Os 3 obstáculos para Bolsonaro com a Aliança pelo Brasil (e por que o mercado precisa acompanhar isso)

Sem espaço no PSL, Bolsonaro aposta na criação de um novo partido para abrigar aliados, mas falta de recursos e tempo ameaça seus planos

Marcos Mortari

(Fonte: Twitter)

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SÃO PAULO – Está marcada para a próxima quinta-feira (21) a primeira Convenção Nacional do Aliança pelo Brasil, novo partido anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro para ser a casa de seus aliados mais próximos. A ideia seria ocupar o vácuo do conservadorismo no sistema partidário brasileiro, oferecendo aos eleitores uma opção que contemple todas as bandeiras defendidas pelo mandatário.

O movimento de Bolsonaro ocorre em meio ao aprofundamento da crise entre ele e a cúpula do PSL, representada pelo presidente da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PE). No centro da disputa estava a vontade do mandatário de ter maior poder no processo decisório da sigla a um ano das eleições municipais.

O PSL cresceu exponencialmente nas últimas eleições, surfando na onda da candidatura de Bolsonaro. A sigla saiu condição de nanica, com 1 deputado eleito em 2014, para atuais 53 (segunda maior bancada da Câmara). A fatia do partido no fundo partidário também saltou de R$ 538 mil mensais em 2018 para R$ 8 milhões ao mês neste ano. Mas é Bivar quem mantém controle sobre a estrutura partidária. Sem espaço, Bolsonaro optou por começar do zero.

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O processo de criação da Aliança pelo Brasil ainda é longo e envolve a coleta e checagem de assinaturas de pouco menos de 500 mil eleitores não filiados a nenhum partido político e a validação pela Justiça Eleitoral. O objetivo do bolsonarismo é tornar a legenda apta a participar das eleições municipais do ano que vem, mas há uma série de obstáculos pelo caminho e o tempo é curto.

O presidente ainda tem o desafio de convencer políticos a deixar suas atuais siglas para embarcarem em outra sem estrutura, recursos públicos e pouco tempo de televisão. Já ao mercado, fica a preocupação com como a cruzada de Bolsonaro para criar um partido para chamar de seu pode influenciar a tramitação da agenda de reformas econômicas em curso.

Este foi um dos assuntos da última edição do podcast Frequência Política, feito em parceria pela equipe de análise política da XP Investimentos com o InfoMoney. Você pode ouvir a íntegra pelo SpotifySpreakeriTunesGoogle Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.

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Se bem-sucedida, a manobra do bolsonarismo tem potencial de, na avaliação de especialistas, provocar significativas mudanças no sistema partidário brasileiro. A lista a seguir expõe alguns dos principais obstáculos políticos enfrentados pelo presidente e os possíveis impactos econômicos estimados:

1. Exigências formais e prazo apertado
A Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995) determina que o requerimento de registro de um partido político deve ser subscrito por um grupo de pelo menos 101 fundadores, com domicílio eleitoral em no mínimo um terço das unidades da federação.

Depois disso, o partido precisa registrar estatuto no Tribunal Superior Eleitoral – o que só é admitido com a comprovação do correspondente a pelo menos 0,5% dos votos válidos dados na última eleição para a Câmara dos Deputados (o equivalente a 492.015 assinaturas), distribuídos por ao menos um terço dos estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado que tenha votado em cada.

Para que a Aliança pelo Brasil esteja apta a participar das eleições municipais do ano que vem, é necessário que todo o trâmite da nova sigla seja superado até abril. Normalmente, partidos levam mais tempo para cumprir os requisitos necessários. Vale ressaltar que os assinantes não podem ter filiação partidária.

O caso mais rápido de criação de uma sigla é o do PSD, em 2011, por Gilberto Kassab, então prefeito de São Paulo. Na época, foram necessários cerca de 200 dias entre o início do recolhimento de assinaturas e a homologação no TSE. Bolsonaro terá cerca de 140 dias.

