O que se sabe sobre Fabrício Queiroz e os investigados por “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro

Amigo de longa data do presidente, Queiroz atuou no gabinete de Flávio Bolsonaro de 2007 a 2018 e é apontado como operador financeiro do esquema

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A prisão do ex-policial militar Fabrício Queiroz, na última quinta-feira (18), em imóvel do advogado Frederick Wassef (que atende a família presidencial e tem bom trânsito no Palácio do Planalto), em Atibaia (SP), trouxe novas preocupações ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A ação, batizada de Operação Anjo (em referência a um suposto apelido de Wassef) indica avanços nas investigações sobre a suposta prática de “rachadinha” (a coação de subordinados à devolução de parte dos salários) no gabinete de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à época em que o parlamentar exercia cargo de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

O parlamentar seria o líder do esquema, que teria funcionado por mais de dez anos. O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma que Flávio Bolsonaro teria lavado dinheiro oriundo das “rachadinhas” com transações imobiliárias e com a loja de chocolates da qual é sócio em um shopping na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio.

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Amigo de longa data do agora presidente, Queiroz atuou no gabinete de Flávio Bolsonaro de abril de 2007 a outubro de 2018. Ele é apontado pelos investigadores como operador financeiro dos ilícitos investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Sua filha Nathalia Queiroz foi funcionária do gabinete de Jair Bolsonaro nos últimos dois anos de mandato como deputado federal.

De acordo com os investigadores, 11 ex-assessores de Flávio Bolsonaro “tinham relações de parentesco, vizinhança ou amizade” com Queiroz “e os repasses das parcelas de suas remunerações ao aludido investigado (…) em datas próximas aos pagamentos das remunerações da Alerj, alcançaram o montante de R$ 2.039.656,52”. Os recursos foram repassados como dinheiro em espécie (69%), transferências bancárias (26,5%) e depósitos em cheque (4,5%).

Queiroz não era considerado foragido, mas indícios (manifestações de preocupação de investigados com as apurações e menções à combinação de versões, em mensagens trocadas pelo celular) de que o ex-assessor tentava obstruir as investigações motivaram o pedido e o deferimento de sua prisão.

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A atuação de investigados na produção de provas falsas, como assinatura retroativa irregular do livro de ponto da Alerj, também foi identificada pelos promotores. O risco de o ex-assessor, que, segundo os investigadores, mantinha vínculos com a milícia, influenciar e manipular outros investigados também motivou a ação.

O MP-RJ ressalta, ainda, o fato de Queiroz ter deixado de comparecer a diversos depoimentos marcados, primeiro sob a alegação de necessidade de se submeter a uma cirurgia em São Paulo, e depois por não ser mais encontrado após receber alta do hospital.

Os investigadores alegam haver indícios suficientes sobre a prática de crimes por parte de Queiroz e sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar (que também teve pedido de prisão decretado e hoje é foragida da Justiça), e tentativas de se obstruir as investigações. Eles citam como provas relatórios de inteligência financeira produzido pelo Coaf, extratos bancários, registros telefônicos, além de imagens do sistema de vigilância de agência bancária.

Segundo o MP, “corroboraram as provas dos crimes a análise de registros telefônicos (…), imagens do sistema de vigilância da agência onde o operador financeiro realizou transações bancárias em benefício do deputado estadual e mensagens de WhatsApp extraídas de celulares apreendidos durante a investigação que revelaram a participação dos cinco primeiros requeridos no desvio de milhões de reais da Alerj ao longo de mais de uma década”.

No dia da prisão de Queiroz, Flávio Bolsonaro afirmou que a ação era “mais uma peça movimentada no tabuleiro” para atacar seu pai. “Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro”, disse.

