Para presidente mundial do conselho da A.T. Kearney, Brasil parou de avançar

Em entrevista ao InfoMoney, Paul Laudicina diz que o governo não pode agir como um adversário do setor privado - ou correrá o risco de apenas distribuir pobreza

João Sandrini

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(SÃO PAULO) – Para o presidente mundial do conselho de administração da consultoria A.T. Kearney, Paul Laudicina, o Brasil entrou em um platô e parou de avançar nos últimos anos. Em entrevista ao InfoMoney, Laudicina, que já visitou o Brasil diversas vezes, afirma que o país está muito mais forte que há 20 anos, mas não pode mais deixar de lado investimentos em infraestrutura, educação e pesquisa. Ex-funcionário da ONU e do Senado dos EUA, o consultor acredita que falta ao governo a visão de que não dá para querer controlar a taxa de retorno dos investimentos privados. O risco, diz ele, é o governo derrotar a si mesmo e só conseguir distribuir a pobreza. Na entrevista a seguir, concedida na sede da A.T. Kearney em São Paulo, Laudicina também fala de seu novo livro, “Beating de Global Odds: Succesful Decision-Making in a Confused and Troubled World” (em português, “Superando as Chances Globais: Tomada de Decisão Bem-Sucedida em um Mundo Confuso e Conturbado”), que ainda não foi lançado no Brasil:

InfoMoney – Como o sr. vê o cenário econômico brasileiro?

Paul Laudicina – Vim ao Brasil várias vezes nos últimos 30 anos e vejo o país em uma posição muito mais forte do que no passado. No início do governo FHC, o Brasil discutia como atrair mais investimentos estrangeiros. Desde então, o investimento estrangeiro, que ficava entre US$ 10 bilhões e US$ 12 bilhões por ano, cresceu para US$ 65 bilhões. O Brasil tem dois fatores de competitividade: riquezas naturais e demografia favorável. Mas o país precisa investir em infraestrutura, estradas, ferrovias, portos e aeroportos. Também faltam mais investimento em educação e pesquisa para continuar atrativo aos investidores no médio e no longo prazo. O Brasil deu passos à frente, mas agora está em um platô e precisa tomar novas medidas para continuar avançando.

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IM – Como sair desse platô?

PL – Em primeiro lugar, é preciso melhorar o diálogo entre o setor público e o setor privado. Precisa haver uma causa comum que una os dois lados. A menos que o governo construa um ambiente de negócios mais saudável, as empresas não vão conseguir crescer, e o governo não vai conseguir arrecadar o dinheiro necessário para investir mais nas pessoas. O país precisa evitar esse círculo vicioso, e isso começa com o diálogo. Com os recursos que o governo tem hoje, é impossível fazer tudo sozinho. Então eles precisam ser criativos para atrair o dinheiro privado com parcerias.

IM – Mas, ao intervir mais na economia, o resultado não pode ser justamente o contrário, de reduzir o investimento privado?

PL – A política atual me faz recordar um ex-presidente da Tanzânia chamado Julius Nyerere. Anos atrás, ele, que era socialista, foi eleito democraticamente com a promessa de dividir a riqueza. Ao final de seu governo, no entanto, ele admitiu que só foi capaz de dividir a pobreza. O governo precisa permitir a criação de novas formas de gerar riqueza porque é isso que vai levar ao crescimento sustentável. Se o governo quiser gerenciar a taxa de retorno das empresas, estará fazendo a coisa errada. O governo tem certa razão ao não confiar no setor privado. Nós conhecemos os excessos que as empresas cometeram no passado recente. Mas, ao mesmo tempo, o setor público não pode ser um adversário do setor privado porque, assim, eles vão derrotar eles mesmos. O governo precisa de um novo pacto social com os empresários e com os trabalhadores.

IM – Analisando discursos recentes de membros do governo, fica a impressão que eles parecem acreditar que as políticas estão corretas, mas que o mercado não as compreendem. O sr. acredita que seja apenas um problema de comunicação?

