O que esperar de Toffoli na presidência do STF?

Aos 50 anos, Toffoli assume o comando do Supremo em um momento delicado e terá a difícil missão de buscar equilíbrio e pacificação em um momento de divisões internas e atritos entre os Poderes

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Após nove anos no exercício do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli se prepara para tomar posse como presidente da Corte pelos próximos dois anos. A cerimônia está marcada para as 17h (horáro de Brasília) desta quinta-feira (13), no plenário do Tribunal, e representa um momento de grandes expectativas nos meios jurídico e político. Magistrado mais jovem a assumir o posto, Toffoli ganha protagonismo em um momento delicado para o STF e terá a difícil missão de buscar equilíbrio e pacificação em um momento de divisões internas e atritos entre os Poderes.

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Toffoli tem 50 anos e foi nomeado para o STF, em 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois da morte do então ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Antes de chegar ao Supremo, o ministro foi advogado-geral da União, advogado de campanhas eleitorais do PT, assessor na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e na liderança do partido na Câmara, sempre se destacando pela capacidade de diálogo e bom trânsito entre distintas grupos políticos.

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Na magistratura, ficou conhecido por evitar polêmicas e por ter tom pacificador em suas decisões. De acordo com os colegas da Corte, o novo presidente fará um trabalho ligado à gestão administrativa do Judiciário, por meio do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão que também comandará. Uma de suas prioridades para a gestão é a implementação do PJe (Processo Judicial Eletrônico), uma tentativa de pôr fim aos sistemas analógicos no Judiciário.

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A partir da semana que vem, Toffoli comandará as primeiras sessões da Corte. Foram pautadas somente ações que tratam de licenciamento ambiental e ações de inconstitucionalidade contra leis estaduais. A expectativa é de que pautas polêmicas não sejam julgadas antes das eleições de outubro. Segundo assessores próximos, o tribunal não deve julgar novamente a autorização para a execução de condenações criminais, fato que é defendido por advogados de condenados na Operação Lava Jato.

Para entender um pouco melhor as expectativas com a gestão de Dias Toffoli à frente do Supremo, o InfoMoney ouviu quatro especialistas. Eis um resumo de cada avaliação:

Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV-SP
As expectativas são de ma pauta que tire o Supremo dos holofotes. De alguma maneira, pacificar a relação entre os Poderes e as relações no próprio Tribunal. O que não é fácil, porque podemos ter um governo com capacidade de passar uma série de medidas controversas, que exigirão do STF uma atuação e recuperação de musculatura. É um exercício de sabedoria para não se omitir demais e não ter o protagonismo que ganhou nos últimos anos. Vamos ver um STF mais discreto.

A presidência de Toffoli será acompanhada por uma possível mitigação de um fator de tensão, que é a Lava Jato, seja pelo arrefecimento da própria operação, seja pelo fato de que, com a mudança na composição com Cármen Lúcia ingressando na Segunda Turma, constroem-se duas maiorias nas turmas. Deixa de haver uma disputa declarada de poder entre a turma e o plenário, que forçava um uso estratégico da pauta pelos relatores. Com isso, debates de natureza criminal não deverão ser encaminhados com tanta frequência para apreciação do pleno. Isso tende a desmobilizar uma série de problemas.

De outro lado, a nova gestão deve caminhar com pautas de menor antagonismo, prezando por certa unidade. Ele vai distribuir pautas que vão satisfazer os ministros individualmente e poupar estresse com o Legislativo e o Executivo. Toffoli vai tentar pacificar o Tribunal. Há, contudo, um risco da volta de um Judiciário governista, de um STF que não exerça sua função institucional contramajoritária.

Com isso, perder-se-ia um espaço institucional de proteção de direito de minorias, grupos com menor capacidade de organização política. Com a eleição de um presidente e de um Congresso de agendas antiminorias, a ausência do Supremo pode levar a uma fragilização de minorias que já são vulneráveis. Elas podem ficar mais expostas. Pode ser um momento de mais tranquilidade para o STF, mas esperamos que não venha a custos de sacrifícios de uma série de direitos.

O passado mais próximo ao PT é tema absolutamente superado. Muitas vezes, Toffoli vota contra os interesses do partido.

Conrado Gontijo, professor da pós-graduação em Direito Penal do IDP-SP
Alguns temas que estão em suspenso no STF deverão ser examinados e concluídos durante sua gestão. Um deles é a questão do auxílio-moradia dos membros do Judiciário. Embora os autos estejam com o ministro Luiz Fux, é um tema que deverá ser apreciado. Quando ele liberar, compete ao presidente organizar a pauta do plenário. Como houve recentemente iniciativa para ajustar a remuneração [dos magistrados], esse assunto deverá ser retomado.

Outra pauta que pode ser retomada diz respeito ao momento inicial de cumprimento de penas. Toffoli mostrou posição contrária ao atual entendimento do STF [da prisão após condenação em segunda instância]. Há peças para serem discutidas, mas ele tem sinalizado que não fará imediatamente, em função de possível contaminação política.

Toffoli tem se mostrado um dos ministros mais técnicos e preparados, tem proferido decisões que têm se tornado referência. A expectativa é que ele adote uma postura séria, que enfrente temas mais sensíveis com olhar técnico, sem tanta preocupação com o ambiente externo. A impressão é que ele tomará cuidado para que eventos que ocorreram nos últimos anos [de maior tensão entre os ministros e outros Poderes] não se repitam e que se chegue a um novo equilíbrio.

