Pandemia ampliou urgência e oportunidade com a reforma tributária, avaliam especialistas

Vanessa Canado, Bernard Appy e Jorge Rachid veem momento único para o debate no país, mas expõem divergências sobre estratégia a ser adotada

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A pandemia do novo coronavírus ampliou a necessidade da discussão sobre mudanças no sistema tributário brasileiro, atacando ineficiências, distorções e a complexidade de um modelo em que o rechaço é consenso. Esta visão é dividida por três especialistas no assunto: Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia, Bernard Appy, economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), e Jorge Rachid, consultor tributário, ex-secretário da Receita Federal.

Eles participaram do evento online “Brasil 2021 em debate”, promovido pela XP Investimentos na última segunda-feira (7). No painel “Tributária: a próxima grande reforma”, o trio discutiu os caminhos para o aperfeiçoamento do sistema brasileiro e compartilhou uma visão otimista sobre o ambiente político para o avanço das discussões no Congresso Nacional e acerca de uma maior maturidade nos debates.

“Este período ainda de pandemia talvez seja o melhor momento para discutir a reforma tributária. A discussão sobre o nível de endividamento e a preocupação com os efeitos colaterais disso estão totalmente ligados à reforma tributária”, pontuou Vanessa Canado, que tem conduzido as discussões sobre o assunto no governo federal.

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Para ela, os dois principais desafios neste campo envolvem a desoneração da folha de salários, frequentemente apontada como um dos gargalos para o ingresso de parcela relevante da população no mercado de trabalho formal, e a reforma da tributação sobre o consumo, por seu potencial de combate a ineficiências, atração de investimentos e geração de crescimento econômico a médio e longo prazos.

“A reforma tributária é um grande ingrediente motivador do crescimento econômico, não só pelos ganhos de produtividade, dado hoje o nível de distorção alocativa causada pelo nosso sistema, mas também porque a reforma de uma tributação do consumo que leve em consideração um padrão de simplicidade e que se mantenha forte em níveis de arrecadação favorece um ambiente de negócios, e, portanto, novos investimentos, abertura econômica e maior competitividade”, sustenta a assessora especial do Ministério da Economia.

“A saída da pandemia ou desse grande endividamento que precisamos contrair neste período passa por crescimento econômico, já que um aumento de carga tributária não está nos planos deste governo. Não vejo como termos crescimento se não melhorarmos a produtividade, se não fizermos uma abertura econômica – que, sem dúvida alguma, para as indústrias nacionais passa pela reforma tributária, pelo processo de simplificação e racionalização deste sistema, e pela melhora da competitividade das nossas empresas”, complementa.

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Mentor da PEC 45/2019, uma das proposições em discussão no Congresso Nacional, o economista Bernard Appy vê um momento único para o debate tributário no país. “Há uma condição política muito mais favorável do que em todos os momentos desde a Constituinte. Temos um Congresso reformista e um grupo claramente envolvido com a agenda da reforma tributária. Estamos hoje com os 27 estados apoiando a reforma, o que era impensável tempos atrás”, avalia.

“Não quer dizer que não tenha problemas. Temos ainda resistências setoriais, embora existam estudos que mostrem que, quando considerado o impacto sobre a produtividade, mesmo de forma conservadora, todos os setores da economia são beneficiados. Há resistências dos grandes municípios, mas é possível resolvê-las, e temos uma posição ambígua do governo federal com relação a essa reforma na tributação de bens e serviços, às vezes apoiando, às vezes não”, pondera.

Para Appy, um bom sistema tributário precisa ao menos contemplar dois princípios fundamentais: eficiência e progressividade. No Brasil, ele enxerga problemas com todas as categorias, o que exigiria mudanças nos tributos gerais sobre bens e serviços, na tributação da renda, da folha de salários e dos impostos patrimoniais, além do desenvolvimento de tributos regulatórios – caso de um imposto ambiental que combata externalidades negativas, por exemplo.

“Dentro dessa agenda, o que está mais maduro é a reforma da tributação do consumo, tema que o Brasil vem discutindo há muitos anos. E, segundo, porque, do ponto de vista de impacto sobre o crescimento, é sem dúvida nenhuma a mais importante”, argumenta. Segundo estudo do economista Bráulio Borges, a aprovação de uma reforma nos moldes da PEC 45 elevaria o Produto Interno Bruto (PIB) potencial brasileiro em cerca de 20 pontos porcentuais em 15 anos.

O economista acredita que a reforma atacaria problemas relacionados à eficiência econômica, produtividade, competitividade e complexidade, que elevam o custo burocrático de pagar impostos no país e geram uma série de contenciosos. Além disso, a proposta mira a cumulatividade, que onera importações e investimentos e reduz o potencial de crescimento da economia nacional.

