Paulo Sérgio Nogueira pede desculpas a Moraes e nega minuta golpista

Ex-ministro da Defesa elogia gestão de Moraes no TSE e contradiz depoimento de Almir Garnier sobre relatório das urnas

Marina Verenicz

Ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira - Foto: Ton Molina/STF
Ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira - Foto: Ton Molina/STF

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O Supremo Tribunal Federal (STF) finaliza nesta terça-feira (10) os interrogatórios sobre a suposta trama golpista de 2022 com o depoimento do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.

O general surpreendeu ao pedir desculpas públicas ao ministro Alexandre de Moraes pelas críticas feitas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e elogiar a gestão do magistrado na presidência da Corte eleitoral.

O caso investiga uma suposta conspiração para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. A Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta Bolsonaro como figura central da trama, que teria envolvido militares de alta patente e autoridades do governo federal.

Pedido de desculpas público a Moraes

Durante o interrogatório, Paulo Sérgio Nogueira fez um pedido de desculpas público ao ministro Alexandre de Moraes. “Inicialmente, presidente, eu queria me desculpar publicamente por ter feito essas colocações naquele dia”, declarou o ex-ministro.

Nogueira justificou suas declarações passadas como reflexo de sua inexperiência no cargo ministerial. “Eu tinha assumido o Ministério da Defesa em abril de 22, eu vinha do Exército. Talvez, com aquela postura de militar, e vendo aos poucos que na Defesa as coisas seriam diferentes”, explicou.

O general reconheceu ter usado “palavras completamente inadequadas” para tratar do trabalho do TSE e dirigiu-se diretamente a Moraes: “mais ainda olhando para vossa excelência, porque nós trabalhamos juntos nesse processo”.

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Elogios à gestão de Moraes no TSE

Contrariando expectativas, Paulo Sérgio Nogueira teceu elogios à gestão de Alexandre de Moraes na presidência do TSE. “A ascensão de vossa excelência à presidência do Tribunal Superior Eleitoral facilitou a minha vida”, afirmou o ex-ministro.

Como exemplo da boa relação, Nogueira citou o teste de integridade com biometria das urnas eletrônicas. Segundo ele, inicialmente havia “dificuldades logísticas pela proximidade do pleito”, mas Moraes determinou: “Vamos fazer, sim”.

“O senhor determinou um número de urnas e, com o senhor, consegui quase que triplicar. Esse teste, nas eleições de 2024, foram repetidas”, destacou Nogueira, apresentando o episódio como prova de colaboração efetiva com o TSE.

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Contradição com Almir Garnier

Um dos pontos mais controversos do depoimento foi a contradição direta com o testemunho do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Paulo Sérgio Nogueira negou ter discutido um relatório crítico às urnas eletrônicas com o almirante.

“O próprio Almirante Garnier disse hoje, que nós despachamos com ele esse relatório. Presidente, eu não despachei esse relatório com ninguém, o relatório era da comissão”, declarou categoricamente o ex-ministro.

Nogueira também afirmou nunca ter sido pressionado por Bolsonaro sobre o relatório, contradizendo versões anteriores que sugeriam interferência presidencial no documento da Comissão de Transparência Eleitoral.

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Negação de insinuação de fraude

Sobre o polêmico relatório das urnas eletrônicas, Paulo Sérgio Nogueira negou ter insinuado fraude no processo eleitoral. “Quando o primeiro relatório saiu, houve uma repercussão impressionante. E ficou aquela: teve fraude ou não teve fraude?”, explicou.

O ex-ministro admitiu ter sido inadequado em suas palavras: “Eu soltei essa nota e, talvez, nas palavras eu não fui legal. Eu queria era desvincular o relatório com a fraude”. Demonstrando arrependimento, acrescentou: “Se fosse hoje, não teria feito essa nota, ou teria feito um esclarecimento mais ameno”.

Nogueira enfatizou que não teve “intenção de contrariar ou confrontar o TSE” e que o parecer da Comissão de Transparência Eleitoral, chefiada por militares em parceria com o TSE, não encontrou vulnerabilidades nas urnas eletrônicas.

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Desconhecimento de minuta golpista

O ex-ministro negou conhecimento de uma minuta golpista enviada por Mauro Cid a Walter Braga Netto. O documento “Bolsonaro Min Defesa 6-11 semifinal.docx”, datado de 5 de novembro de 2022, apontava supostas vulnerabilidades nas urnas e seria endereçado ao ministro da Defesa.

“Eu concluí que era um texto encaminhado a Braga Netto e supostamente endereçado a mim”, declarou Nogueira, afirmando que soube do documento apenas através do inquérito e nunca o recebeu diretamente.

A negação é significativa, pois o documento representa uma das evidências centrais da acusação sobre a participação do Ministério da Defesa na elaboração de narrativas golpistas.

