na metodologia do teto de gastos ‒ ou seja, ironicamente, a PEC dos Precatórios poderia estar sem nenhum dispositivo tratando da limitação ao pagamento das dívidas judiciais em um exercício (a motivação inicial de sua criação).

Nesta hipótese, o espaço fiscal aberto seria menor, já que o governo precisaria honrar integralmente os R$ 89,1 bilhões de precatórios expedidos pelo Poder Judiciário até agosto de 2021. O que na prática deixaria menos espaço orçamentário para outras despesas ‒ inclusive para o próprio Auxílio Brasil ou para o aumento das “emendas de relator” e do fundo eleitoral.

Diante dos obstáculos para um acordo entre Lira e Pacheco, o governo federal cogitou a ideia de publicar medida provisória liberando crédito para pagar o complemento do Auxílio Brasil em dezembro.

Isso afastaria os riscos jurídicos de eventuais questionamentos a um suposto descumprimento da Lei Eleitoral caso o aumento fosse concedido em 2022, apesar de decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) dar maior respaldo ao governo.

Em novembro, a maioria dos ministros da corte entendeu que a determinação judicial para o governo regulamentar uma renda básica para os cidadãos (fruto de outra decisão do tribunal) se sobrepõe aos obstáculos legais de um ano de eleição. Mas há um receio de integrantes do governo em se fiar em tal decisão como respaldo para o Auxílio Brasil de R$ 400,00.

As negociações preliminares envolvendo o “fatiamento” da PEC dos Precatórios têm sido marcadas por uma cobrança dos senadores por um compromisso de Lira de que a Câmara dos Deputados não irá engavetar as mudanças que eles aprovaram e de que irá submeter os trechos a votação do plenário na volta do recesso parlamentar.

Mas o deputado resiste por não concordar com pontos decididos pela outra casa legislativa ‒ caso da retirada dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) do teto de gastos, por exemplo.

Possíveis avanços

Após o clima tenso da reunião realizada, na tarde desta segunda-feira (6), entre os senadores e Lira, a impressão nos bastidores é de que o ambiente melhorou com o avançar da noite.

Senadores antes irredutíveis com a ideia do “fatiamento” passaram a fazer acenos favoráveis à possibilidade de acordo. Em outra ponta, a decisão da ministra Rosa Weber, do STF, de liberar a execução das emendas de relator-geral do orçamento (RP-9) previstas para o ano de 2021, trouxe alívio no mundo político.

Neste momento, ganha força a possibilidade de promulgação parcial da PEC dos Precatórios associada ao compromisso de Arthur Lira em colocar em votação direto no plenário das alterações promovidas pelos senadores. Uma das opções seria apensar a “PEC paralela” a outra proposta de temática similar já pronta para ir a plenário.

Mas, mesmo com o avanço do ponto de vista político do imbróglio, será necessário malabarismo técnico para a promulgação dos pontos em comum aprovados pelas duas casas em nível satisfatório para a maioria dos atores envolvidos nas negociações. Muitos nós ainda precisam ser desatados e o tempo joga contra o governo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.