No sábado, o parlamentar divulgou uma nota em que se diz vítima de uma “campanha de difamação” patrocinada por um “grupo político”. Para ele, o objetivo desse grupo seria “recuperar o poder que perderam na última eleição”. “Apesar dos incessantes ataques à sua imagem, Flávio Bolsonaro continua a acreditar na Justiça. Ele reafirma inocência em qualquer das acusações feitas por seus inimigos e garante que seu patrimônio é totalmente compatível com os seus rendimentos”, diz o texto.

Do lado do governo, a preocupação é evitar que a crise suba a rampa do Palácio do Planalto, em uma tentativa de distanciar o presidente Jair Bolsonaro da nova crise.

“Não sou advogado do Queiroz e não estou envolvido nesse processo. Mas o Queiroz não estava foragido e não havia nenhum mandado de prisão contra ele. Foi feita uma prisão espetaculosa, parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra. Mas, que a Justiça diga, siga seu caminho”, afirmou em live realizada na quinta-feira.

“Repito: não estava foragido e não tinha nenhum mandado de prisão contra ele. Tranquilamente, se tivessem pedido ao advogado, creio eu, ao comparecimento dele a qualquer local, ele teria comparecido. E por que estava naquela região em São Paulo? Porque é perto do hospital onde ele faz tratamento de câncer. Esse é o quadro. Da minha parte, está encerrado o caso Queiroz”, concluiu.

De acordo com os investigadores, Queiroz contava com o auxílio de terceiros, “que lhe proporcionavam um confortável esconderijo e a entrega de valores em espécie”. Em troca, ele “teve de se submeter a restrições em sua movimentação e em suas comunicações, tendo seu paradeiro monitorado por terceira pessoa, que se reportava a um superior hierárquico referido como ‘Anjo'”.

Os investigadores acreditam que “Anjo” pode ser uma referência ao advogado Frederick Wassef. Uma das passagens que poderá ajudar na descoberta da identidade é um diálogo mantido entre Queiroz e sua esposa em novembro do ano passado. Nas mensagens, Márcia pergunta se Queiroz está na casa de “Anjo” e recebe resposta afirmativa.

Em entrevista concedida no último domingo (21) à CNN Brasil, Frederick Wassef anunciou sua saída da defesa de Flávio Bolsonaro no caso. “Assumo total responsabilidade e estou saindo do caso, subestabelecendo para outro colega. Ficarei fora do caso para que não me usem”, declarou. Em seu lugar, entrou Rodrigo Roca, que defendeu o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, até 2018.

O advogado não esclareceu desde quando Queiroz estava no imóvel nem quem liberou sua entrada. “Eu sabia que ele utilizava [a casa]”, disse .”Na data da prisão, eu não sabia. Por tudo que é mais sagrado, no dia da prisão, eu não sabia que ele estava lá, para mim, ele estava no Rio de Janeiro”. Porém, Wassef reiterou que nunca teve contato com Queiroz, que nunca telefonou a ele, à sua esposa ou a suas filhas ou conversou por meio de mensagens.

Segundo ele, o ex-assessor usava a casa por estar próxima à Santa Casa de Bragança Paulista, onde faria o tratamento para um câncer de próstata, que classificou como “grave”. “Soube algumas vezes que estava lá. É óbvio que tem risco [em abrigar Queiroz], mas essa é uma questão de natureza de saúde, eu que sou sobrevivente de uma doença grave, tenho sensibilidade grande em relação a isso.

Ainda na entrevista, Wassef buscou afastar o presidente Jair Bolsonaro de qualquer impacto dos acontecimentos. “Nunca, jamais, o presidente da República Jair Bolsonaro soube ou teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira responsabilidade. Eu omiti essas informações do presidente da República, eu omiti essas informações do senador Flávio Bolsonaro. O momento oportuno em que eu puder dizer porque eu omiti eu vou dizer”.

Um dia após a entrevista, o advogado alegou “questões humanitárias” para ter hospedado Queiroz. A declaração foi veiculada pelo telejornal SBT Brasil.