O ambiente político e o clima da Corte já não parece mais o mesmo de um ano ou seis meses atrás. Isso corrobora com um quadro de normalidade, rompendo com a ideia de um Tribunal com ministros que brigam e não conseguem dialogar. Com esse protagonismo que o Judiciário assumiu, tem havido certo descuido com os limites, assumiram um ativismo que, por vezes, viola os limites de competência de cada um dos Poderes.

Seu principal desafio na gestão será lidar com o racha dos ministros e a exposição que ganhou o Supremo nos últimos anos. As pautas que deveriam ser influenciadas apenas pelo que é jurídico e técnico têm sido muito influenciadas por questões alheias, anseios políticos e vontades individuais dos magistrados. Conter essa expansão e realcançar um equilíbrio é um grande desafio. Os vínculos antigos com o PT não parecem interferir na atuação do ministro. Ele deu mostras de capacidade técnica.

Davi Tangerino, doutor em Direito Penal e professor da UERJ e da FGV
A ministra Cármen Lúcia buscou ao máximo ser discreta [durante sua gestão como presidente], passar uma aura técnica aos trabalhos. Já Dias Toffoli tem origem diferente. Ele vem do Executivo, foi da AGU. Apostaria em uma presidência mais próxima dos outros Poderes, com pontes institucionais mais abertas. Como ele compõe essa trinca mais garantista em matéria penal (com os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) , deve pautar temas sociais relevantes, que fujam da Lava Jato.

Não se espera do novo presidente uma fuga do figurino. Toffoli não vai tomar nenhuma decisão à lá Rogério Favreto, manterá a liturgia. Uma decisão dessas poderia gerar problema interno grande no Tribunal. A Corte hoje parece refletir a cisão do País, tenho a impressão que placares de 6 a 5 no plenário e 3 a 2 nas turmas se intensificaram. Para conseguir presidir neste ambiente, Toffoli não deverá escapar do figurino. E certamente ele atravessará mais a Praça dos Três Poderes.

Imaginando que teremos um presidente eleito com margem razoável de votos e que o pleito seja reconhecido e validado, 2019 começa com uma cara de pacificação. A expectativa é que a nova legislatura desate mais nós. Neste arranjo, o Supremo não precisa ser mais ativo. A pergunta que fica é se ele precisava de um papel mais ativo ou se simplesmente encontrou ministros que acreditaram nesta necessidade.

Toffoli vai evitar como puder [novos atritos]. Como presidente, deverá trocar a interferência em outros Poderes pelo diálogo. Mas tem ministros que seguem acreditando nesse papel ativo. Nesse sentido, o poder de Toffoli é um pouco limitado. Embora tenha um poder enorme de pauta, muita coisa pode ser decidida em liminar. Ministros que acreditam no ativismo ainda terão instrumentos. O novo presidente não será chefe de ninguém. Com a nova composição das turmas, temas penais tendem a não mais ser escalados para o pleno e a concessão de pedidos de habeas corpus parece ficar mais complicada.

Quanto à influência do passado mais próximo ao PT, quem pensa que Toffoli atende a interesses do partido erra. Ele deu fartas indicações contrárias a isso. Agora, o debate público no Brasil é crescentemente desqualificado e simplificado, tudo tem que caber em uma análise dicotômica. Toda vez que ele fizer um aceno com uma pauta de esquerda, isso pode reaparecer. Por mais infundado que seja, acho que ele ainda vai ter que lidar muito com isso.

Renato Stanziola Vieira, advogado e diretor do IBCCrim
Toffoli tem adotado postura mais comedida com pautas acusatórias e em atos havidos nas persecuções penais, algo demonstrado em alguns votos e decisões monocráticas proferidas do fim do primeiro semestre pra cá. Não é possível antecipar um posicionamento em relação a determinadas questões específicas, como o procedimento de delação premiada.

Por ser historicamente vinculado ao PT, ele já tenta se blindar de postura que venha a seguir, se isso puder ser visto como excessivamente favorável a um dos lados. O novo presidente deve tentar assumir a postura de estrategista, com comedimento na medida do que for possível e aceitável, como na questão da presunção de inocência, em que apresentou uma espécie de saída intermediária.

Toffoli não vai comprar briga que o exponha demais neste clima que estamos vivendo, sobretudo em questões relacionadas ao ex-presidente Lula. Ele deverá ter postura mais comedida do que muitos advogados esperam, e, ainda assim, mais cautelosa do que muitos procuradores imaginam. Mas não deverá haver grandes mudanças. Acredito em um discreto alinhamento defensivo, provavelmente menor do que julgo necessário. Não mais arrojado para que ele não se exponha e não exponha o Tribunal.

Ele tem se portado de forma bastante hábil para acomodar eventuais divergências. O risco é frustrar os dois lados. Frustrar um ritmo acelerado de prestígio que essas grandes investigações têm, e o lado de advogados mais otimistas que esperariam um refreamento em medidas de força que estão acontecendo nos últimos anos. Nesse sentido, ele vai tentar se preservar. Se o fizer, também preservará, em grande medida, a própria instituição. É um pouco conservador, mas é o que pode acontecer.

(com Agência Brasil)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.