“O Mecanismo”: há motivo para tanta polêmica sobre a nova série da Netflix?

Produção tem muitos problemas, mas discussão criada em todo o país não tem relação com a qualidade do programa

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Desde que foi anunciada, a série “O Mecanismo” criou uma certa ansiedade não só por ser mais um programa a retratar a Operação Lava Jato, mas também por ser uma produção da Netflix com produção de José Padilha, famoso diretor de Tropa de Elite. Lançada na última sexta-feira (23), a série está causando ainda mais discussão do que o esperado.

Desde o fim de semana, algumas pessoas e políticos da esquerda têm mostrado grande indignação com o que está retratado na produção da Netflix. O que mais chamou atenção foi a posicionamento da ex-presidente Dilma Rousseff, que chamou a série de mentirosa e criticou principalmente o fato de uma fala dita por Romero Jucá ter sido colocada na boca do personagem que representa Lula na série. Mas será que isso se justifica?

Antes de entrar na polêmica em si, vamos analisar a série como produção audiovisual. E nesta linha “O Mecanismo” é cheio de problemas. É preciso ter noção que a Lava Jato é bastante complexa e mesmo que esteja no noticiário diário dos brasileiros, muita gente não sabe e não tem conhecimento de tudo que acontece na operação.

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E nisto a série peca em dois pontos. O primeiro é a rapidez com que tudo é retratado, sendo que muitas vezes parece que os roteiristas simplesmente deduziram que todos sabem do que está sendo falado. Não que a série precise ser pensada para um “gringo” entender, mas é importante que qualquer obra tenha um ritmo bom e faça sentido, e em muitos momentos algumas cenas parecem simplesmente jogadas na tela porque fazem referência a um momento que ficou famoso nos últimos anos.

Veja também: Dilma critica série “O Mecanismo” e Padilha responde: “se soubesse ler, não estaríamos com esse problema”

Do outro lado, há um excesso de narração dos dois personagens principais. Padilha já tem como característica colocar seus protagonistas em “off” falando o que estão pensando, mas diferente de “Tropa de Elite”, onde isso funciona muito bem, em “O Mecanismo” algumas falas ficam redundantes, com personagens dizendo exatamente o que estamos vendo na tela. Em outros momentos, parece que o roteiro quer ficar explicando os acontecimentos em vez de mostrar, o que reforça a confusão e pressa da série.

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Padilha já lembrou a todos que só dirigiu o primeiro episódio e o roteiro não é seu (sendo este assinado por Elena Soárez), e isso talvez mostre porque algumas técnicas bastante usadas por ele não funcionam direito aqui. Algumas falas chegam a dar vergonha de tão expositivas e clichês que são, mas a dupla de protagonistas, representados por Selton Mello e Caroline Abras, conseguem salvar alguns momentos. No time de atores, Enrique Diaz, que vive Roberto Ibrahim (versão de Alberto Youssef) é o grande destaque, com uma atuação bastante carismática, roubando a cena sempre que aparece.

A grande polêmica

Outro grande problema da série está no fato de Padilha ficar “em cima do muro”. Apesar de dizer que sua obra critica tanto esquerda quanto direita, que ela não olha partido, é preciso ter em mente que ela é baseada em um livro (“Lava Jato: o Juíz Sergio Moro e os bastidores da Operação que abalou o Brasil”, de Vladimir Netto), mas isso também não justifica as críticas feitas pela ex-presidente.

Diferente do que ocorre no filme “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, a série da Netflix alterou o nome de todas as pessoas, empresas e órgãos públicos que participam da história, a única coisa que ficou foi o nome Operação Lava Jato. O problema é que durante toda a trama fica bem claro em qual pessoa na vida real os personagens são baseado: Higino é Lula, Janete é Dilma, PetroBrasil é a Petrobras.

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Ou seja, o tempo todo sabemos que tudo aquilo é real, mas na verdade é uma obra de ficção – e exatamente por isso Padilha pode sempre argumentar que sua série é de ficção, por isso não há motivos para Dilma ou a esquerda reclamarem. Mas porque tomar essa decisão? No filme sobre Lava Jato no ano passado, apenas alguns personagens têm seus nomes alterados, e mesmo assim fica bem claro que alguns momentos foram inventados para dar um tom mais dramático para o longa.

O próprio Padilha já mostrou ter uma solução melhor para o que ele se propôs em “Tropa de Elite”. Em sua divulgação, a série deixou claro que seria uma ficção baseada na realidade, mas quando você assiste parece que ela conseguiu encontrar uma terceira via que mistura realidade e ficção, sem ter coragem de ser nem uma coisa e nem outra. Em seu filme sobre o BOPE, o cineasta conseguiu muito bem criar uma trama de ficção, aí sim, baseada na realidade brasileira. Se Padilha tivesse dito a si mesmo que faria uma obra guiada pela Lava Jato real, teria evitado estes problemas.

Por outro lado, a campanha de boicote à Netflix e as duras críticas de Dilma Rousseff são algum até comum em qualquer obra que se dedique a representar um período ou situação política. Não importa se Padilha teve coragem ou não de ser algum completamente fictício ou realidade com toques de dramaticidade, “O Mecanismo” não é um documentário e realmente não tem obrigação de ser completamente fiel.

Colocar uma expressão que ficou famosa por Jucá na boca de Lula realmente gerou uma discussão que poderia ser evitada, mas está longe de ser o real problema da série, que tem em aspectos técnicos muito mais pontos negativos. Infelizmente, “O Mecanismo” está longe de ser algo realmente bom (nada que não possa ser melhorado nas próximas temporadas), mas até aí, boicotar a Netflix ou mesmo chamar a série de mentirosa, é um exagero que não se justifica. No fim, o fla-flu político entra em campo e ninguém para para pensar que não existem apenas dois pontos nesta história.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.