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Encontro com hacker confirmado

Paulo Sérgio Nogueira confirmou ter recebido o hacker Walter Delgatti no Ministério da Defesa a pedido de Bolsonaro. “Bolsonaro ligou e pediu que ele recebesse Walter Delgatti no Ministério da Defesa para ver se ele tinha ‘algo a acrescentar’ sobre as urnas eletrônicas”, relatou.

No entanto, o ex-ministro minimizou a importância do encontro: “o hacker esteve lá apenas uma vez, por cerca de 15 minutos”. Mais significativo ainda, Nogueira afirmou que “esse cidadão não saiu da sala de espera”, sugerindo que não houve reunião formal ou troca substancial de informações.
Admissão de contato com minuta golpista

Em uma revelação crucial para o processo, Paulo Sérgio Nogueira admitiu ter tido contato com a minuta golpista durante reunião com Bolsonaro. “Tive contato no dia 7 de dezembro, numa projeção de considerandos, em uma reunião com o presidente Bolsonaro. Depois, nada de minuta de golpe”, declarou o ex-ministro.

A admissão representa uma mudança significativa em relação a negações anteriores e confirma que documentos golpistas circularam no alto escalão do governo. No entanto, Nogueira tentou minimizar sua participação, alegando que se tratava apenas de “considerandos” e não de uma minuta propriamente dita.

“Eu nunca peguei minuta de golpe para tratar com comandantes das Forças Armadas”, enfatizou o ex-ministro, buscando estabelecer uma distinção entre ter conhecimento do documento e utilizá-lo para pressionar militares.

Reunião de 7 de dezembro: “tempestade de ideias”

Sobre o encontro de 7 de dezembro de 2022 com Bolsonaro e comandantes militares, Paulo Sérgio Nogueira ofereceu uma versão que busca caracterizar as discussões como exploratórias, não operacionais. Segundo ele, o presidente mostrou apenas “ações e eventos em que ele se sentiu prejudicado ou injustiçado”.

O ex-ministro admitiu que estados de sítio e defesa foram discutidos, mas os caracterizou como parte de uma “tempestade de ideias” durante as conversas. A expressão sugere brainstorming teórico, não planejamento concreto de ações antidemocráticas.

Essa versão contrasta com depoimentos de outros envolvidos que descreveram reuniões mais estruturadas e com objetivos específicos de articulação golpista.

Episódio “comandante”: momento descontraído

Um momento inusitado do interrogatório ocorreu quando Paulo Sérgio Nogueira chamou Alexandre de Moraes de “comandante”, corrigindo-se rapidamente para “ministro”. O lapso revelou a mentalidade militar do depoente e gerou uma resposta bem-humorada do magistrado.

“Isso é um elogio. Nas redes sociais, já recebi elogios piores”, respondeu Moraes, provocando risos no plenário. O episódio ilustrou o tom mais descontraído do interrogatório de Nogueira em comparação com outros réus.

Preocupação com “Bolsonaro deprimido”

Paulo Sérgio Nogueira revelou ter proposto uma “escalinha” entre os três comandantes militares para visitar Bolsonaro, alegando preocupação com o “estado de saúde” do ex-presidente. Segundo ele, entre novembro e dezembro de 2022, esteve “ao menos vinte dias ao lado” de Bolsonaro.

A declaração busca humanizar a relação com o ex-presidente e justificar a proximidade no período pós-eleitoral como cuidado pessoal, não conspiração política. No entanto, essa proximidade constante também pode ser interpretada como evidência de participação ativa nas articulações do período.

Nova contradição com Baptista Júnior

A versão de Paulo Sérgio Nogueira sobre as reuniões com comandantes militares conflita diretamente com o depoimento de Carlos Baptista Júnior. O ex-comandante da Aeronáutica havia acusado Nogueira de apresentar documento com propostas de estados de sítio e defesa em 14 de dezembro de 2022.

“Eu nunca tratei de minuta de golpe com meus três comandantes”, declarou categoricamente Nogueira, criando uma contradição frontal com o testemunho de Baptista Júnior. Essa divergência será crucial para a avaliação da credibilidade dos envolvidos pelos ministros do STF.

Monitoramento de protestos

O ex-ministro admitiu que monitorava protestos através das redes sociais e revelou suas preocupações com a escalada dos atos. “Temia que uma liderança levantasse o braço”, declarou Nogueira, sugerindo receio de que os protestos ganhassem direcionamento mais radical.

Essa admissão indica que o Ministério da Defesa acompanhava ativamente os movimentos pós-eleitorais e tinha consciência do potencial de radicalização dos atos. A declaração pode ser interpretada tanto como preocupação legítima com a ordem pública quanto como monitoramento para fins de articulação política.