“Não temos por que ter medo da decisão soberana da sociedade”, diz Marina Silva

Bem posicionada nas mais recentes pesquisas eleitorais, ex-senadora e candidata nos últimos dois pleitos presidenciais prefere não tratar da possibilidade de eleições indiretas em caso de queda de Michel Temer

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O Brasil está passando por um momento de emergência e não há saída para a atual crise senão o da eleição de um novo mandatário, pela via direta, capaz de conduzir o país pela travessia até um novo pleito em 2018. Essa é a avaliação da porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade, Marina Silva. Ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ela defende que Michel Temer não tem mais condições de governar e aponta a cassação da chapa eleita em 2014 pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como o melhor caminho para tirar o país do impasse, em detrimento às opções do impeachment ou cassação do peemedebista por processo no Supremo Tribunal Federal.

“O passo é uma nova eleição, que seria a forma de repactuar, com base em um programa, essa transição, porque todos os atalhos que foram feitos até agora só nos levaram a mais precipícios. Se permanecermos no caminho dos atalhos, estamos prejudicando a vida das pessoas”, disse em entrevista concedida ao InfoMoney na tarde da última sexta-feira (26). Marina argumenta que a recente decisão da corte eleitoral de convocar novas eleições diretas no estado do Amazonas abre caminho para que o mesmo caminho seja adotado caso a chapa Dilma-Temer seja cassada.

Bem posicionada nas mais recentes pesquisas eleitorais, a porta-voz da Rede prefere não falar sobre posições do partido em caso de eleições indiretas — alternativa que, segundo ela, poderia trazer ainda mais problemas para o país. “Em um momento de vacância do cargo, seja pela cassação, seja pelo impeachment, a melhor forma é devolver [a decisão] para a sociedade, para que ela possa reabrir o debate, para que aqueles que possivelmente venham a se candidatar apresentem um programa, digam que tipo de reforma irão fazer, para que a sociedade tenha o direito de fazer a sua escolha de forma consciente. Nós não temos por que ter medo da decisão soberana da sociedade”.

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Durante a conversa, Marina Silva criticou a decisão do presidente de convocar as Forças Armadas em resposta às manifestações realizadas na última quarta-feira (24), exaltou o trabalho da operação Lava Jato — que, segundo ela, tem passado o Brasil a limpo e promovido uma espécie de “reforma política na prática” — e voltou a denunciar articulações dos partidos tradicionais em torno de uma operação-abafa contra as investigações. A ex-senadora mostrou resistência à ideia da costura de um acordo suprapartidário para virar a página da crise brasileira. “Qualquer articulação que exclua a sociedade brasileira não é o caminho”, observou. “Acho que há um entendimento de que estamos vivendo uma emergência do ponto de vista político, do ponto de vista social, e temos que ter muito cuidado para não resvalarmos para uma crise institucional. O que está sustentando o Brasil é o funcionamento das instituições. Mas as pessoas não podem apostar no esgarçamento dessa tênue sustentação”.

Confira os destaques da entrevista:

InfoMoney – A revelação dos áudios e as delações de executivos da JBS deram origem à pior crise do governo Michel Temer, com forte pressão pela saída do presidente. Qual é sua avaliação sobre a atual conjuntura?

Marina Silva – O governo não tem mais condições de governar. Ele já vinha se segurando na equipe econômica, que funcionava como uma espécie de hospedeira do governo, e agora, diante de todos os fatos lamentáveis que aconteceram envolvendo diretamente o presidente, além de seus nove ministros que já são investigados na Lava Jato, essa condição não existe mais. 

O TSE tem uma saída para essa crise, que é o julgamento pela cassação da chapa Dilma-Temer. Está fartamente comprovado, através do relatório do ministro Herman Benjamin, que houve, sim, dinheiro da corrupção, dinheiro de caixa dois. O passo é uma nova eleição, que seria a forma de repactuar, com base em um programa, essa transição, porque todos os atalhos que foram feitos até agora só nos levaram a mais precipícios. Se permanecermos no caminho dos atalhos, estamos prejudicando a vida das pessoas.

Já temos 14 milhões de desempregados e uma situação de descrédito em relação aos investimentos que poderiam estar sendo retomados no Brasil. No Congresso Nacional, temos um debate sobre reformas que mexem com a vida das pessoas de forma profunda, que está sendo encaminhado por uma base de sustentação da qual boa parte também é investigada pela Lava Jato, além de um presidente da República que está sendo, ele próprio, investigado.

