O impeachment de Dilma foi “golpe” ou não? A opinião de cada um dos lados

Enquanto boa parcela da população apoiou o impeachment de Dilma, outra fatia relevante é contra; nós consultamos Esther Solano e Renata Barreto, que possuem duas visões antagônicas sobre o processo

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O processo de impeachment de Dilma Rousseff, concluído nesta quarta-feira (31) com a saída da presidente do poder, deflagrou uma ferida aberta na sociedade. Apesar da maioria ampla no Senado ter decidido pela saída de Dilma, o fato é que a sociedade mostra divisão que foi deflagrada durante as eleições de 2014. 

Enquanto boa parcela da população apoiou o impeachment de Dilma, outra fatia relevante é contra, classificando-o de “golpe”, um dos mantras utilizados pelo defensores da petista no processo. Para tratar sobre os dois lados da questão, o InfoMoney consultou os dois lados da questão para responder a pergunta: afinal, o impeachment foi ou não foi golpe?

Confira abaixo as duas visões: 

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SIM, foi golpe!
Esther Solano Gallego, doutora em Ciências Sociais e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

O observador incauto que assistiu ao espetáculo dantesco do Senado deve pensar que os senadores são todos figuras ilibadas e de decência inquestionável que lutam, incansavelmente, como cavaleiros da justiça, contra a corrupção. Como disse Janaina Paschoal, Deus deu força para o processo, argumento jurídico original, sofisticado e muito coerente em um Estado laico, para aumentar a legitimidade do processo.

Esther Solano

Corrupção, o mantra utilizado até o limite para justificar o impeachment. Irônico, pensando que um dos maiores protagonistas desta triste crônica tem sido Eduardo Cunha, por todos conhecido pela sua retidão e integridade na hora de tratar as contas públicas. Irônico, relembrando o “estancar a sangria” de Romero Jucá nos áudios de Sergio Machado. Irônico, pensando na delação da Odebrecht citando uma doação de R$ 10 milhões a Michel Temer, o presidente interino inelegível, ou um caixa dois de R$ 23 milhões para José Serra.

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Mas são tudo ironias inocentes, ingênuas. Casualidades desta vida sarcástica que gosta de brincar. Nada estava ou está sendo arquitetado. Homens de bem, dizem eles, invocando um governo honrado. Os velhos caciques da política se mantêm honestamente sentados em suas cadeiras sem intervir nos rumos do país. O impeachment é pelas pedaladas, é pela corrupção, e ainda, está seguindo a lei e o rito. Porque a lei, todos sabemos, nunca serve a projetos de poder, ela emana do povo. A justiça, todos sabemos, é cega, julga a todos com os mesmos pesos e medidas. O rito e a estética dos homens engravatados do Congresso nunca foram pensados para dar aparência de formalidade a tramas ilegítimas.

O impeachment é um processo de ruptura governamental muito traumático e que só deveria ser invocado em casos de excepcionalidades. Sempre com a máxima responsabilidade e sentido democrático, valores, ambos, que, se alguma vez foram privilegiados no Congresso Nacional, hoje, definitivamente, não são os parâmetros que pautam as decisões da maioria dos nossos representantes.

Não é o caso justificar Dilma Rousseff, nem o PT. O PT vendeu a alma em nome do poder. Festejou por mais de uma década ao lado daqueles que hoje o acusam. O governo Dilma prometeu um programa progressista que traiu desde o primeiro dia. Movimentos sociais, mulheres, negros, indígenas, periferias, quem hoje sente que o petismo enfrenta com força a regressão conservadora e o fundamentalismo? Não é defender Dilma, nem o PT, é defender nossa frágil democracia do jogo sujo ao que ela está submetida, da ferida que este impeachment impõe.

O legado desta manobra, desta farsa, deste drama, é uma legitimidade  ainda menor das instituições e seus representantes, um debate político infantilizado, raivoso e violento e a inconsolável certeza de que o poder funciona à perfeição e sempre encontra o caminho, com todos nós de espectadores passivos, engolindo o circo

NÃO, não foi golpe!
Renata Barreto, economista e blogueira do InfoMoney, atua no mercado de capitais há 13 anos

Renata Barreto

No meu entendimento, a discussão sobre ser ou não ser golpe nunca deveria ter existido. Se as pessoas estão achando que o impeachment é uma punição muito dura, na verdade deveriam questionar a Lei de Responsabilidade Fiscal e até mesmo a constituição, que prevê o impeachment e as bases legais que podem ser usadas para tal. Mas afinal, o que realmente aconteceu?

A Lei de Responsabilidade fiscal fala claramente o seguinte: Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União para aplicação de recursos próprios.

O que aconteceu durante a gestão de Dilma, foi justamente o repasse de recursos de Bancos Públicos para a União. A famosa contabilidade criativa se mostrou efetiva em esconder a verdadeira situação das contas públicas, já que o Banco Central não foi informado corretamente dos passivos do Tesouro Nacional. Isso inclusive afeta todo o orçamento, considerando que se esperava um superávit primário que na realidade não existia.

Muitos argumentam que as tais pedaladas – um nome bonito para fraude –, aconteceram em todas as gestões, mas é preciso entender que há uma grande diferença entre ajuste e erro contábil de fraude com fim eleitoreiro. Nos anos anteriores, o atraso nos repasses não superou 0,1% do PIB e com Dilma, chegou a 1%.

Sabendo disso, temos provado que o crime de responsabilidade aconteceu. É claro que a maioria da população acaba não se aprofundando na questão e muitos apoiam o impeachment pela catastrófica gestão que resultou na pior crise econômica que o Brasil enfrentou. Entretanto, o impeachment nada mais é que um processo político com base jurídica que respeita burocráticos trâmites, inclusive com observância integral do STF que poderia interromper o processo a qualquer momento. 

Outra questão levantada que se tornou motivo para arbitrariedades foi o fato do Ministério Público Federal ter julgado que não houve crime. É preciso entender, nesse caso, que o MPF apenas julga crimes comuns que seriam passíveis de punição de acordo com o código penal brasileiro. O crime de responsabilidade fiscal está previsto numa lei específica que nada tem a ver com isso.

Além de estar muito claro que houve violação da LRF e que isso é base legal para o impeachment, é preciso também discorrer sobre a importância desse ato e suas consequências. Fraude é algo bastante sério que não poderia ser tolerado em nenhuma circunstância – como ocorre no meio privado – além de ser responsável por problemas graves no futuro.

Dilma, além de ter usado a contabilidade criativa para maquiar as contas públicas em época de eleição, disse que isso teria acontecido para pagamento de programas sociais, de forma a trazer simpatia do público para essa violação de lei. Entretanto, os gráficos fornecidos pelo próprio Tribunal de Contas da União nos mostram que a maioria dos repasses foram para o BNDES por meio do Programa de Sustentação de Investimento.

Fatos não podem ser ignorados, por mais que a realidade seja dura ou mostre coisas que não gostaríamos de ver. Gostar de Dilma, do PT, das políticas populistas e todo resto é uma coisa. Dizer que não existe base legal e crime de responsabilidade é outra. Uma grande irresponsabilidade. 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.