Para hedge fund, Bovespa e Brasil só têm um problema: o câmbio na direção errada

Economista-chefe de fundo inglês diz que a política de desvalorização do real do governo Dilma só beneficia indústrias poluentes, de baixo valor agregado, onde ninguém quer trabalhar

João Sandrini

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(SÃO PAULO) – Como economista-chefe do Toscafund, um hedge fund britânico com US$ 2 bilhões sob gestão e que investe globalmente, Savvas Savouri já visitou dezenas de países para levantar informações detalhadas, conversar com homens de negócios e reportar aos sócios do fundo suas impressões sobre essas economias. Em sua primeira visita ao Brasil há cerca de 10 dias, Savouri afirmou, em entrevista ao InfoMoney, que o principal erro do governo Dilma é tentar valorizar artificialmente o dólar para minimizar a baixa competitividade de algumas indústrias brasileiras. O real mais fraco, diz ele, encarece produtos importados, penaliza o consumidor, gera mais inflação, provoca alta dos juros, aumenta as despesas financeiras do governo e das empresas, impede que os impostos caiam, corrói os lucros do setor produtivo, afasta capitais estrangeiros e reduz os tão necessários investimentos em infraestrutura. “É um círculo vicioso”, afirma o economista. E a justificativa para as medidas que favorecem a alta do dólar – a proteção à indústria e ao emprego de milhões de brasileiros – também não seria razoável. “O real fraco só ajuda indústrias pouco competitivas, poluentes e de baixo valor agregado.” Ao invés disso, o governo deveria deixar o real se fortalecer, favorecer o consumo interno, atrair mão de obra qualificada e investir em pesquisa para trazer empresas de ponta. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Câmbio

