Governo sentiu a pressão, mas não deve mudar rumos no Ministério da Saúde

Substituição ocorre em meio a desgaste acumulado e riscos crescentes ao governo, mas não deve representar inflexão no combate à pandemia

Marcos Mortari

Fonte: Geraldo Magela/Agência Senado

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SÃO PAULO – A troca do general Eduardo Pazuello pelo cardiologista Marcelo Queiroga no comando do Ministério da Saúde reforça o peso que mudanças no tabuleiro político tiveram sobre o governo federal nas últimas semanas.

Na percepção de analistas políticos, porém, o movimento dificilmente representará uma inflexão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no enfrentamento ao novo coronavírus.

Medidas de restrição temporária à circulação de pessoas em momentos de alta transmissibilidade do vírus, defendidas por autoridades médicas para controle de curto prazo da crise sanitária, tendem a permanecer entre os alvos prediletos do Palácio do Planalto.

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O presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) chega ao cargo pelas mãos do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do mandatário, e tem como missão enfrentar a crise da Covid-19 em seu pior momento no país.

Em pouco mais de um ano, a doença já matou 279.602 brasileiros, sendo 1.275 contabilizadas apenas na última segunda-feira (15). Já são 54 dias seguidos com a média móvel de óbitos acima da marca de 1.000 e com sucessivas quebras de recorde no indicador.

Do ponto de vista político, analistas ouvidos pela reportagem apontam ao menos sete fatores que justificam mais uma troca no comando da pasta:

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1) Recrudescimento da pandemia, com o aumento nos números de casos, internações e mortes provocados pela doença no país;

2) Ritmo lento da campanha de vacinação;

3) Tensão com governadores, em meio ao colapso do sistema de saúde em diversos estados;

4) Ameaça de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional para investigar a conduta de Pazuello e membros do governo na gestão da crise;

5) Avanço do inquérito contra Pazuello sobre a falta de oxigênio hospitalar a pacientes em Manaus (AM), aberto em fevereiro por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF);

6) Incômodo de membros das Forças Armadas com o desgaste provocado pela permanência de Pazuello, general da ativa, no cargo e com atuação criticada;

7) Ingresso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no tabuleiro eleitoral, com a anulação de condenações no âmbito da operação Lava Jato, por decisão do ministro Edson Fachin, do STF.

Discussões sobre a troca no Ministério da Saúde ocorriam há meses, mas ganharam força nos últimos dias, diante do aumento da pressão de diversos setores da política. Na noite do último sábado (13), Bolsonaro e ministros militares encontraram Pazuello para discutir a situação, já avaliada como insustentável.

“Bolsonaro estava contando que Pazuello servisse de escudo para acusações. Isso funcionou por algum tempo, mas ele não conseguiu evitar o óbvio: se a culpa é do ministro, a responsabilidade por trocá-lo é do presidente”, observa Thiago Vidal, analista político da Prospectiva Consultoria.

Marcelo Queiroga será o quarto comandante do Ministério da Saúde desde o início da pandemia, em março de 2020. Ele é formado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba, fez residência em cardiologia no Hospital Adventista Silvestre, no Rio de Janeiro, e tem especialização cardiologia.

Em conversa com jornalistas, Queiroga disse não ter “avaliação” sobre a gestão de Pazuello e prometeu continuidade ao trabalho do antecessor. “A política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde. O ministro executa a política do governo”, disse.

O tom reforça a percepção de que, apesar de ter se manifestado contra medidas como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da Covid-19, não deve promover mudanças bruscas na pasta.

A escolha de Queiroga para o cargo foi feita ontem (15), após a recusa da médica Ludhmila Hajjar – nome apoiado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – em meio a divergências com Bolsonaro.

A possibilidade de a médica assumir o ministério não havia sido bem aceita pela base bolsonarista nas redes sociais e as próprias divergências com o presidente quanto a medidas restritivas de circulação de pessoas e o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 inviabilizaram o movimento. Mais cedo, ela confirmou ter recusado a proposta por falta de “convergência técnica”.