O presidente tem ao seu lado os advogados eleitorais Admar Gonzaga, que participou da criação do PSD e já atuou como ministro do TSE, e Karina Kufa. Uma das ideias seria o uso de aplicativo para dispositivos móveis para registrar os nomes e registros biométricos de apoiadores da nova sigla – o que tem gerado controvérsia no meio jurídico.

Para o advogado eleitoral Alberto Rollo, a ideia parece “razoável”, mas ainda dependeria da construção de um entendimento junto à Justiça Eleitoral. Ele lembra de parecer da assessoria técnica do TSE atestando que a lei não veda tal prática.

Em meio às dúvidas sobre como o uso da biometria para esses fins poderia ser efetivado, o especialista vê dois caminhos possíveis: 1) o comparecimento de eleitores em seus cartórios eleitorais para registro direto de assinatura (o que é considerado menos prático para os organizadores do novo partido); 2) a assinatura eletrônica via Token (o que também pode ser inviável pelo baixo número de pessoas com certificação digital).

Compartilha desta visão o advogado eleitoral Cristiano Vilela, que acredita em um ganho de agilidade aos partidos em formação a partir do uso desta tecnologia. No caso da Aliança pelo Brasil, porém, ele não acredita que os benefícios serão suficientes para que o objetivo da criação da sigla até abril seja atingido.

A Lei dos Partidos prevê que a prova do apoiamento mínimo de eleitores é feita por meio de assinaturas, com menção ao número do respectivo título eleitoral, sendo a veracidade atestados por escrivão eleitoral, que lavra atestado em um prazo de 15 dias.

Os especialistas também chamam atenção para o fato de ser normal, ao longo do processo de validação, que várias assinaturas sejam desconsideradas por qualquer justificativa técnica, que pode ir do número da inscrição eleitoral que não bate com ou nome ou até mesmo problemas na assinatura feita no documento.

Depois disso, o pedido de registro, com todos os documentos produzidos pelo TRE, é distribuído a um relator em até 48 horas. Cabe a ele ouvir a Procuradoria-Geral em dez dias e determinar diligências em igual prazo. O último ato seria a votação do pedido em sessão no TSE. Para que a Aliança pelo Brasil esteja apta a disputar as eleições de 2020, esta última etapa precisa ser superada 6 meses antes do pleito.

Hoje, há 76 partidos com status “em formação” no sistema do TSE. O tamanho da fila indica as dificuldades que Bolsonaro enfrentará para criar um partido do zero em menos de cinco meses.

“Tem mais de 70 partidos na fila. Não sei por que passaria o do Bolsonaro na frente”, afirma Rollo. O advogado, que também participou do processo de criação do recordista PSD, estima que a Aliança pelo Brasil levaria pelo menos 18 meses para sair do papel, tempo suficiente apenas para participar do pleito de 2022.

“É um número muito grande de atividades a serem cumpridas pelo partido. Politicamente, Bolsonaro está com um tempo muito curto. Não tenho dúvida de que ele vai conseguir montar o partido, mas acho totalmente inviável colocá-lo em pé até março”, observa Vilela.

2. Aliados na mira
Outro desafio para Bolsonaro será levar aliados no PSL para o novo partido. O mandatário comprou briga com o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar (PE), na tentativa de ampliar seu poder de influência sobre o processo decisório a um ano das eleições municipais.

O racha entre bolsonarista e bivaristas no PSL é irreversível e torna natural o êxodo de aliados do presidente da sigla. Há, no entanto, obstáculos jurídicos que tornam a situação mais complexa.

No caso de políticos eleitos em pleitos majoritários (prefeitos, governadores, senadores e o próprio presidente), a mudança de sigla não parece um grande problema, como é possível constatar pela situação do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.

Já aqueles eleitos em pleitos proporcionais (vereadores, deputados federais e estaduais) correm riscos de perderem seus mandatos se abandonarem a sigla hoje, sob a alegação de infidelidade partidária. Neste tipo de eleição, o mandato pertence ao partido, e não aos candidatos eleitos.