PL – Isso é como dizer que a cirurgia foi bem-sucedida ainda que o paciente tenha morrido. Se alguém diz que está adotando as políticas corretas e ao mesmo tempo admite que ninguém as compreendeu, na verdade está tomando as decisões erradas. Uma política que não foi compreendida, não foi bem implementada e não gera os resultados esperados é uma política ineficaz. Se o resultado da medida não é o esperado, não dá para dizer que foi a melhor decisão. Nos EUA, é a mesma coisa. No início da década passada, o Congresso aprovou um conjunto de medidas que ficou conhecido como lei Dodd-Frank e que aumentou a regulação sobre as empresas. O problema é que ninguém entendeu como aquilo poderia ser cumprido. Então a legislação acabou custando um monte de dinheiro e não protegeu ninguém. Só os advogados ganharam dinheiro avaliando o que aquilo poderia representar. Mas, para o país, foi ineficaz.

IM – O sr. acredita que os EUA começam finalmente a sair da crise?

PL – Os EUA têm um tremendo potencial no médio e no longo prazo por causa da demografia favorável. No mundo desenvolvido, só a Austrália e os EUA são ajudados pela baixa idade média da população. A política de imigração chegou a se mostrar equivocada anos atrás por causa dos atentados terroristas de 2001 e por estupidez. Mas agora o governo voltou a entender que a maior abertura à entrada de trabalhadores estrangeiros é um componente da competitividade. Vários CEOs de empresas americanas são estrangeiros. Drenar os cérebros de outros países só beneficia uma sociedade. Além dos recursos humanos, os EUA estão agora vislumbrando a possibilidade de se tornarem autossuficientes em petróleo a partir de 2020. Há cinco anos todo mundo falava de como o país era refém dos países produtores de hidrocarbonetos. Agora várias empresas voltaram a ser competitivas com o gás barato que está sendo produzido.

IM – E quais são as dificuldades americanas?

PL – O que falta é as pessoas entenderem que é preciso abrir mão do curto prazo para construir o futuro e acabar com o distanciamento entre o setor público e o setor privado. O governo Obama foi eleito para controlar um setor privado que havia falhado. Resolvida uma boa parte dos excessos da administração anterior, agora é a vez de resgatar a confiança do setor privado, tão importante para o crescimento. Durante a última campanha eleitoral, o vice-presidente, Joe Biden, adotou o slogan “Osama Bin-Laden está morto e a GM está viva”. Era uma tentativa de mostrar que houve avanços na política externa e interna. A frase é boa, mas o problema é que as coisas são um pouco mais complexas. Há um problema fiscal e um distanciamento muito grande entre os dois partidos políticos no Congresso. Obama tem que demonstrar que pode unir as pessoas.

IM – E na Europa, há solução para a crise?

PL – Acho que eles também não estão pensando muito no longo prazo. Na década 1950, a Europa estava saindo da traumática Segundo Guerra Mundial e tinha a visão clara de que era necessário seguir um caminho diferente, com mais integração. Eles queriam transformar outra guerra em algo impensável ao mesmo tempo em que pretendiam chegar a um modelo econômico inimaginável. Todo cidadão europeu entendeu a necessidade de criar uma comunidade. Eles aceitaram a ideia de abrir mão de algo no curto prazo para criar um futuro melhor adiante. Agora as pessoas não se preocupam mais com guerra e veem a União Europeia mais como uma ameaça do que como um benefício. Os governos precisam orquestrar um discurso que mostre quão importante é a União Europeia no longo prazo. Os líderes precisam inspirar as pessoas a fazer melhor.

IM – O sr. acaba de lançar o livro “Beating de Global Odds”. Quais as principais mensagens da obra?

PL – É uma reflexão sobre o que aconteceu no mundo nos últimos anos. Os desequilíbrios econômicos, políticos e demográficos levaram ao crash de 2008. O mundo então entrou num processo de desalavancagem para reduzir esses desequilíbrios, mas esse é um processo que, a meu ver, ainda não acabou. Alguns países estão avançando e outros, não. No geral, acho que há mais confiança dos agentes econômicos e mais clareza sobre o que precisa ser feito do que há três ou quatro anos. Mas vai demorar para chegarmos ao ponto onde estávamos no final da década de 1990 ou no começo da década de 2000. O setor privado na Europa e nos EUA ainda está sentado encima de mais de US$ 3 trilhões, esperando que apareçam oportunidades para investir. Já o setor público está tentando fazer mais com menos. O que precisa haver é uma negociação para que o setor privado ajude o setor público a atingir seus objetivos.

