Os impactos políticos da prisão do deputado Daniel Silveira e os possíveis desfechos para o caso

Mais do que o futuro do parlamentar bolsonarista, episódio pode ter consequências para a correlação de forças na política e a relação entre os Poderes

Marcos Mortari

Ex-deputado Daniel Silveira discursa na tribuna da Câmara em 2021 (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – A prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), na madrugada desta quarta-feira (17), traz a primeira crise a ser gerida pelo novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Na avaliação de analistas políticos consultados pelo InfoMoney, mais do que o futuro do mandato de um parlamentar do grupo bolsonarista, o caso pode ter importantes consequências para a correlação de forças na política e a relação entre os Poderes.

Silveira foi preso por decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após a postagem de vídeo em que ataca os membros da corte, defende a destituição de magistrados e faz apologia ao AI-5.

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O Ato Institucional Nº 5 (AI-5) é considerado o instrumento de repressão mais duro da ditadura militar. Ele autorizava o fechamento do Congresso Nacional, a cassação de mandatos políticos, a intervenção sobre Estados e municípios e a suspensão de garantias constitucionais, como o habeas corpus.

A prisão se deu no âmbito do inquérito das fake news, que trata de “notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.

Na decisão, Alexandre de Moraes diz que as manifestações do parlamentar não só atingiram a honorabilidade e constituíram ameaça ilegal aos magistrados, “como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura”.

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Segundo o relator, Silveira “é reiterante na prática criminosa” e é investigado por ter se associado a movimentos com o intuito de “modificar o regime vigente e o Estado de Direito, através de estruturas e financiamentos destinados à mobilização e incitação da população à subversão da ordem política e social, bem como criando animosidades entre as Forças Armadas e as instituições”.

A decisão liminar será apreciada, na tarde desta quarta-feira, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Por se tratar da prisão de um deputado federal, também é necessário que o plenário da Câmara dos Deputados se manifeste. Uma reunião da Mesa Diretora da casa legislativa foi convocada pelo presidente Arthur Lira, seguida de uma reunião entre os líderes partidários.

Para analistas políticos consultados pelo InfoMoney, o caso tem implicações que vão além do futuro do próprio deputado Daniel Silveira e poderá trazer importantes sinalizações para a nova safra de políticos bolsonaristas eleita em 2018, além das próprias relações entre o parlamento e o Supremo ou do governo Jair Bolsonaro com os demais Poderes.

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“O destino do mandato do deputado é parte de um dilema maior, olhando para a cena política brasileira dos últimos anos”, avalia Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada.

Para ele, o caso expõe o confronto entre duas gerações da elite política – os tradicionais e as novas figuras, que emergiram de uma relação diferente com as redes sociais e um discurso de ruptura com o establishment – e pode configurar as condições de sobrevivência de distintos grupos políticos.

“Há um choque entre essas duas gerações e se busca uma regulação para esse jogo. Isso tem muito a ver em como as redes sociais são percebidas dentro do marco legal”, pontua. Neste caso, a confirmação da prisão poderá abrir um precedente para uma limitação da imunidade parlamentar e o uso das novas mídias pelos políticos.

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Cortez também chama atenção para o contexto do evento: a prisão de um deputado associado ao grupo bolsonarista no momento em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) busca modificar suas relações com a política tradicional, em uma tentativa de construção de base de apoio no parlamento.

Para Creomar de Souza, fundador da Dharma Political Risk and Strategy, os deputados estão na “encruzilhada do corporativismo”.

O cálculo envolve os potenciais ganhos e perdas em entrar em uma bola dividida com outro Poder por um parlamentar que dificilmente mudaria a conduta depois do episódio.

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O especialista chama atenção para diferentes reações no mundo bolsonarista. Há parlamentares que responderam à prisão com novas provocações ao Supremo, enquanto outros adotaram posição mais comedida. O próprio núcleo mais próximo ao presidente Jair Bolsonaro tem evitado tratar do assunto publicamente, em repetição ao comportamento adotado em episódios como o da prisão de Sara Giromini.

“O resultado vai jogar um pouco de luz acerca do futuro da bancada bolsonarista multipartidária. Esse pessoal vai ter que encontrar novos jeitos de usar a ferramenta (redes sociais e discurso antiestablishment) de 2018″, pontua.

O analista trabalha com dois cenários mais prováveis: 1) a confirmação da prisão pelo plenário da Câmara dos Deputados – considerada solução mais simples, mas extrema, e que deixa um claro recado à bancada bolsonarista de limites institucionais; 2) rejeição da prisão e abertura de processo no Conselho de Ética.

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A última solução levaria mais tempo e poderia trazer novos problemas para a gestão de Arthur Lira, além de possíveis atritos com o Supremo Tribunal Federal – principalmente considerando a probabilidade de, solto, o deputado dobrar a aposta no discurso de agressão à instituição e seus membros.

Outra consequência avaliada por analistas com a prisão de Daniel Silveira é o surgimento de mais um obstáculo para a candidatura de Bia Kicis (PSL-DF), outra integrante da ala ideológica do bolsonarismo, para a presidência da Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. A parlamentar já vinha enfrentando fortes resistências para ocupar o posto.

Cortez também vê um dilema exposto pela situação. De um lado, a decisão mais célere de confirmação da prisão do parlamentar poderia representar uma virada em direção à agenda prioritária da casa legislativa, como o auxílio emergencial ou mesmo as reformas econômicas. Porém, com o efeito colateral de uma restrição, em certa medida, da imunidade parlamentar.

De outro, a demora no tratamento da questão, sobretudo caso se caminhe para a derrubada da prisão e abertura de processo contra o parlamentar no Conselho de Ética da casa legislativa, pode dificultar as negociações em torno de agendas de interesse do governo.

Já o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, acredita que o episódio não deve trazer grandes consequências à agenda de interesses do governo no parlamento, salvo se Bolsonaro resolver entrar diretamente no processo defendendo Silveira. “Como é algo que precisa ser resolvido muito rapidamente, não deve afetar o andamento das reformas”, avalia.

De todo modo, o especialista vê no episódio um novo constrangimento ao chamado “centrão”, que não se interessa pelas mesmas pautas que o núcleo ideológico de apoio ao presidente. “Esse radicalismo da ala bolsonarista mais raiz incomoda o ‘centrão’. Mas acredito que, se Bolsonaro não se intrometer e defender o deputado, isso não tende a ser um problema para a pauta”, diz.

Para Ribeiro, Bolsonaro deverá enfrentar um teste de força com o debate sobre quatro decretos editados por ele, na última sexta-feira (12), facilitando o acesso a armas de fogo. Muitos parlamentares já manifestaram oposição às medidas e estudam derrubá-las. “Como foi iniciativa de Bolsonaro, é um teste de até onde vai o apoio do ‘centrão’ para as pautas do governo”, pontua.

“Mas as pautas armamentista e de costumes, com o comando do Congresso nas mãos de aliados de Bolsonaro e mais sólida adesão do ‘centrão’ devem avançar em alguma medida”, ressalta.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.