O problema do Brasil é que o potencial de crescimento tem sido solapado por más decisões do governo. O exemplo mais claro é tratar o câmbio como arma numa guerra cambial. Não há motivos para temer uma moeda valorizada. Está mais do que provado em diversos países do mundo que a economia pode crescer com um câmbio em alta. O real fraco só ajuda indústrias pouco competitivas, poluentes e de baixo valor agregado, como de aço, plástico ou vidro. Essas indústrias empregam muita gente, mas com pouca qualidade de vida. O governo brasileiro não deve se importar tanto se a produção de aço cair. Exportem o minério de ferro e depois importem o aço mais barato que o produzido aqui. Façam dinheiro com os recursos naturais, como a Rússia. Eles vendem o minério de ferro para a Ucrânia e depois recompram o aço para criar um shopping center ou uma obra de infraestrutura. Com um real forte, o Brasil poderia atrair indústrias de alto valor agregado. Uma empresa que faz equipamentos que serão usados na construção de aviões não depende de preço, mas da qualidade dos bens produzidos e dos serviços. A Alemanha deveria ser um exemplo. O marco alemão e depois o euro tiveram uma intensa valorização nas últimas duas décadas. Mas a indústria exportadora da Alemanha teve um fortalecimento no período por causa da qualidade dos produtos que eles fazem. Com um real forte, o Brasil poderia atrair trabalhadores estrangeiros qualificados que ajudassem a criar centros de pesquisa e desenvolvimento no país. O Brasil poderia estar se beneficiando do caos na Europa incentivando a vinda de engenheiros ou médicos italianos, espanhóis ou portugueses. Esses profissionais se sentiriam mais estimulados a trabalhar no Brasil com um real valorizado porque, com um bom salário aqui, eles poderiam converter o que sobra para euros com um câmbio mais interessante. Angola e Moçambique estão recebendo muitos estrangeiros por esse motivo. Ter déficit nas contas externas não deveria preocupar o Brasil. Os EUA tiveram um período de 40 anos de crescimento excepcional, sendo que, na maior parte desse período, registraram déficit em transações correntes. Desde que haja entrada de capitais, não importa que o câmbio favoreça as importações. O Brasil está em uma posição em que pode importar mais que exportar porque, com a valorização do real, os investimentos estrangeiros seriam muito fortes. Outra medida que não faz sentido é taxar com IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] os investimentos estrangeiros, alegando que isso é “hot money” [capital especulativo]. Eu não consigo entender qual é a diferença entre “hot money” e “cold money”. Para mim, dinheiro é dinheiro. Com a atual política de desvalorização do real, o Brasil está dando um passo atrás. A alta do dólar provoca inflação, que provoca alta dos juros, que gera maiores gastos financeiros para empresas e governo, que provoca queda do lucro das empresas, que provoca saída de capitais, que reduz investimentos em infraestrutura. Não é preciso ter um Prêmio Nobel de Economia para entender que a apreciação do real ajudaria o governo a conter o problema inflacionário. A maior parte dos produtos de consumo brasileiros vem da China. Esses produtos estão ficando mais caros com o real mais fraco, e o consumidor está sendo penalizado. Sei que soará simplista, mas, quando o governo brasileiro comete esse erro de tentar depreciar o câmbio, qualquer outro erro não importa. Dada a demografia favorável e as riquezas naturais, o Brasil deveria estar crescendo 5% ao ano. O país também tem uma variedade de fontes de energia, como etanol, hidrelétricas, petróleo e gás. Eu investiria em um país como esse. Haveria muito mais do que pouco mais de 300 empresas na bolsa. O número de companhias listadas só é tão ridículo porque o lucro delas é comido pelo pagamento de juros elevados. O Ebitda das empresas brasileiras pode ser muito alto, mas o lucro não é tão alto. Então, antes de chegar à bolsa, as boas empresas brasileiras são compradas por uma multinacional ou uma firma de private equity estrangeira, que tem acesso a empréstimos com juros muito baixos. Já para o investidor comum, não há incentivo para investir na bolsa se o banco ou o título público vão remunerar o dinheiro com mais de 7% ao ano sem risco. Se as empresas não pagassem tanto em juros e impostos, lucrariam mais e teriam ações mais valorizadas. Eu achei um grande erro o Brasil ter elevado a Selic de 7,25% para 7,5%. O Brasil deveria estar reduzindo a taxa de juros, e não aumentando. O aumento de custo de capital no Brasil pode agravar o problema porque as empresas vão investir menos e haverá um crescimento menor da oferta futura. Já para o governo, fica difícil reduzir a carga tributária porque os custos com os juros da dívida são elevados. É um círculo vicioso. Favorecer a entrada de capital estrangeiro também aumentaria a competição entre as empresas. No varejo brasileiro, por exemplo, há apenas três grandes empresas. Em um país desenvolvido, são seis ou sete. Se houvesse incentivos para a vinda de mais empresas estrangeiras de varejo no Brasil, provavelmente também haveria margens de lucro menores e preços mais competitivos. Então os brasileiros gastariam menos no supermercado e sobraria mais dinheiro para o consumidor ir ao cinema, comprar roupas ou comer fora. Além da demografia e das fontes de energia, o Brasil também tem uma grande exposição à China. Isso é bom porque a China é uma economia muito mais saudável que os EUA. Outra vantagem do Brasil é estar muito próximo a países como Peru, Equador e Colômbia, que também estão se beneficiando da pressão exercida pela China sobre o preço das matérias-primas.

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China

A China é o país que vejo com maior otimismo. Não se preocupem demais com a China. Como eles começaram a se abrir para o mundo na década passada, eu não tinha uma opinião formada até 2007. Mas em 2008, eles provaram que são inteligentes o suficiente para não permitir que um problema no Ocidente afete a economia local. Os principais mercados das exportações deles, os EUA e a Europa, sofreram com uma grave crise na época, mas eles conseguiram se manter em pé. Então eu assumo que a China será capaz de continuar crescendo fortemente e suportará eventuais choques externos.

Índia

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Quando o Jim O’Neill [do Goldman Sachs] criou o termo BRIC, ele incluiu a Índia na lista. É um erro. Eles têm uma economia horrível. A Índia não tem os recursos naturais que o Brasil tem e exporta pouco. A população é enorme, mas muito improdutiva. A maior parte dos indianos passa a maior parte do tempo trabalhando apenas para produzir a comida necessária para se manter vivo. Eles fazem fronteira com países como Paquistão e Bangladesh, o que é um risco. A Índia não tem nada que a China queira. O “I” da sigla BRIC deveria ser Indonésia, e não Índia. A Indonésia é como o Brasil, tem muita riqueza natural que a China quer, com a vantagem de estar mais próxima dos chineses.

