Onda de manifestações no Brasil faz as primeiras “vítimas” na Bovespa

Elétricas, empresas de consumo básico, concessionárias de rodovias e até a Petrobras devem ser prejudicada em meio ao cenário nada propício para adoção de medidas impopulares

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Os protestos iniciados no começo de junho, que eclodiram em meio às reinvindicaram a revogação do aumento da tarifa de ônibus de R$ 3,20 em São Paulo, tomaram proporções enormes e se espalharam por todo o País. Além das tarifas de ônibus, as reinvidicações também se estenderam para a melhoria do transporte público em geral e em relação ao pagamento de altos impostos sem uma contrapartida na melhoria dos serviços, dentre outros temas.

Com isso, os governos, tanto nas esferas municipal, estadual e federal, sentem-se pressionados em meio à possível adoção de reajustes tarifários ou outras medidas impopulares que possam aumentar ainda mais o peso das manifestações, principalmente levando em conta a proximidade das eleições federais em 2014. Este ambiente de maior indignação popular já pode ser sentido diretamente na Bovespa, principalmente em relação às empresas prestadoras de serviços, caso do setor elétrico e das companhias de concessões rodoviárias. 

Na última segunda-feira, diversas ações já foram impactadas, uma vez que os governos intercerderam para que os reajustes tarifários fossem revogados. Os ativos da Copel (CPLE6) sentiram forte o impacto do pedido de revogação dos reajustes tarifários de 14,61% na conta de luz e caíram 16% na sexta-feira. Na segunda, dia em que a empresa paranaense aceitou o pedido feito pelo governador do estado, os papéis da companhia chegaram a cair mais de 6%, mas reverteram a tendência durante a tarde e fecharam em alta.

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Este movimento também pode ser percebido com o anúncio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que suspendeu o reajuste tarifário para as empresas de concessões cobradas nas rodovias privatizadas de todo o estado; o reajuste deveria ser aplicado a partir de 1º de julho. Esta medida ocorre em meio a uma série de manifestações que interromperam o trânsito em rodovias de todo o País, reinvindicando a isenção da cobrança de pedágio. Com isso, as ações de Arteris (ARTR3) e CCR (CCRO3) chegaram a cair 8% no pregão de segunda-feira, antes de terminarem o dia com queda de mais de 3%

Os próximos “alvos”
Neste cenário, outras empresas devem sofrer com as possíveis adoções de medidas impopulares, conforme destaca o analista-chefe da Gradual Investimentos, Paulo Roberto Esteves.

“Pode-se incluir entre as companhias pressionadas a própria Petrobras (PETR3;PETR4), que não viu sua produção aumentar nos últimos trimestres e, em meio ao aumento do consumo no Brasil, tem visto a sua importação de produtos refinados subir. Com o aumento do dólar, a diferença de preços nacionais e internacionais vem aumentando e, dado o atual cenário político, será bem difícil que o governo conceda novos reajustes”, destaca. 

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Além disso, destaque Esteves, o cenário para a adoção de novas medidas populares parece ser bastante limitado, uma vez que o governo vem adotando, desde o ano passado, diversas medidas para contenção de preços. Dentre todas as medidas adotadas pelo governo em 2012, as empresas de energia foram as mais afetadas, com o corte de 16,2% no preço de energia residencial e de 28% para o setor produtivo, de modo a reduzir o chamado custo-Brasil e impulsionar a produção industrial com a renovação das concessões. 

Neste sentido, reforça Esteves, as possíveis não concessões de novos reajustes podem afetar mais uma vez o apetite das empresas de prestação de serviços públicos realizarem investimentos, o que pode ser prejudicial mais à frente, uma vez que o setor gasta capital com perspectivas de retornos somente no longo prazo. “Desta forma, caso haja uma retomada do crescimento econômico mais à frente, a expectativa é de que os temores de possíveis apagões voltem em pauta”, afirma o analista. 

Além disso, o governo, em meio às diversas concessões já apresentadas para estimular o crescimento dos setores da economia, apresenta menor margem de manobra para fazer mais concessões no sentido de revogar tarifas. Assim, o cenário, que parece ser propício para que sejam adotadas novas medidas de estímulo e de redução de tarifas, é bastante limitado.

Varejistas: protestos não são cruciais
Como destaca a Bloomberg, as varejistas perderam cerca de R$ 1 bilhão em vendas nas últimas semanas, desde o início da onda de protestos, de acordo com estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas). 