“Ludhmila jogou uma bomba sobre qualquer nome técnico que venha depois”, avalia o analista político Creomar de Souza, CEO da Dharma Political Risk & Strategy. Para ele, o episódio reforçou a indisposição de Bolsonaro em mudar de forma significativa a postura diante da crise sanitária, exceto no caso da vacinação.

“O governo tem sofrido muita dificuldade em virar a página. Bolsonaro acabou virando refém do personagem – ou talvez ele seja o personagem. A gestão da pandemia e a insistência em um discurso que só vocaliza para um pedaço muito pequeno do eleitorado dão a percepção de que virou refém do personagem. O personagem funciona para a campanha, mas não para o governo”, pontua.

“O mito da campanha é o maior inimigo do presidente hoje. O maior inimigo do presidente é o presidente em campanha. Como Bolsonaro sempre foi candidato, desde o primeiro dia do mandato, isso impede que muitas agendas avancem”, conclui.

Para Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, a troca no Ministério da Saúde é resultado de postura reativa do presidente e de sua base aliada, mas não deve resultar em mudança significativa na condução do combate à Covid-19. O especialista acredita que a recusa de Ludhmila Hajjar pode provocar desgaste superior ao governo do que as saídas de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich da pasta.

“É uma tentativa de Bolsonaro de empurrar a culpa pelo descalabro da pandemia sobre as costas do ministro Pazuello. O centrão e o entorno mais razoável do presidente estão percebendo que o gerenciamento desastroso da pandemia está gerando custos políticos não só para o governo, mas seus aliados”, afirma.

“O retorno de Lula [ao cenário eleitoral] também pode ser um fator que apressou a saída de Pazuello, que já era esperada, mas acelerou nos últimos dias”, complementa.

A anulação das condenações de Lula tornou o líder petista elegível e jogou sombra sobre os planos de reeleição de Bolsonaro – que mudou algumas de suas condutas logo após a notícia. De acordo com a última pesquisa XP/Ipespe, os dois estão tecnicamente empatados nas disputas de primeiro e segundo turnos.

No dia em que Lula fez seu primeiro discurso após a decisão de Fachin, Bolsonaro liderou cerimônia usando máscara de proteção facial no Palácio do Planalto (algo incomum na atual gestão) e buscou apontar esforços do governo federal no enfrentamento à pandemia, com liberação de recursos a entes subnacionais e abrindo caminho para a compra de vacinas contra a Covid-19.

Na avaliação de analistas políticos, o desempenho da economia será fundamental para o desfecho da próxima corrida presidencial, que ocorrerá somente daqui a 19 meses. Nesse sentido, o controle da pandemia do novo coronavírus mostra-se indispensável.

“Um colapso do sistema nacional de saúde não apenas prejudicaria os índices de aprovação de Bolsonaro, mas a variável-chave para se observar as condições para uma recuperação econômica no segundo semestre de 2021 e primeira metade de 2022”, escreveram os analistas da consultoria Eurasia Group.

“Se o Brasil emergir desta onda da pandemia com uma economia anêmica, isso poderia minar os números de recuperação de Bolsonaro antes das eleições”, complementaram.

Para além da ainda distante corrida presidencial, a troca no Ministério da Saúde marcou desgaste de Bolsonaro com o “centrão”, grupo que tentava ampliar sua influência sobre a pasta a partir da saída de Pazuello.

Parlamentares do bloco informal avaliam que a decisão do presidente de não ouvir os novos aliados e atender a indicação do filho demonstra novamente postura de isolamento do mandatário.

Com o agravamento da crise sanitária e o ingresso de Lula no tabuleiro eleitoral, já se espera que as contrapartidas cobradas por deputados do grupo pelo apoio ao governo sejam maiores.

A votação de vetos presidenciais nesta semana pelo Congresso Nacional podem ser um bom teste para Bolsonaro e um indicativo do humor do “centrão” após a derrota.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.