O diabo mora nos detalhes: Bolsonaro enfrenta obstáculos com Previdência nas pesquisas e nas redes sociais

À medida em que reforma começa a ser discutida nos termos da proposta apresentada pelo governo, resistência ao tema entre a opinião pública volta a chamar atenção

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Apesar da recepção positiva entre os agentes econômicos da proposta de reforma da Previdência apresentada ao Congresso Nacional há uma semana, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) enfrenta quadro adverso para o assunto junto à opinião pública, o que também tende a contaminar o comportamento de deputados e senadores, responsáveis pela avaliação do texto. O sinal alerta ganha força após o resultado da última pesquisa CNT/MDA e leituras prévias do debate nas redes sociais.

No primeiro caso, os dados de aprovação do presidente não trouxeram alento para a postura majoritariamente crítica à mudança nas regras das aposentadorias, o que não aparecia de forma genérica em levantamentos anteriores, mas apenas quando pontos específicos, como a idade mínima, eram abordados.

A pesquisa CNT/MDA, realizada entre 21 e 23 de fevereiro (logo após o envio da proposta do governo ao Congresso), mostrou que o governo do presidente Jair Bolsonaro é avaliado positivamente (“ótimo” ou “bom”) por 38,9%, contra 19,0% de avaliações negativas (“ruim” ou “péssimo”). O desempenho vem em linha com o registrado no levantamento XP/Ipespe de 13 de fevereiro, que mostrou avaliação positiva de 40%, contra 17% negativa. À primeira vista, os números podem ser encarados como favoráveis, mas uma leitura histórica reduz o otimismo.

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Uma compilação feita pelo site Poder360 mostra que a aprovação de Bolsonaro é 9,3 pontos percentuais menor que a registrada por Dilma Rousseff em agosto de 2011 e 16,8 p.p. abaixo da marca de Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003. O nível de “ótimo” ou “bom” do atual presidente também está 17,2 p.p. abaixo do nível registrado por Fernando Henrique Cardoso em fevereiro de 1995. Isso pode indicar capital político mais limitado em comparação com seus antecessores eleitos. Na prática, isso pode significar maior risco de diluição na busca pelo apoio necessário para aprovar a medida.

Preocupação maior aos investidores, contudo, reside no nível de rejeição da opinião pública à reforma da Previdência. Segundo o levantamento, 43,4% dos entrevistados aprovam a medida, contra 45,6% que desaprovam. O resultado destoa do tom observado em pesquisas feitas antes da apresentação do texto final da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pelo governo ao parlamento.

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Fonte: CNT/MDA (fevereiro)

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“A pesquisa pega um momento real sobre a reforma, com texto já enviado, governo em início de mandato e campanhas de comunicação voltadas para o tema”, explica Marcelo Souza, diretor do MDA Pesquisa.

Em fevereiro, a pesquisa XP/Ipespe mostrou que 64% dos brasileiros concordam com a necessidade da reforma da Previdência e 29% são contra a medida. A maioria dos entrevistados, porém, discordou da regra de idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, que acabou sendo mantida na versão encaminhada aos parlamentares.

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Fonte: XP/Ipespe (fevereiro)

Um mês antes, o Instituto Paraná Pesquisas revelou que 68,6% dos brasileiros acreditavam que Bolsonaro deve fazer uma reforma da Previdência, ao passo que 24,5% achavam que não era necessário.

“Até então, essa aprovação era teórica, ou seja, sem conhecimento do provável conteúdo. Agora, não é mais assim. Já foi apresentada a ‘dentada na expectativa’ das pessoas”, pontua Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas). A tendência é que futuros levantamentos capturem o novo quadro de mais resistência por parte dos eleitores.

Os casos reforçam a percepção de que, embora haja boa vontade inicial com a promoção de mudanças nas regras das aposentadorias, o quadro muda significativamente quando detalhes entram em discussão. Logo após a apresentação do texto pelo governo, críticas já começaram a ocupar o debate público, com destaque para mudanças propostas para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), as aposentadorias rurais e a própria idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, o que contamina a opinião geral do público sobre o tema.

“As pesquisas estão refletindo o comportamento da massa digital. O que acho mais estranho é que um governo que foi eleito com a característica de se apoiar muito no digital agora não faz isso de modo estruturado. As redes que apoiaram o presidente ainda estão muito caladas, esse pessoal não está sendo ativado como foi na eleição”, avalia Manoel Fernandes, diretor da Bites, consultoria especializada no monitoramento da opinião pública digital.

Para Fernandes, somente Bolsonaro tem condições de equilibrar a guerra de narrativas nas redes sociais. “Tem mais gente falando mal do que bem. Parece que quem gostaria de defender não tem argumentos, porque o governo não os fornece. Eles estão no campo de batalha esperando os comandos. Na campanha eleitoral foi exatamente assim”, afirma.

Segundo levantamento da Bites, o presidente fez 945 postagens em seus perfis entre 1º de janeiro e 25 de fevereiro, sendo apenas 16 sobre a reforma previdenciária. Desse total, somente 9 foram feitos após o anúncio da proposta oficial.