Temos uma situação de completo desgoverno. Então, [a saída] é apostar no caminho, não no atalho. O caminho é o julgamento no TSE, cassação da chapa Dilma-Temer e a convocação de novas eleições, de acordo com a legislação eleitoral, que diz que, a menos que seja a seis meses do pleito, deve haver uma nova eleição — que, aliás, é o que está sendo aplicado no estado do Amazonas.

IM – Na época do impeachment de Dilma Rousseff, a senhora pontuava que a solução deveria ser a cassação da chapa eleita, sob a argumentação de que havia sido cometido crime eleitoral. Neste ano, tal cenário ganhou força, mas seu partido também entrou com um pedido de impeachment contra Temer. Ambas as situações poderiam alcançar a mesma finalidade, mas a senhora vê viabilidade na última, considerando-se os prazos para tal processo?

MS – Já temos 13 pedidos de impeachment contra o presidente Michel Temer, [processo] que tem uma tramitação mais longa e depende da acolhida por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado visceral do atual governo. 

O impeachment não é golpe. Há crime de responsabilidade, tanto por parte da Dilma quanto do Temer, mas o que alcança finalidade e legalidade é a cassação da chapa no TSE. Há uma comprovação farta de que houve crime eleitoral, de que houve não só abuso do poder econômico, mas dinheiro de caixa dois, dinheiro da corrupção.

Com a materialidade desses fatos, cassando a chapa, aplicando a legislação que está em apreciação pelo pleno do Supremo e está sendo adotada para governadores, estaríamos devolvendo para a sociedade a possibilidade de refazer o equívoco cometido em 2014, porque tivemos, sim, uma fraude eleitoral.

IM – Supondo que o TSE não casse o presidente Michel Temer e a alternativa seja o impeachment. Neste caso, a senhora também vê possibilidade de eleições diretas?

MS – Para o caso de impeachment, tem a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada pelo deputado Miro Teixeira (REDE-RJ) desde o ano passado, estabelecendo que não haveria eleição indireta. A PEC faz justiça à própria Constituição, cujo art. 1º diz que todo poder emana do povo.

Em um momento de vacância do cargo, seja pela cassação, seja pelo impeachment, a melhor forma é devolver [a decisão] para a sociedade, para que ela possa reabrir o debate, para que aqueles que possivelmente venham a se candidatar apresentem um programa, digam que tipo de reforma irão fazer, para que a sociedade tenha o direito de fazer a sua escolha de forma consciente. Nós não temos por que ter medo da decisão soberana da sociedade. Se a sociedade tiver os meios para tomar essa decisão, se tivermos transparência, se tivermos o debate em vez do embate, se tivermos o compromisso com a verdade em vez da calúnia e da desconstrução de adversários, como foi feito em 2014… Isso ajuda a sociedade a ter seu discernimento. O que não ajuda é continuar apostando nos atalhos, que existe meia dúzia que sabe fazer pelo povo em lugar de fazer com as pessoas. Temos um presidente que teve que lançar mão de um factoide, chamar as Forças Armadas, para poder ganhar uma sobrevida. Quando isso acontece, alguma coisa está muito errada.

IM – Qual é a dimensão desse gesto tomado em resposta aos protestos em Brasília?

MS – Em primeiro lugar, não se deve ter conivência com nenhum tipo de depredação do patrimônio público, com nenhuma forma de violência praticada por quem quer que seja. O problema é que não foram esgotados os meios legais, os meios constitucionais, para que se pudesse tomar a decisão que foi tomada pelo presidente da República. O governo do Distrito Federal não foi consultado, não se declarou incapaz de resolver os conflitos. 

Não houve observância ao que está estabelecido na Constituição Federal. [a edição do decreto] Foi uma atitude equivocada por parte do governo, e, com sua revogação, ficou muito clara a falta de sustentação. O pedido que havia sido feito pelo presidente da Câmara dos Deputados era para que tivéssemos o auxílio da Força Nacional, e não a convocação do Exército. Quando isso aconteceu em outras circunstâncias, havia um entendimento por parte do governo estadual de que era necessária essa ajuda pontual. Não foi o caso. Obviamente que qualquer forma de violência e de depredação do patrimônio público não pode ter nenhum tipo de complacência, mas existem as forças legitimamente estabelecidas para poder lidar com esses conflitos.

IM – Em caso de eleição indireta, como a Rede se posicionaria? Lançaria candidatura ou apoiaria alguém? A senhora pensa em disputar?

