O que esperar da sabatina de Kassio Nunes no Senado?

Desembargador deve enfrentar pouca dificuldade para ter seu nome aprovado, mas sabatina deve trazer polêmicas à tona

Marcos Mortari

Kassio Nunes (Foto: Paula Carrubba/Anuário da Justiça)

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SÃO PAULO – Duas semanas após ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), é sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal nesta quarta-feira (21).

A casa legislativa é responsável por analisar indicados pelo Poder Executivo a diversos cargos, dentre eles o de ministro do STF. Para que a nomeação seja efetivada, é necessário contar com maioria absoluta dos votos dos senadores (41 dos 81 membros) em plenário, por meio de votação secreta, realizada após a sabatina na comissão.

Conforme esclareceu a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ, durante a sabatina, prevista para iniciar às 8h (horário de Brasília), cada parlamentar terá dez minutos para formular seus questionamentos, e Kassio Nunes terá o mesmo tempo para responder. Também são previstas réplicas e tréplicas, de cinco minutos cada.

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Durante a sessão, os senadores podem perguntar ao indicado suas opiniões sobre temas que estejam na alçada do STF ou em discussão na sociedade e no Congresso Nacional. Também podem interpelar Kassio a respeito de seu currículo profissional e outros fatos de sua vida que considerarem relevantes.

Para que seja submetido a deliberação do plenário, o nome do desembargador precisa antes ser aprovado por maioria simples dos membros do colegiado presentes à reunião, também em procedimento secreto de votação.

Nos bastidores, a avaliação é de que Kassio Nunes Marques para assumir a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) não deverá enfrentar grandes obstáculos para ser aprovado. Além de o indicado ter um bom trânsito com partidos do chamado “centrão” e com figuras da própria oposição, historicamente é raro que nomes para o tribunal sejam barrados pelos congressistas.

Mas alguns pontos tendem a gerar desconforto durante a interação do desembargador com os parlamentares, assim como se observou na reação do eleitorado mais fiel a Bolsonaro.

“A escolha de um juiz moderado e discreto de um tribunal federal, Kassio Nunes, repercutiu mal junto à base de apoio de direita e entre a bancada evangélica, que esperavam um nome mais abertamente conservador. Mas a indicação foi bem recebida no Congresso – inclusive entre os opositores de esquerda – e no Supremo”, observam os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group.

Os especialistas ressaltam a importância do nome escolhido para o governo federal, dadas as investigações que envolvem o presidente Jair Bolsonaro e seu círculo de aliados mais próximos. Ter um nome para reforçar a ala garantista da corte pode ser estratégico para o mandatário.

É o caso dos inquéritos das Fake News, das manifestações antidemocráticas e da suposta interferência do mandatário sobre a Polícia Federal, além das investigações envolvendo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), pela possível prática de “rachadinha” quando deputado estadual da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

“Esse assunto provavelmente será levantado quando Nunes falar junto à CCJ do Senado… Mas dada a reaproximação de Bolsonaro com o Congresso e os esforços do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em garantir o apoio do governo a uma possível candidatura à reeleição como presidente da casa no início do próximo ano, a confirmação de Nunes será tranquila”, pontuam.

Nos últimos dias, Kassio Nunes Marques tem dividido sua agenda entre encontros com parlamentares e a revisão de sabatinas realizadas pelos senadores com outros indicados para o Supremo. Mesmo com as articulações e as perspectivas de vitória, o desembargador não deve escapar de questões difíceis e polêmicas em uma sessão prevista para durar mais de oito horas.

Um dos pontos considerados mais polêmicos é a participação do senador Flávio Bolsonaro e de seu ex-advogado Frederick Wassef na indicação. O parlamentar tem temas de interesse que podem ser julgados pelo Supremo, com a participação de Kassio Nunes, como o acesso ao foro privilegiado na investigação sobre o caso das rachadinhas.

Também devem ser levantadas pelos senadores questões envolvendo o currículo acadêmico do desembargador. Foi noticiado que a dissertação de mestrado de Kassio Nunes na Universidade Autónoma de Lisboa repete trechos de artigo do advogado Saul Tourinho Leal, inclusive mantendo erros ortográficos.

Por meio de nota, Tourinho Leal defendeu o colega, alegando que os artigos acadêmicos citados “são frutos de debates, discussões e troca de informações acadêmicas, em conjunto com o desembargador Kassio Marques, constituíram um acervo doutrinário comum para ser utilizado na produção acadêmica de ambos”. Ele argumenta ainda que os textos defendem linhas doutrinárias “absolutamente divergentes”.

O desembargador também colocou em seu currículo um curso de quatro dias na Universidade de La Coruña em “Contratación Pública” como pós-graduação – a própria instituição informou que não oferece nenhuma pós-graduação deste curso.

As revelações levaram o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) a apresentar vote em separado pela rejeição da indicação do desembargador para a vaga no Supremo.

Os fatos, contudo, foram relevados pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) em seu relatório a favor da nomeação de Kassio Nunes para o cargo. Na avaliação do relator, o indicado cumpre com os requisitos constitucionais de notável saber jurídico e reputação ilibada.

A operação Lava Jato deve ser mais um eixo de questionamentos para o desembargador durante a sabatina, não apenas pelas posições garantistas do indicado, mas pela forma como se deu o processo de escolha pelo presidente Jair Bolsonaro. Antes de ser anunciado oficialmente, Kassio Nunes foi apresentado pelo mandatário aos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do STF – ambos conhecidos por integrarem a ala mais crítica às forças-tarefas no tribunal.

A rodada de apresentação do indicado incluiu reunião na residência de Davi Alcolumbre e um jantar informal na casa de Toffoli – encontro marcado por pizza, jogo de futebol e um abraço amplamente comentado entre o ministro e Bolsonaro.

O contexto reforçou os olhares de que este poderia ser mais um gesto do presidente no sentido de enfraquecer a operação – movimento observado ao menos desde a saída do ex-juiz Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Juntamente com a questão da Lava Jato, são esperados questionamentos sobre a posição de Kassio Nunes sobre a prisão após condenação em segunda instância, o foro privilegiado e a restrição a conduções coercitivas. A possibilidade de ministros afastarem parlamentares de seus mandatos monocraticamente também deve compor a lista, no calor do caso envolvendo o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), ex-vice líder do governo.

(com Agência Senado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.