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SÃO PAULO – A nova interferência do Judiciário sobre o Legislativo, com a decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello em afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado Federal, trouxe mais instabilidade ao mundo político e aprofundou a crise entre as duas esferas de poder no sistema de pesos e contrapesos da democracia nacional.
Para o jurista Rubens Glezer, professor da Escola de Direito da FGV e coordenador do Supremo em Pauta, o magistrado poderia ter mitigado os efeitos da ação caso optasse pela tomada de decisão colegiada em vez de assumir posição política monocrática, o que também poderia dar mais legitimidade à determinação da corte. Entretanto, optou-se pelo que chamou de “flerte com o caos”. “Os mercados poderiam ter derretido hoje”, alertou.
Lembra o especialista que já houve outros casos em que ministros do STF decidiram sozinhos com base em julgamentos que possuíam maioria, mas encontravam-se paralisados por pedido de vista. No entanto, ao contrário de ocasiões anteriores, nunca haviam sido julgados casos com tamanha repercussão política e interferência sobre o Legislativo.
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Mais do que isso, Glezer destaca outro problema importante que foi deixado de lado com a decisão solitária do ministro: “Há maioria pela procedência da ação [que trata da impossibilidade de réus figurarem na linha sucessória da Presidência da República], mas não quanto aos efeitos. Isso não necessariamente implicaria no afastamento [como ocorreu], mas que ele apenas não poderia fazer parte da linha sucessória”.
Se a decisão de afastar Eduardo Cunha de suas funções quando deputado e presidente da Câmara já havia sido alvo de questionamentos, com especialistas apontando para a nova função de Poder Moderador que o Supremo parecia assumir por iniciativa própria, o episódio envolvendo Renan Calheiros parece ainda mais sensível. “Sempre que há interferência mais incisiva de um poder sobre outro, há problemas. Além disso, o Supremo usou mecanismo de intervenção sem usar mecanismo de controle”, afirmou o professor.
Glezer sugeriu como possível alternativa ao excesso de poder conferido ao Supremo no caso a ratificação da decisão da corte pelo plenário da casa legislativa, tal como ocorre em casos de afastamento de presidentes da República. É nesta linha, inclusive, que vai a argumentação da defesa do senador peemedebista. Seria algo em parte similar ao que ocorreu com o ex-senador Delcídio do Amaral, mas neste caso há previsão legal que, em caso de prisões em flagrante, o plenário da casa precisa confirmar a decisão.
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O que esperar depois disso?
Apesar da série de problemas observados com a decisão individual de Marco Aurélio Mello, o especialista não acredita que o Supremo encontre espaço para modificar a decisão do magistrado em plenário. “Eles só reverteriam a decisão se o sistema prejudicasse a governabilidade [a níveis mais elevados]“. Para ele, seria difícil imaginar, pelo histórico da corte, que os ministros aceitariam assumir um grau de instabilidade insustentável, embora pareça mais confortável neste momento transferir o ônus para outro órgão — no caso, o Senado.
De todo modo, Glezer acredita na capacidade do sistema em absorver os ruídos gerados. Ele entende que tal processo já estaria em curso na própria imagem do senador Jorge Viana (PT-AC) — o interino natural com a confirmação do afastamento de Calheiros da presidência da casa. Resta saber quais seriam as contrapartidas exigidas, tendo em vista a atual posição apresentada por alguns correligionários sobre a possibilidade de adiar pautas caras ao governo Michel Temer na agenda de votação. A eleição para a mesa diretora do Senado poderia estabelecer fevereiro próximo como uma espécie de deadline para essa crise institucional. A observar se outras virão na sequência.