É a situação de outro filho do presidente: Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que hoje lidera a bancada na Câmara dos Deputados. A orientação aos deputados bolsonaristas é que aguardem a criação da Aliança pelo Brasil para deixarem o PSL e que, por ora, evitem criticar a sigla a que pertencem.

Hoje, a legislação eleitoral permite que a desfiliação partidária em determinadas situações ocorra sem que haja perda de mandato. Alguns exemplos seriam a fusão ou incorporação de partido; mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e, no último ano do mandato, sair para disputar eleição.

O advogado eleitoral Alberto Rollo chama atenção para o fato de formalmente a migração partidária não mais constar como justa causa para a garantia do mandato, o que provavelmente ensejará uma judicialização neste caso envolvendo os bolsonaristas, com os pesselistas requerendo os assentos na Câmara dos Deputados.

Mas, na avaliação do advogado Cristiano Vilela, o TSE já deu alguns sinais de que deverá reconhecer a migração para um novo partido como justa causa, ainda que o item tenha sido retirado durante a reforma na legislação eleitoral de 2015. De qualquer forma, o caso ainda precisa ser apreciado pelos ministros para a formação de um entendimento.

Existe uma expectativa no bolsonarismo que o presidente deverá conseguir arrastar entre 20 e 30 deputados pesselistas. Aliados acreditam que o novo partido de Bolsonaro pode chegar à marca de 100 deputados, roubando membros de outras siglas. O movimento, porém, não é nada trivial — sobretudo considerando as condições políticas em que ele teria que ocorrer.

“Parece muito improvável que um número tão grande de deputados de outros partidos usem esse espaço para fazer a migração. É um partido que vai ser criado em torno do presidente, sem dinheiro e sem tempo de televisão. Eu não consigo ver incentivo para um deputado do DEM, PL, PSD migrar”, observou o analista político Victor Scalet, da XP Investimentos.

“Pode haver alguns deputados para quem estar perto de Bolsonaro faça mais sentido do que ter algum acesso a recurso e espaço na televisão. O ponto é que a maioria para quem isso faz sentido já está hoje no PSL”, complementou Paulo Gama, analista político da mesma instituição.

Enquanto a Aliança pelo Brasil não sai do papel, deputados bolsonaristas tendem a ficar “na chuva” no PSL. Logo após a reunião que selou o movimento pela criação de uma nova sigla, a cúpula do PSL decidiu acelerar os processos de suspensão de 19 deputados, incluindo Eduardo Bolsonaro.

Na sequência, a ideia seria alterar a liderança da bancada, colocando no comando um nome mais ligado ao presidente Luciano Bivar. O controle do posto garante a possibilidade de escolha de nomes do partido para comissões, indicações para a relatoria de proposições específicas e direito a falar pela bancada em plenário.

3. Falta de recursos e estrutura
Não será tarefa fácil para Bolsonaro convencer aliados de mudarem de sigla. Mesmo entre políticos eleitos para cargos majoritários, o presidente não tem encontrado alinhamento automático.

O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, e os senadores Major Olímpio (PSL-SP) e Soraya Thronicke (PSL-MS), por exemplo, já anunciaram que permanecerão no PSL. A situação entre os deputados pode ser ainda mais complicada, em função das restrições impostas pela legislação eleitoral.

Um dos obstáculos para migrações em massa consiste na falta de recursos que a nova sigla contaria. Pelas regras atuais, a distribuição do Fundo Partidário é feita majoritariamente a partir dos dados das últimas eleições gerais — o que não garantiria fatia expressiva do bolo aos bolsonaristas.

Aliados do presidente, porém, tentam uma brecha para que quem deixar o PSL leve consigo fatia proporcional do fundo. Os advogados eleitorais consultados por esta reportagem, porém, não veem caminhos para tal tese prosperar nas regras atuais. Pela lei, apenas uma fatia de 5% é distribuída igualmente para todos os partidos.

