Nova era para o Fed? Alvo de ira, autonomia pode estar com dias contados

Projetos de lei submetem órgão a maior controle e refletem cidadãos ainda mais ultrajados com escândalo dos bônus da AIG

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SÃO PAULO – O mandato de Ben Bernanke na presidência do Federal Reserve está próximo de seu fim – isto é, ao menos o primeiro mandato. Mas a autoridade máxima da política monetária norte-americana pode estar próxima de mudanças muito mais profundas do que uma simples – e improvável – troca de regentes.

Bernanke permanece no comando do Fed até 31 de janeiro de 2010. Sua reeleição é tida como “quase certa” pelos grandes cientistas políticos norte-americanos. A indicação já foi feita em agosto por Barack Obama, presidente dos EUA, e dificilmente será barrada pelo Senado, posto que 60 de suas 100 cadeiras são ocupadas por democratas.

Ainda que altamente provável, a reeleição de Bernanke deverá ser no mínimo conturbada. Na última sexta-feira (20), o Comitê Bancário do Senado dos EUA determinou a presença de Bernanke em uma audiência agendada para 3 de dezembro, para que o ex-professor de Princeton preste contas acerca de seu primeiro mandato e dos planos para o possível segundo período à frente do Fed.

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Como é de praxe em toda vez que Bernanke fala em público, o evento deverá ser acompanhado com atenção pelos mercados. Mas desta vez, ele promete mais do que o usual: nas últimas semanas, dois projetos de lei vêm sendo destaque no noticiário econômico do país, por visar uma significativa diminuição da autonomia do Fed.

O projeto de Dodd

Um de tais projetos é o do senador democrata Christopher J. Dodd, do estado de Connecticut, que prevê basicamente uma drástica redução no escopo de atividades do Federal Reserve, deixando-o responsável apenas pela condução da política monetária norte-americana. Atualmente, o Fed também preside as tarefas de proteção ao consumidor e regulação dos sistemas financeiro e bancário.

“Agrupar tais funções em uma única organização se provou uma falha abismal”, afirmou Dodd. O projeto, extremamente ambicioso e que traria a reforma mais profunda no funcionamento do Fed desde a Grande Crise de 1929, tem o aval de ninguém menos que Timothy Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, e deve ser submetido à votação no Senado no início de dezembro, de acordo com projeções do próprio Dodd.

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No entanto, a redução das tarefas do Fed não é o ponto mais polêmico do projeto, e sim as mudanças previstas no sistema de votação dos dirigentes da autoridade. Resumidamente, hoje a “sede do Fed” em Washington é liderada por sete dirigentes, todos apontados pelo presidente do país. Estes sete dirigentes mais outros cinco apontados pelos 12 Feds regionais espalhados pelos EUA compõem, por sua vez, o Fomc (Federal Open Market Committee), órgão responsável pelas decisões da política monetária.

O projeto de Dodd prevê que a Casa Branca passe a apontar também os presidentes e todos os demais dirigentes dos Feds regionais, assumindo assim controle total sobre as decisões monetárias – desnecessário dizer a polêmica que tal possível mudança vem suscitando nos EUA. “Seria o fim da independência do Fed”, afirmam analistas.

O projeto de Paul

Por sinal o outro polêmico projeto de lei acerca do Banco Central dos EUA é de autoria do republicano Ron Paul, conhecido também por seu best-seller justamente chamado “O fim do Fed”. De acordo com a proposta, todo ato da autoridade, incluindo decisões de política monetária, poderão estar sujeitos a uma auditoria por parte do Senado.

Para alguns, o projeto é bem-vindo por trazer maior transparência a um órgão acusado de ser elitista e secreto. Para outros, dificilmente os legisladores norte-americanos se contentariam em dar apenas uma “olhada nos livros e papéis” do Fed. Bernanke compõe o segundo grupo, argumentando que a proposta “fere a independência do Federal Reserve”.

Com o apoio de Bernanke ou não, fato é que o projeto de Paul já recebeu o aval da maioria na Câmara dos Deputados e agora aguarda votação no Senado, prevista para o final deste mês de novembro. Para cientistas políticos, a proposta deve encontrar maior resistência na casa superior do Senado norte-americano, mas uma aprovação por lá não está totalmente descartada.

Fed no alvo

Enquanto muitos concedem a Bernanke o crédito de ter salvado a economia norte-americana de um colapso nas proporções da Grande Depressão de 1929, outros culpam o economista por ter remediado a situação ao invés de ter impedido com que acontecesse, sendo conivente com a concessão desenfreada de crédito no mercado imobiliário.

Outros ainda acreditam que a autoridade foi longe demais em seus resgates bilionários às instituições financeiras de Wall Street, uma visão que ganha cada vez mais apoio entre os cidadãos norte-americanos comuns. “Enquanto o mercado volta a reportar lucros recordes e bônus milionários, nós nos deparamos com uma taxa de desemprego de 10,2%”, afirmou o New York Post no último sábado.

A frase do jornal nova-iorquino faz referência ao escândalo dos bônus da AIG, que tomou conta do noticiário do país nos últimos dias. A seguradora concedeu US$ 165 milhões em bônus de final de ano a seus mais bem-pagos executivos, mesmo tendo sido resgatada pelo Fed de uma bancarrota completa, despertando descontentamento entre os contribuintes norte-americanos.

O escândalo da AIG, na verdade, veio apenas como a cereja no topo do bolo. Há tempos os políticos norte-americanos vêm sendo pressionados por seus eleitorados para mudanças mais profundas nos mercados e sistema financeiro. Afinal, não é tão difícil compreender a revolta de um cidadão comum desempregado ao ver na televisão ou no jornal a notícia de resgates bilionários a companhias que cavaram o seu próprio buraco em direção ao colapso.

Uma Washington populista

Uma coisa é criticar a atuação do Fed, outra coisa é interferir deliberadamente em sua independência. Para analistas, projetos de reforma do sistema financeiro, visando instituições menores que, se quebrarem, causam menos impactos ao mercado, são bem-vindas. Outra coisa completamente diferente é interferir deliberadamente na autonomia do Fed.

“Todos nós queremos fazer do Fed nosso saco de pancadas e apontá-lo como o grande vilão. Mas se tomarmos essa decisão, eu sei bem qual será o resultado final”, afirmou o republicano Mel Watt, quando da votação da proposta de Paul na Câmara dos Deputados. O senador Judd Gregg foi ainda mais enfático: “não se enganem: trazer as decisões de política monetária às mãos do Congresso é uma séria ameaça à nossa economia”.

E para cientistas políticos, o cenário contraditório entre um mercado em relativa recuperação e uma economia ainda extremamente fragilizada deve continuar alimentando em Washington um clima de populismo. “Afinal, as eleições de 2010 já começam a aparecer no horizonte”, afirmam.

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