[A proposta] Tem um impacto muito forte sobre o crescimento de longo prazo e isso tem um impacto muito relevante sobre a solvência do país. Quando você cresce mais, se controlar a expansão das despesas, você tem um resultado primário maior e um maior denominador da relação dívida/PIB. O impacto de uma boa reforma tributária sobre a trajetória dívida/PIB no longo prazo é muito relevante. E isso se reflete no curto prazo em melhoria de expectativas, redução de juros de longo prazo e pode ser muito útil para sair da pandemia”, pontua.

Na avaliação de Appy, a proposta começou o ano com boas perspectivas de aprovação, mas foi prejudicada pelos impactos da pandemia de covid-19, pelo calendário das eleições municipais e agora pela disputa pela presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. “Mas acho que o tema está maduro. Na hora em que der uma acalmada no Congresso, acho que há condições de avançar”, diz.

Jorge Rachid, ex-secretário da Receita Federal, concorda com a necessidade de se implementar mudanças estruturais no sistema tributário brasileiro e com a urgência imposta pela pandemia do novo coronavírus, mas acredita que a melhor estratégia seria concentrar esforços em medidas com resultados imediatos, ainda que em menor dimensão.

“Há necessidade de promover mudanças estruturais no Brasil, justamente para garantir maior estabilidade nas contas públicas e um ambiente favorável de negócios. Acontece que há necessidade urgente de pôr em prática ações voltadas para a retomada da normalidade da atividade econômica. Os desafios para estabilizar as contas públicas e desacelerar a taxa de desemprego, causados pela pandemia, são enormes. E o sistema tributário tem muito a contribuir para superar essa agenda. Não só para permitir o necessário financiamento do Estado, mas também para não causar novos transtornos aos contribuintes”, defende.

Para ele, o longo período de transição das duas PECs em discussão no Congresso Nacional também jogam contra o momento de urgência. “Esse aperfeiçoamento é constante. Eu não defendo grandes eventos com efeito para daqui a 10 ou 15 anos”, diz. “O diagnóstico do sistema tributário brasileiro é conhecido. Por que não iniciar as mudanças necessárias corrigindo, por normas infraconstitucionais, dispositivos que acarretam disputas administrativas e judiciais que afastam os investidores, devido à falta de segurança jurídica?”.

“Temos que buscar, com efeito imediato, o aperfeiçoamento das legislações postas. Claro, um país com um único tributo [seria] ótimo. Mas unificá-lo agora com cinco tributos, criar um sexto, para ir convergindo ao longo de até uma década… Por que não ir unificando e solucionando os problemas para dar resposta imediata aos contribuintes?”, questiona.

Na avaliação de Rachid, o próprio dinamismo da economia internacional e do sistema tributário exigem constantes atualizações nos modelos adotados pelos países. “Hoje, a Europa e mesmo o comitê da ONU (Organização das Nações Unidas) estão trabalhando com a tributação da digitalização da economia. E por incrível que pareça, todas as frentes estão voltadas para tributações em cima do faturamento, e não sobre o valor agregado. O processo é dinâmico, o sistema tributário muda até pela economia”.

Estratégias para reformar o sistema tributário, diz a assessora especial Vanessa Canado, sempre envolverão trade-offs. Cabe aos atores políticos avaliar o ambiente para escolher a opção que permita mais benefícios. “A reforma estrutural é imprescindível, mas também não posso deixar de concordar que há medidas imediatas que precisam ser tomadas. As coisas não são excludentes”, diz.

“Cada estratégia vai ter prós e contras. Não há uma melhor e outra pior. Se aprovarmos só a CBS agora, as pessoas vão entender como bom ter um IVA no Brasil. Vão entender o potencial de simplificação, de segurança jurídica, de ambiente de negócios que um produto federal como este pode trazer. Por outro lado, não dá para esperarmos um grande impacto do ponto de vista de crescimento econômico e produtividade só com a simplificação da tributação do consumo em nível federal. Os principais problemas de cumulatividade e complexidade estão nos tributos estadual e municipal. A gente ganha por um lado e perde por outro”, observa.

“Agora, é claro que a reforma mais ampla, como no caso do IBS, incluindo renda e folha, é maravilhosa, porque ataca todos os problemas do sistema tributário. Por outro lado, é exatamente esse impacto maior que causa maior dificuldade, você mexe com muito mais players e muito mais partes interessadas. Então, temos que fazer um quadro mais político para tentar entender, dentro desses prós e contras, onde a gente consegue combinar a maior parte de pontos positivos. O maior prazo de transição é melhor para quem fez investimentos de longo prazo, pois eles asseguram o retorno sobre o investimento no prazo inicialmente idealizado, mas é pior porque prorroga a complexidade do sistema por um bom tempo. Um prazo mais curto prejudica o retorno de alguns investimentos – isso não é bom do ponto de vista de ambiente de negócios e segurança jurídica – mas traz mais simplicidade”, explica.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.