Do lado do fundo eleitoral, o espaço também é inviável. A regra atual determina que a divisão dos recursos deverá respeitar a distribuição de assentos na Câmara dos Deputados na última sessão legislativa do ano anterior ao do pleito em questão. Considerando que falta um mês para o início do recesso parlamentar, é improvável que a Aliança pelo Brasil consiga ser reconhecida e abrigar deputados a tempo para abocanhar uma fatia do bolo.

O partido de Bolsonaro também não teria bom posicionamento na distribuição de tempo na propaganda gratuita para rádio e televisão. Apesar de o presidente ter sido eleito sem estrutura partidária, os recursos tradicionais do sistema são ativos atraentes no meio político e fazem parte dos cálculos de qualquer candidato.

O que pode impactar o mercado?

As divisões no PSL, os esforços de Bolsonaro para tirar do papel a Aliança pelo Brasil e, principalmente, o fato de o governo ter incluído um novo tema para inevitavelmente disputar espaço no debate político geram questionamentos sobre como deve caminhar a nova etapa da agenda de reformas econômicas. Haverá atrasos? É possível avançar?

“Vai ter gritaria e bate-boca como tivemos até aqui. Mas isso atrapalha Bolsonaro a tentar aprovar as reformas apresentadas agora? Como no caso da soltura do ex-presidente Lula, não ajuda. Mas também não é algo que vai inviabilizar todas as reformas”, avalia Paulo Gama.

“Isso coloca o governo em outra discussão, Bolsonaro que deveria estar fazendo a defesa das reformas está batendo boca para ver quem comanda o partido”, complementa.

Na avaliação do especialista, os custos políticos podem aumentar, com o risco de o número de deputados disponíveis para votar as proposições ter sofrido leve diminuição e principalmente em função das expectativas de que o governo mobilize mais esforços pelo novo partido do que pelas medidas econômicas. Ainda assim, seria possível avançar com os debates no parlamento.

“Continuamos com um horizonte de congressistas disponíveis para votar a reforma. Tem aquele problema de não ter coalizão, não ter partido junto dele. Isso deixa mais instável, mais difícil, negociação ponto a ponto, mas as condições continuam existindo para a agenda avançar”, conclui o analista político.

Para os especialistas da Arko Advice, o movimento ensaiado pelo bolsonarismo deve marcar o início de uma reconfiguração do sistema partidário brasileiro. Além da formação de uma sigla mais alinhada com os valores do presidente, que mantém considerável capacidade de mobilização popular, a criação da Aliança pelo Brasil deverá alterar a correlação de forças entre os partidos de centro.

“Com o provável enfraquecimento do PSL, já se debate nos bastidores uma fusão da legenda com o DEM, o PROS e o PSC, por exemplo. Essa eventual união em torno do DEM ou de uma nova sigla deve fortalecer o centrão, já que no Congresso tende a ocorrer uma aproximação cada vez maior entre tais partidos”, avaliam.

No entendimento dos analistas, o movimento também compromete a tentativa de reposicionamento do PSDB, do governador paulista João Doria. “A grande incógnita é o que farão os tucanos nesse cenário, já que o fortalecimento do DEM pode também colocar em xeque a aliança que os dois partidos possuem na política nacional desde 1994”, complementam.

A própria esquerda também poderá passar por significativas alterações, sobretudo considerando a nova condição do ex-presidente Lula, solto há dez dias. Neste caso, a superação da pauta do “Lula livre” e a própria reorganização do bolsonarismo podem incentivar combinações mais audaciosas.

“Ao que tudo indica, o anúncio da criação da Aliança marcará o primeiro momento da reestruturação do sistema partidário construído após a Nova República. Sistema que entrou em colapso com o avanço da Operação Lava-Jato, partir de 2014, e o resultado das eleições de 2018, quando os grandes partidos e seus caciques colheram uma significativa derrota”, concluem.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.