IM – Quais são as lições da crise?

PL – Vejo três lições. Precisamos ser mais focados em criar valor do que em criar riqueza. Criar bons produtos e serviços e ter ideias inovadoras é o que gera riqueza, e não instrumentos financeiros sofisticados que quase ninguém entende. Assim como o setor financeiro, a indústria também parece estar se sofisticando exageradamente. Há carros com funcionalidades demais que ninguém usa. Há muitos tipos de xampu na prateleira do supermercado. No livro “The Paradox of Choice”,Barry Schwartz demonstrou que quanto mais opções de escolha você dá a uma pessoa, menos capaz de decidir ela é. Imagime que você vai à farmácia comprar um xampu para sua filha e, chegando lá, percebe que há xampu para cabelo curto, xampu para cabelo crespo, xampu para cabelo ressecado e tantas outras opções que, na dúvida, você acaba desistindo da compra. Não é isso que o consumidor precisa. Pense na Apple. A razão do sucesso de Steve Jobs era que a Apple tinha soluções simples e competitivas em computadores e em smartphones. As pessoas aceitavam pagar mais por um produto inovador, simples e fácil de usar.

IM – Mas até a Apple enfrenta dificuldades para crescer neste momento…

PL – É verdade que a ação da empresa caiu de US$ 700 para US$ 400, as expectativas mudaram, não há mais Steve Jobs, a Samsung está crescendo rápido… Mas o ponto é que a inovação é uma coisa que continua. Você não pode nunca sentar e descansar, pensando que tudo continuará bem e que a liderança é para sempre. O porte também é um problema. Quanto maior e mais escrutinada é uma empresa, mais vulnerável ela se torna. As decisões começam a se tornar difíceis e os executivos acabam evitando a tomada de riscos. A própria empresa acaba se esquecendo como chegou lá e quem ela é.

IM – Quais são as outras duas lições da crise?

PL – É preciso manter o foco nas metas de médio e longo prazo. Há ciclos econômicos e fatores comportamentais que nos empurram a pensar mais no curto prazo e em gratificações imediatas. As empresas se esforçam para entregar bons resultados aos investidores no próximo trimestre. Já o governo costuma se preocupar com as próximas eleições. Os trabalhadores também pensam nos próximos bônus. Isso tudo é muito perigoso. Eu gosto de carregar na minha carteira cartões que dizem o que é importante no médio e no longo prazo, para que eu não perca o foco.

IM – E a última lição?

PL – As empresas precisam entender a diferença entre fazer algo bem e fazer o bem. As empresas não podem mais apresentar bons resultados às custas de atitudes pouco sustentáveis. Elas precisam saber que há impactos de suas decisões na sociedade, devem ser transparentes e assumir a responsabilidade por seus erros. Faça as coisas com o interesse público em mente que o consumidor vai valorizá-lo. A Nestlé e a Coca-Cola entendem isso.

IM – Alguma empresa brasileira age assim?

PL – A Natura é um exemplo. Eles não querem só entregar um bom produto. Querem fazer isso de uma forma socialmente sustentável. Veja o apelo que os produtos deles têm.

IM – E que governos estão na direção certa?

PL – Cingapura é um exemplo. Há 30 ou 40 anos, eles eram um país pobre que não tinha recursos naturais, abrigava muitas culturas diferentes. Eles chegaram à conclusão de que o futuro estava na biotecnologia e se reinventaram tirando o melhor das pessoas. Várias multinacionais de pesquisa e desenvolvimento instalaram sedes no país, tornando-o um “hub” mundial de biotecnologia. O governo abriu as portas para estrangeiros de forma a atrair o capital humano que estaria à frente dessa guinada. E olha que Cingapura não era um povo aberto a outras culturas. É a prova que um país pouco competitivo, usando as políticas corretas, pode se transformar.

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