México

O México não é uma nação emergente comparável ao Brasil. Se fosse uma pessoa, o México estaria doente. A demografia não ajuda. Os recursos naturais, como o petróleo, estão em declínio. O México depende muitos dos EUA, em fluxo de recursos financeiros, investimentos e exportações. Se os EUA tiverem algum problema, o México vai junto. O Brasil não tem essa exposição, mas é uma loucura o que se vê no mercado. O Brasil paga mais que o México para financiar a dívida externa. O real tem se desvalorizado em relação ao peso mexicano. O paciente que está cronicamente doente, o México, deixou sua moeda se valorizar e está pagando menos juros que o paciente que é jovem e saudável, o Brasil.

África do Sul

A África do Sul oferece um ambiente bem pior que a Rússia em termos de criminalidade. É necessário gastar muito com segurança privada. Há vários guetos de pobreza. Johanesburgo é assustador. A burocracia para pagar impostos é maior. Tem mais banqueiro, fazendeiro ou minerador saindo da África do Sul do que indo para lá.

Austrália

O único país que tem um potencial melhor que o Brasil é a Austrália, que tem as riquezas naturais do Brasil, mas está geograficamente mais próxima à China. Muitos imigrantes estão de olho na Austrália. Falta gente lá. O Brasil tem uma população de 190 milhões de pessoas enquanto a Austrália tem 24 milhões. Eles vão ser 50 milhões até o final da década por conta desse poder de atração de pessoas.

EUA

As bolsas dos EUA não param de bater recordes porque algumas das principais empresas de consumo americanas, como a Procter & Gamble, tem operações na Ásia e estão colhendo resultados fantásticos por lá. O outro motivo é que o custo do dinheiro nos EUA é praticamente zero ou muitas vezes negativo em termos reais [descontada a inflação]. Com juros tão baixos, geralmente há um resultado forte no mercado acionário. Se o Brasil promovesse as condições para continuar a baixar os juros, provavelmente a bolsa subiria. Os americanos só trocam de carro a cada dois anos porque as taxas de juros são baixíssimas. As taxas de juros de longo prazo são 5 ou 6 pontos percentuais mais baixas nos EUA que no Brasil. Então todos os anos o lucro das empresas americanas é menos penalizado por despesas financeiras que o das brasileiras.

Europa

A zona do euro não vai se desfragmentar. Um país periférico não vai sair do euro porque seria o caos. Imagine que a Grécia decida trocar o euro por uma moeda própria. Se você tem uma loja e algo custa 1 euro, você vai querer receber um dracma na hora de vender uma mercadoria? Ninguém vai querer. E a Alemanha sair [uma proposta de George Soros] é outra ideia que não funciona. Eles são competitivos assim, com todos os países com uma moeda forte. Se a Alemanha tiver um marco muito valorizado em relação ao euro, talvez perca competitividade em relação aos vizinhos. Mas se a Europa está uma bagunça, isso é uma oportunidade para outros países, porque eles vão continuar tendo que exportar o que sempre exportaram: gente. Nunca tantos jovens desempregados como agora. Os europeus que foram para os EUA nos últimos 150 anos por causa de guerras e perseguições abriram empresas por lá. Boa parte das companhias do Dow Jones ou do S&P 500 foi criada por imigrantes europeus e seus descendentes. Como a Europa não tem um futuro brilhante, essas pessoas vão sair de lá e não vão voltar mais. O Brasil tem um grande chance de se tornar realmente global. O destino natural dessas pessoas sem emprego na zona do euro é Canadá, Austrália, Reino Unido, Brasil, Angola, Moçambique.

Ranking

O Brasil é melhor que a África do Sul, o México, a Índia, a Nigéria e até a Rússia. Mas o Brasil não é de forma nenhuma melhor que o Canadá, a Austrália ou a China. O Brasil não está no topo num ranking de países que oferecem boas oportunidades, mas poderia estar. Tomando as medidas erradas, o Brasil só se coloca mais para baixo na lista.

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