MS – A posição da Rede é que deve haver a cassação da chapa Dilma-Temer e que devemos ter eleição direta, com base na legislação eleitoral que está sendo usada para o caso da cassação do governador do estado do Amazonas. Além disso, o movimento por diretas não pode ser movimento que tenha protagonismo de partidos ou qualquer interesse particular desse ou daquele candidato. Enquanto não tivermos a devolução do direito de escolha para os cidadãos brasileiros, qualquer um que se coloque nesse lugar de candidato estará fazendo algo que não considero adequado. Esse é o momento de uma mobilização física para tirar o Brasil desse poço sem fundo em que estamos metidos, para ver se é possível pactuar uma saída legitimada pela sociedade, para se fazer a transição até 2018. 

IM – Mas e se a eleição for indireta, qual é a posição do partido?

MS – Nós esperaremos pelas eleições diretas. Não imagino que, em uma crise com essa dramaticidade, depois de tudo que tem acontecido, com um Congresso em que os presidentes do Senado e da Câmara e mais de uma centena de parlamentares estão envolvidos, essa escolha [indireta] seja vista pela sociedade como uma saída para a crise que estamos vivendo. A única saída na qual o Congresso pode ajudar a sociedade e buscar alguma conectividade com ela é devolver o direito de escolher aquele que irá fazer essa transição com base em um programa. Deveria ter aprovado a PEC do deputado Miro Teixeira. Agora, todos os olhares da sociedade se voltam para o TSE e para o plenário do Supremo, que está avaliando a legislação eleitoral referente a eleições diretas no caso da cassação da chapa.

IM – A senhora criticou a articulação de partidos tradicionais (PT, PSDB e PMDB) para frear a Lava Jato. Hoje, a imprensa mostra uma costura suprapartidária para um cenário “pós-Temer”. A senhora também é crítica a esse movimento?

MS – O cenário de sucessão ao presidente Temer passa pelas eleições diretas. Qualquer articulação será vista como continuar apostando nos atalhos que só nos levarão a mais abismos. E, em relação a essa junção de forças para tentar barrar a Lava Jato, a sociedade brasileira deve ficar muito atenta e continuar apoiando a Lava Jato. Depois de tudo que aconteceu e que está acontecendo nesse país em relação aos graves problemas de corrupção, qualquer um que vá se candidatar à presidência da República tem que colocar como ponto fundamental o apoio ao trabalho independente da Justiça, da Polícia Federal, do Ministério Público e o combate à corrupção sistêmica e endêmica que tomou conta do nosso país. A sociedade quer passar o Brasil a limpo. E quem quiser enfrentar os problemas graves que nós estamos vivendo tem que tomar essa causa como a causa do Brasil. Não é a causa dos procuradores, de juízes nem de policiais: essa é a causa da sociedade brasileira e qualquer governante tem que estar comprometido com ela. 

Dá para entender por que esses partidos que nunca se uniram em torno de questões relevantes para o Brasil agora se unem para tentar barrar a Lava Jato. Tentaram aprovar o projeto de abuso de autoridade, a lei da anistia ao caixa dois, uma série de medidas. A Lava Jato está fazendo uma reforma política na prática quando está mostrando concretamente que o crime praticado, seja por empresário, seja por político, não ficará impune, quando está trazendo à luz todos esses casos de corrupção envolvendo grandes empreendimentos, fundos de pensão, a Petrobras ou o BNDES; está mostrando que o crime não compensa, e que quem quer usar a política para negócios escuros vai ter que pensar pelo menos umas cinco vezes e vão ficar na política somente aqueles que de fato querem prestar um serviço. Essa é uma grande contribuição para melhorar a qualidade da política, porque boa parte dos crimes é praticada porque as pessoas tinham quase certeza da impunidade. Uma vez acostumando-se por tantas décadas, até séculos, à quase certeza da impunidade, isso virou quase que uma dependência.

As pessoas estão sendo investigadas, estão dentro da cadeia, está acontecendo tudo que está acontecendo, e o presidente da República ainda se reúne com um investigado, deixa o investigado dizer que está subornando um juiz, um procurador da República e ele ainda [responde] “ótimo, ótimo”. Como pode uma coisa dessas?

IM – Existe um entendimento de parte do mundo político de que o tempo joga a favor do presidente, e, nesse sentido, há conversas sobre a costura de um acordo que envolva inclusive ele próprio. Como a senhora enxerga essas movimentações?