“O que eu tenho para dizer é o seguinte: jamais escondi Fabrício Queiroz. Ele estar lá (no imóvel de Atibaia) não é nenhum crime, nenhum ilícito, não é obstrução de justiça. Não há nenhuma irregularidade”, disse Wassef. “(Foi) também uma questão humanitária. Porque (é) uma pessoa que está abandonada, uma pessoa sem recursos financeiros, com problemas de saúde e que o local era perto”, completou.

Ontem, o site UOL noticiou que a empresa Globalweb Outsourcing, de Cristina Boner Leo, ex-esposa de Wassef, recebeu R$ 41,6 milhões por contratos com o governo federal durante a gestão Bolsonaro. Segundo a reportagem, os valores pagos em um ano e meio já chegaram aos recebidos pela empresa nos quatro anos de gestão compartilhada por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Ainda de acordo com a publicação, os contratos que a empresa tinha negociado com governos anteriores foram prorrogados e receberam aditivos de R$ 165 milhões na gestão Bolsonaro. O governo também firmou novos contratos, totalizando um compromisso de R$ 218 milhões a serem pagos pelos cofres públicos nos próximos anos.

A empresa já foi condenada por improbidade administrativa no chamado “mensalão do DEM” e proibida de fechar acordos com o setor público até 2022 e recorreu. Questionado, Wassef disse que os negócios da empresa não têm relação alguma com ele

Eis alguns dos principais pontos apresentados pelo MP-RJ:

O MP-RJ diz que, além da arrecadação dos valores, Queiroz transferia parte dos recursos ao patrimônio familiar de Flávio Bolsonaro, mediante depósitos bancários fracionados e pagamentos de despesas pessoais do então deputado estadual e sua família.

E cita como exemplo:

1) um depósito em espécie de R$ 25 mil realizado pessoalmente pelo ex-assessor na conta de Fernanda Bolsonaro, esposa do parlamentar;

2) dois pagamentos referentes às mensalidades escolares (nos valores de R$ 3.382,27 e R$ 3.560,28) das filhas do legislador referentes ao mês de outubro de 2018;

3) a identificação de diferença de R$ 153.237,65 entre os valores pagos à escola e os títulos debitados nas contas do casal (“que corresponde a 53 boletos bancários pagos com dinheiro em espécie não proveniente das contas bancárias do casal”);

4) a identificação de diferença de R$ 108.407,98 entre os pagamentos de mensalidades do plano de saúde familiar e os débitos nas contas correntes do casal – “quantia equivalente a 63 boletos bancários”;

O MP-RJ concluiu que “as movimentações bancárias atípicas e o contexto temporal nas quais foram realizadas resultam em evidências contundentes da função exercida por Fabrício José Carlos de Queiroz como operador financeiro na divisão de tarefas da organização criminosa investigada, tanto na arrecadação dos valores desviados da Alerj, quanto na transferência de parte do produto dos crimes de peculato ao patrimônio familiar do líder do grupo, o então deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro”.

As investigações dão indícios de que Luíza Souza Paes e Raimunda Veras Magalhães (esta última mãe do miliciano Adriano da Nóbrega) foram servidoras fantasmas no gabinete do então deputado estadual. O MP-RJ levantou dados de localização dos celulares de ambas e também mostrou esforços coletivos em regularizar retroativamente, de forma irregular, os registros de ponto de funcionários que não compareciam ao gabinete.

Segundo os investigadores, Fabrício Queiroz e o advogado Luis Gustavo Botto Maia teriam atuado “de forma sistemática para embaraçar a investigação, chegando a determinar a adulteração de provas” e “orientando diversas pessoas a não comparecerem ao Ministério Público para prestar depoimentos”. O ex-assessor teria orientado, inclusive, que a investigada Raimunda Vera Magalhães permanecesse escondida fora do Rio de Janeiro;

“Conforme apurado pelo Ministério Público através dos registros telefônicos informados pelas operadoras de telefonia celular (…), Luiza deslocava-se esporadicamente para a Alerj para assinar os livros de ponto. De acordo com o Parquet, entre 16 de dezembro de 2014 e 15 de fevereiro de 2017, Luiza Souza Paes foi localizada remotamente através do uso de seu aparelho celular em apenas três datas no raio de 750 metros de distância da Alerj durante o período em que permaneceu formalmente nomeada”, diz o despacho assinado pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio.

