PEC da Transição permite liberação de recursos do ‘orçamento secreto’ em 2022 e pode ajudar Bolsonaro a fechar as contas

Ajuste foi sugerido pela senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, e teve a anuência de petistas

Marcos Mortari

O plenário do Senado Federal em sessão deliberativa (Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

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O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição aprovado na quarta-feira (7) pelo plenário do Senado Federal em dois turnos abre a possibilidade para que os R$ 7,8 bilhões atualmente bloqueados das emendas de relator do Orçamento de 2022 sejam liberados até o fim do ano e pode ajudar o governo Jair Bolsonaro (PL) a fechar as contas.

O movimento seria viabilizado por trecho que permite o gasto de valores obtidos a partir de “excesso de arrecadação”, fora do teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à inflação acumulada no ano anterior −, em investimentos públicos.

O cálculo é feito com base na comparação do resultado das receitas do governo federal em um exercício e o que havia sido projetado na peça orçamentária.

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O saldo, se positivo, poderia ser gasto até o limite de R$ 23 bilhões – teto definido a partir da marca de 6,5% do excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício de 2021. Caso a norma seja aprovada pela Câmara dos Deputados e promulgada pelo Congresso Nacional, este seria o valor adicional destravado ainda no Orçamento deste ano.

Com isso, o próprio governo Bolsonaro poderia ser beneficiado, contando com mais recursos para aliviar a pressão para cumprir despesas de custeio já programadas, recentemente bloqueadas em áreas fundamentais, como Saúde e Educação.

Os cortes anunciados no fim de novembro somam mais de R$ 15 bilhões e colocaram o governo federal em condição de paralisia em diversas áreas. Universidades, institutos federais, pesquisadores bolsistas, residentes de medicina e beneficiários do programa Farmácia Popular estão na lista dos principais afetados pelo “shutdown”.

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A mudança no texto da PEC da Transição também atende ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já que pode destravar recursos para o pagamento de emendas de relator bloqueadas.

Nos bastidores, o instrumento − chamado tecnicamente de RP9, mas mais conhecido como “orçamento secreto” − é visto como arma para a recondução do parlamentar ao comando da casa legislativa.

As emendas de relator são feitas pelo deputado ou senador que, em determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento − o chamado relator-geral. Na peça de 2023, o cargo é ocupado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI).

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Apesar de levarem a assinatura do relator, tais emendas representam sugestões feitas por diversos parlamentares, negociadas ao longo da tramitação do Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA). Mas as impressões digitais dos autores originais dos pedidos que deram origem a essas emendas não são passíveis de monitoramento.

O apelido “orçamento secreto” vem justamente da falta de transparência na execução das despesas e, sobretudo, na autoria do pedido para a alocação dos recursos, que representam cada vez uma fatia maior das despesas públicas em um exercício.

As emendas de relator foram transformadas, durante o governo de Jair Bolsonaro, como a principal ferramenta de negociação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, exercendo papel fundamental na construção de uma base de apoio ao Poder Executivo no Legislativo.

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Embora a decisão sobre a destinação dos recursos concentre poderes nas mãos do relator do Orçamento, a alegação é que, na prática, Lira passou a ter grande influência sobre o processo.

Atualmente, quatro ações tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade do dispositivo. O julgamento foi iniciado na última quarta-feira, mas deve ser retomado apenas na semana seguinte. No mundo político, há uma avaliação de que a decisão dos magistrados pode impactar a tramitação da PEC da Transição.

O texto original da PEC, protocolado em acordo com o governo eleito por Marcelo Castro, previa que o “excesso de arrecadação” somente poderia ser utilizado para despesas fora do teto de gastos a partir do ano que vem.

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Dizia o trecho:

“§ 6º-B Não se incluem no limite, a partir do exercício financeiro de 2023, e se incluem na base de cálculo estabelecidos, respectivamente, no inciso I do caput e no § 1º deste artigo, e não são consideradas para fins de verificação do cumprimento da meta de resultado primário estabelecida no caput do art. 2º da Lei nº 14.436, de 9 de agosto de 2022, as despesas com investimentos em montante que corresponda ao excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária, limitadas a 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) do excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício de 2021”.

Durante as discussões sobre a matéria, de modo a agregar apoio entre os parlamentares em um prazo apertado para a tramitação de uma PEC, o relator Alexandre Silveira (PSD-MG) decidiu, com anuência de aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estender a aplicação do dispositivo para o exercício de 2022.

Com isso, o texto passou para:

“§ 6º-B Não se incluem no limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo as despesas com investimentos em montante que corresponda ao excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária, limitadas a 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) do excesso de arrecadação de receitas correntes do exercício de 2021”.

A exclusão da expressão “a partir do exercício financeiro de 2023” foi solicitada pela senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe e suplente de Ciro Nogueira (PP-PI), atualmente ministro da Casa Civil de Bolsonaro, em emenda.

A parlamentar alega que a emenda “tem por objetivo permitir a aplicação das exceções alvitradas já a partir de 2022, especialmente porque em sua maioria atingirão investimentos em execução no presente exercício, não representando uma inovação em termos de oferta de política pública”.

“Limitar essa exclusão apenas a partir de 2023 significa impedir que seus efeitos atinjam de imediato o seu objetivo, num ano de sérias dificuldades orçamentárias e financeiras como este que enfrentamos, em decorrência do cenário internacional e da pandemia de covid-19, com especial impacto sobre as despesas de investimento”, afirmou.

Já o relator disse considerar “bastante meritório” a liberação de recursos de “excesso de arrecadação” para investimentos. Na sua avaliação, “o teto de gastos tem tido, como um efeito colateral, a compressão das despesas discricionárias, especialmente dos investimentos”.

A inclusão de demandas de parlamentares do “centrão” e um auxílio ao próprio governo Bolsonaro pode ajudar Lula a superar a barreira do prazo apertado e aprovar a PEC da Transição em tamanho robusto antes do recesso parlamentar.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.