MS – Qualquer articulação que exclua a sociedade brasileira não é o caminho. O presidente quer protelar o processo no TSE, pode haver recurso, mas quem disse que o pleno do Supremo vai protelar? Acho que há um entendimento de que estamos vivendo uma emergência do ponto de vista político, do ponto de vista social, e temos que ter muito cuidado para não resvalarmos para uma crise institucional. O que está sustentando o Brasil é o funcionamento das instituições. Mas as pessoas não podem apostar no esgarçamento dessa tênue sustentação. Eu tenho certeza que os senhores ministros têm sentido essa urgência e esse senso de responsabilidade com tudo que está acontecendo no Brasil. 14 milhões de desempregados já é um custo muito alto que está sendo pago em função de todos esses equívocos que vêm sendo cometidos desde 2008, quando se resolveu colocar o projeto de poder acima do projeto de país. Não se pode ter um projeto de eleição que não considere os destinos da nação. Aliás, o Brasil precisa fazer um encontro de contas com aqueles que colocaram o projeto de poder acima do projeto de país. 

IM – Não seria arriscado ter o Judiciário realizando a tarefa de reformar a política?

MS – Quando eu digo que a Lava Jato está fazendo uma reforma política na prática é porque está acabando com a impunidade referente ao uso da corrupção para fraudar as eleições. Um dos graves problemas da nossa democracia é que ela vinha sendo violada por um grupo que queria se perpetuar — um no poder econômico e outro no poder político. É uma reforma política do ponto de vista prático, está dando uma grande contribuição para tirar aqueles que querem usar a política para fazer negócios escuros. Essas pessoas não causam nenhum prejuízo ao saírem da política. Aliás, permanecer na política pela impunidade é que é o grande prejuízo. 

IM – A senhora vê legitimidade nas críticas que são feitas por alguns setores à Lava Jato? Refiro-me a questões como as prisões preventivas, conduções coercitivas e o próprio mecanismo da delação premiada.

MS – Existe um debate jurídico, e até acadêmico, que é salutar. Mas a maior crítica que vejo à Lava Jato é mesmo dos políticos e de alguns partidos — inclusive, os mesmos que na Constituição de 1988 lutaram para que o Ministério Público fosse independente, para que a Polícia Federal fosse independente, para que tivéssemos mecanismos de controle para coibir os erros quando as pessoas falhassem em suas virtudes. A maior crítica que estou vendo é a crítica daqueles que não gostariam de ver a impunidade ser debelada em nosso país. 

Nenhuma pessoa é, a priori, culpada, e nenhuma pessoa é, a priori, inocente. Não existe ninguém que seja poderoso demais, popular demais, rico demais ou forte demais para deixar de ser punido, a lei deve ser usada igualmente para todos. Deve ser assegurado o amplo e legítimo direito de defesa. Justiça não é vingança, é reparação, temos que nos ater à materialidade dos fatos. As colaborações premiadas são importantes, mas não têm um fim em si mesmas. Elas são a base sobre a qual serão produzidas provas materiais para verificar se há ou não procedência naquilo que está sendo dito. É por isso que é importante o trabalho que vem sendo feito nas investigações.

IM – Há críticas ao acordo com executivos da JBS. Houve um excesso de benefícios? As delações premiadas podem, no limite, acabar levando a operação a um cenário clássico no Brasil, de corruptos punidos e corruptores impunes?

MS – O mecanismo da delação premiada dá uma contribuição inicial e, obviamente, precisa ser redimensionado depois. Estamos na primeira fase de implementação de um mecanismo, sem o qual dificilmente se chegaria aos fatos que vêm sendo trazidos à luz com a Lava Jato e outras operações feitas em nosso país. Mas já é mais do que de conhecimento dos especialistas que, depois de um determinado tempo, é preciso que haja um processo de reavaliação, para que não se venha a cair em um círculo vicioso. 

Em relação às delações premiadas da JBS, há, sim, um questionamento sendo feito e caberá ao Ministério Público demonstrar, com base na lei, o alcance da delação que foi feita. Nada disso é feito fora da lei, mas há, sim, um questionamento que a sociedade está fazendo sobre pessoas que pegaram bilhões e bilhões do BNDES e usaram para ações de corrupção, caixa dois e uma série de mecanismos criminosos, e que agora estão se beneficiando da delação. Mas isso tem que ser visto à luz da Justiça, da legislação e dos critérios que estão estabelecidos para cada caso. Existe uma gradação para que se tenha determinados encaminhamentos a partir da colaboração, e o Ministério Público deve estar atento à observância desses critérios.

IM – O que é necessário discutir em uma reforma política de fato?