A reforma previdenciária tem sido menos debatida nas redes do que o “pacote anticrime” apresentado pelo ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública). Além disso, os enfoques dados ao tema são majoritariamente negativos. Dentre as hashtags mais citadas, estão #ReajaOuSuaPrevidenciaAcaba e #BolsonaroMentiu. No Google, algumas das principais buscas indicam uma corrida por informações de usuários interessados em se aposentar o quanto antes.

“É importante notar que, mesmo com dois anos de venda da reforma ao público e melhora no apoio, o ambiente da opinião pública ainda é desafiador. Adicione as próprias dificuldades do governo em estabelecer uma coalizão congressual e administrar sua estratégia política, e as perspectivas para uma reforma ambiciosa no Congresso parecem complicadas”, pontuam os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group.

Para eles, é importante que o governo aproveite o capital político deste momento de “lua de mel” com o eleitorado para aprovar a reforma. Quanto mais o tempo passar, mais difícil será e maiores tendem a ser os riscos de uma diluição em troca do apoio parlamentar suficiente. Para a PEC passar a vigorar, é necessária aprovação por 3/5 dos membros das duas casas legislativas (308 deputados e 49 senadores) em dois turnos de votações.

“Nenhuma das situações [potencial queda de popularidade e reprovação da reforma por parte da opinião pública] vai necessariamente impedir que o governo obtenha a aprovação para sua proposta no Congresso, mas elas indicam que vencer a batalha da comunicação não será fácil e que o governo terá que diluir significativamente sua proposta para garantir a aprovação”, observam os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group.

Aposta na desidratação

A expectativa de relevante diluição no texto original é compartilhada por outros analistas com trânsito no mercado financeiro. A segunda rodada do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as avaliações e projeções de algumas das vozes mais respeitadas na área, mostrou que 80% dos especialistas consultados acreditam que o governo Bolsonaro conseguirá aprovar um texto com praticamente o mesmo impacto fiscal que a atual versão da proposta de autoria de seu antecessor, Michel Temer.

A PEC 287/2016 do emedebista sofreu alterações durante sua tramitação em comissão especial. Hoje estima-se que a formatação aprovada pelo colegiado promova uma economia de R$ 689,1 bilhões em dez anos – R$ 113,2 bilhões a menos do que a versão original. Ainda assim, o governo não conseguiu obter apoio suficiente para concluir sua tramitação na Câmara dos Deputados.

Se os analistas consultados pelo Barômetro do Poder estiverem certos, a “Nova Previdência” poderá ser aprovada com uma desidratação entre R$ 400 bilhões e R$ 500 bilhões, o que significa uma perda de 34% a 43% em potencial fiscal. Outros 20% dos analistas adotam tom ainda mais pessimista.

Para eles, a proposta do atual governo deverá sair do Congresso com alcance fiscal menor do que a atual versão da PEC de Temer. Em janeiro, 29% dos consultados esperavam por uma economia maior, o que indica piora nas expectativas quanto às condições de o Planalto conter modificações promovidas por deputados e senadores no texto recebido.

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O levantamento, feito entre os dias 18 e 20 de fevereiro, contou com a participação de 8 casas de análise (CAC Consultoria, Control Risks, Eurasia Group, MCM Consultores, Medley Global Advisors, Prospectiva Consultoria, Tendências Consultoria Integrada e XP Política) e 2 analistas independentes (Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe; e Carlos Melo, professor do Insper). Conforme combinado com os colaboradores, os resultados são divulgados apenas de forma agregada, sendo mantido o anonimato das respostas.

A ausência de uma base governista estruturada até o momento pode ser um dos motivos para a desconfiança dos especialistas quanto à possibilidade de uma proposta mais audaciosa passar pelo crivo dos congressistas. O Barômetro de fevereiro mostra que a maioria dos analistas trabalha com um calendário mais elástico do que o indicado por membros do governo e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Para Maia, que comanda a casa legislativa pela terceira vez, é possível concluir a tramitação da PEC lá ainda no primeiro semestre. Deste modo, a segunda metade do ano seria dedicada para a aprovação no Senado Federal, onde se espera maior celeridade. Para passar a valer, a proposta precisa contar com o apoio de 3/5 dos membros de cada casa em dois turnos de votação.

Das 10 instituições e analistas consultados pelo levantamento, apenas 2 trabalham com a possibilidade de a tramitação da reforma ser concluída na Câmara em junho. A maioria (50%) vislumbra julho como o prazo mais factível. Já no grupo dos mais pessimistas, há 2 apostas para agosto e 1 para outubro – o que seria considerado péssimo pelos agentes econômicos. Quanto mais tempo levar, maiores os riscos de desidratação (ou até mesmo de derrota).

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“Ainda está cedo para definições acerca de chances de aprovação de matérias polêmicas. O comportamento e a dimensão da base governista ainda são incertos no modelo de governabilidade proposto pelo governo Bolsonaro”, observa um dos respondentes.

A média das estimativas dos especialistas indica que Bolsonaro poderia contar com um grupo de 242 deputados federais (47%) e 40 senadores (49%) alinhados. Além de incerto, o número não seria suficiente para aprovar a reforma.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.