Entretanto, o cenário para elas já era menos motivador há muito mais tempo, em meio às indicações de que o consumo não seria mais o carro-chefe do crescimento econômico brasileiro, somado ao aumento das expectativas pelo aumento dos juros. O reflexo disso ocorreu no desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) já no primeiro trimestre de 2013, quando o consumo das famílias, que foi um grande estímulo para o crescimento nos últimos anos, parece ter chegado ao seu limite, com uma alta de apenas 0,1% na comparação com o quarto trimestre de 2012 e o pior resultado desde 2009.

“O crédito ao consumidor, que vinha crescendo, também acabou esbarrando em um limite. Atualmente, os devedores comprometem cerca de 40% da sua renda para pagar as dívidas. Em um cenário de inflação alta e em meio à deterioração da qualidade dos serviços públicos, a população acabou também chegando a um limite”, aponta Grisi.

Há ainda a questão do dólar em alta, o que acaba prejudicando boa parte do setor varejista. Conforme explica a equipe de análise da Ativa Corretora, o real desvalorizado pode afetar empresas que importam alguns dos produtos de seus linhas de venda, principalmente se elas não conseguirem repassar a elevação de custos para o consumidor, cenário este que torna-se cada vez mais provável dado os fundamentos atuais da economia brasileira, aponta a corretora.

Impasse elétrico
Vale ressaltar que dois anúncios de suspensão das tarifas da véspera foram feitos e articulados por administrações de governos da oposição, no caso Beto Richa – Paraná – e Geraldo Alckmin – São Paulo -, ambos do PSDB (Partido Social da Democracia Brasileira) que, no ano passado, se opuseram à diminuição dos preços das tarifas de energia elétrica.

A Copel, por exemplo, havia anunciado no final do ano passado a decisão da renovação dos ativos de transmissão de acordo com as regras estabelecidas pela Medida Provisória 579, optando, porém, por não renovar os ativos de geração de energia, de modo a preservar o máximo de valor. Com a extensão das concessões em todas as esferas de governo, que não somente a federal, a expectativa é por um aumento de deterioração fiscal. 

Desta forma, no curto prazo, em meio às pressões e ao esvaziamento de lideranças, as empresas com preços administrados devem ser as que mais vão sofrer, aponta Grisi, conforme destaca também a analista do HSBC, Sandra Boente. A movimentação do Paraná pode suscitar receios de que a intervenção de outros governos locais seja incentivada. Particularmente, o maior temor seria com relação à situação da Light (LIGT3), cuja revisão tarifária está programada para novembro, o que provavelmente exigirá um aumento ainda mais expressivo.

Quanto ao setor de saneamento, a tarifa da Sabesp (SBSP3) passa por um processo de revisão demorada nesse momento. De fato, o ambiente político atual e as eleições do próximo ano não fornecem um terreno fácil para os aumentos tarifários, lançando uma sombra sobre o setor – vale lembrar que os papéis da Sabesp subiram quase 100% em 2012, especialmente por conta da expectativa desse reajuste. “A intervenção política do governo federal tem sido uma preocupação crescente desde setembro último e agora os governos locais estão reforçando esses receios”, afirma a analista.

Com isso, Sandra permanece pessimista frente ao cenário de curto prazo em relação às empresas brasileiras de energia e saneamento. Desta forma, afirma, caso os investidores queiram aplicar no setor, a analista recomenda as geradoras controladas pelo setor privado, a fim de minizar os riscos.

Populismo maléfico
O diretor presidente do instituto Fractual de Análises de Mercado, Celso Grisi, destaca que os protestos são extremamente positivos para o País, por cobrar melhoria nos gastos públicos e cobrar por demandas dos políticos. Contudo, no curto prazo, a expectativa é de que o governo incorra em maior deterioração fiscal para conter as manifestações, principalmente com a atuação do governo nos setores de preços administráveis, como combustíveis, petróleo, rodovias, entre outros. 

Neste sentido, avalia Grisi, o governo acaba adotando novamente estratégias populistas e visando o curto prazo no sentido de acalmar a população, o que acaba gerando receios ao mercado. Com o governo atuando através das empresas para diminuir o clamor das ruas, o sinal é de uma deterioração ainda maior do quadro institucional do País, o que afasta os investidores estrangeiros e acaba gerando ainda mais estrago na Bovespa.

“Com isso, o investidor, que já não estava disposto a investir no Brasil, apresenta ainda mais arredio em meio à falta de clareza na condução de políticas nacionais”, avalia Grisi. Neste sentido, ele destaca também a posição dos governos de oposição, que também sentem o custo político dos protestos. “O que o [governador de SP] Alckmin fez foi represar o custo político, uma vez que teme o efeito dos movimentos populares, tentando assim diminuir os custos de uma possível desobediência civil”, aponta Grisi. Assim, tanto a oposição quanto a situação vêm passando por um esvaziamento de lideranças, ressalta.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.