“De acordo com o mapa de calor do telefone de Raimunda Veras Magalhães, tomando como base as localizações das antenas ERBs (Estações Rádio Base), o Paquet verificou que ela não esteve nas cercanias da Alerj nenhum dia sequer no período em que deveria exercer a função pública”.

Os investigadores relatam que “Luiza Souza Paes compareceu à Alerj em 24 de janeiro de 2019, encontrou-se com o servidor Matheus Azeredo Coutinho e a adulteração no livro de ponto foi efetuada de forma retroativa ao ano de 2017”;

Mensagens interceptadas pelo MP-RJ também mostram um esforço de investigados em combinarem versão sobre os fatos apurados nas investigações, alinhando uma narrativa antes de depoimento previsto de Fabrício Queiroz.

Também são apontadas evidências de uma “complexa rotina de ocultação do paradeiro” de Fabrício Queiroz, que deixou de comparecer a depoimentos marcados em função de uma cirurgia em São Paulo. Depois disso, os investigadores dizem que o ex-assessor “não foi mais encontrado após receber alta do hospital”.

“Todavia, o Ministério Público (…) conseguiu descobrir o endereço no qual reside o aludido investigado e verificou que há evidências de uma complexa rotina de ocultação do paradeiro do referido investigado, articulada por uma pessoa com notório poder de mando, sob o codinome ‘Anjo'”.

“Nota-se que parte da rotina de ocultação do paradeiro de Fabrício Queiroz envolvia restrições em sua movimentação e em suas comunicações, sendo monitorado por uma terceira pessoa, que se reportava a um superior hierárquico referido como ‘Anjo'”.

“Insta ressaltar que os diálogos entre Fabrício Queiroz e Márcia Oliveira no mês de novembro de 2019 não só confirmaram que o casal estaria obedecendo às instruções de alguém sob o codinome ‘Anjo’, mas também que, ao perceber que o julgamento do STF sobre o uso de relatórios do Coaf em investigações criminais não lhes seria favorável, ‘Anjo’ manifestou a intenção de esconder toda a família do operador financeiro Fabrício Queiroz em São Paulo”.

Os investigadores também falam em indícios de que Queiroz e sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar, recebiam dinheiro de terceiros para manter um padrão de vida incompatível com os rendimentos do ex-assessor como suboficial reformado da Polícia Militar. Ao longo do inquérito, o MP também passou a investigar se uma rede de amigos e policiais dava apoio ao ex-assessor durante o período em que ele esteve fora do Rio.

Registros nos dados bancários de Fabrício Queiroz indicam que os restaurantes e pizzarias Rio Cap, administrado por Raimunda Veras Magalhães, e Tatyara, administrado por Adriano Magalhães Nóbrega, transferiram R$ 69.250,00 para a sua conta por meio de cheques e TED. O MP estima que o miliciano possa ter transferido mais de R$ 400 mil para as contas de Queiroz.

Também são apontados vínculos entre Queiroz e integrantes da milícia. É citado episódio em que o ex-assessor foi procurado para interceder em conflito na região do Itanhangá;

O MP-RJ afirma, ainda, que Queiroz manteve influência política mesmo após deixar o gabinete de Flávio Bolsonaro. Em conversa interceptada pelos investigadores, a própria esposa do ex-assessora o compara a um bandido “que tá preso dando ordens aqui fora, resolvendo tudo”.

Nas palavras do juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, isso “demonstra que ele poderia ameaçar testemunhas e outros investigados e obstaculizar a apuração dos fatos, perturbando, assim, o desenvolvimento da investigação e de futura ação penal”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.