MS – Acabar com o financiamento privado de campanha é corretíssimo, sempre defendi essa proposta. No entanto, não se pode pegar o financiamento privado, que antes era faraônico para alguns, e institucionalizá-lo na forma do fundo eleitoral. Um fundo de R$ 5 bilhões, porque a base de cálculo para a destinação dos recursos são os mesmos parlamentares que foram eleitos em grande parte graças ao dinheiro da corrupção, não é o melhor caminho para que a gente faça essa modernização. 

Outra coisa importante na reforma política é não permitir que o cidadão seja subtraído da escolha de seus representantes. A aprovação do voto em lista é uma forma de tirar o direito legítimo que ele tem da escolha de seu representante e é uma forma de fazer com que pessoas que dificilmente seriam eleitas pelo voto popular possam ser eleitas ungidas pelos burocratas dos partidos, com o objetivo de continuar com o foro privilegiado, coisa que não teriam se tivessem que se submeter ao voto popular.

Também acho que é muito importante a questão da distribuição do tempo de televisão. Aqueles parlamentares que estão comprovadamente envolvidos em caixa dois, em dinheiro de corrupção, não poderiam contar como base de cálculo. Do lado [da criação] de uma cláusula de barreira para coibir os pequenos partidos, é claro que são necessários ajustes para evitar proliferação, mas você não pode ter a ideia de que apenas os pequenos cometeram delitos. Claro que não são todos, porque existem os partidos programáticos, que não são siglas de aluguel. E aqueles que se prestam a ser siglas de aluguel não existem sem que exista alguém que esteja alugando. Não pode haver penalidade aos partidos pequenos, propensos a esse tipo de negociata, e não para os grandes partidos, que fazem a compra do tempo de televisão e dos apoios políticos, como está sendo comprovado na Lava Jato.

Temos que ter uma reforma para atualizar a política, mas essa que estão propondo vai na contramão do que a sociedade está dizendo. A sociedade não quer ser espectadora, ela está cada vez mais mobilizada e quer, cada vez mais, ter um protagonismo político. E o que estão fazendo é [dar] mais dinheiro aos partidos, mais poderes aos caciques e até retirar dessa sociedade tão mobilizada o direito de escolher seu representante.

IM – A senhora tem sido muito crítica à anti-política. Quais são os desafios da Rede nesse cenário de ascensão dos chamados outsideres e como evitar que a negação da política tradicional seja vista como anti-política?

MS – A sociedade tem que ficar atenta para não combater a política tradicional usando a pior tradição política, que é a negação da política, porque esta sequer tem transparência e sequer lida com critérios de verdade. Nós tivemos uma experiência traumática no Rio de Janeiro. Quem não se lembra do ex-governador Sérgio Cabral, quando foi apresentado como alguém que não vinha do mundo da política, como gestor, como alguém totalmente fora do espectro político, e deu no que deu. Vimos o que aconteceu bem anteriormente com o presidente Collor e tivemos uma experiência igualmente difícil, com consequências terríveis que nos acompanham agora, com a presidente Dilma, que também era vista como uma gestora que não vinha do espaço política. Será que isso não nos ensina?

Não há nenhum problema em surgirem novas lideranças políticas. É preciso que haja renovação em todos os partidos. Quando ela não acontece, a gente vai para essa oligarquia partidária, que não nos permite mais nenhum sopro de vida na política. É legítimo que haja renovação. Não pode haver a ambiguidade de ter político negando a própria política. A política está em crise? Está em crise. É grave a crise da política? É, mas nesse momento vamos precisar descobrir qual é política que se faz para sair da crise da política, porque ela agora cria mais problemas do que resolve. É preciso reconectar a política com a capacidade transformadora de conseguir trabalhar projetos coletivos, de interesse público, à serviço da sociedade. A negação da política é a política mais tradicional que existe.

IM – A Rede foi inicialmente vista por muitos como uma proposta interessante por abrigar figuras de espectros políticos distintos. Ao mesmo tempo, há quem entenda que falta identidade à sigla, algo que unifique seus membros. Qual é o papel que o partido procura exercer na atual conjuntura brasileira?

MS – A Rede é um partido que acaba de ser criado e precisará de um tempo de metabolização de suas propostas. O que temos como critério é o compromisso com a justiça social, com a defesa do meio ambiente e com a ética na política — uma obrigação de todos. Mas a Rede acabou de se formar, ninguém há de esperar que um partido que acaba de nascer já tenha resolvido todos os problemas em relação ao debate que deve e precisará continuar fazendo.

Agora, a Rede, sem sombra de dúvidas, é um partido que busca renovação política. Nós trabalhamos com a ideia de contextos progressivos; as pessoas têm direito de manifestar sua opinião, mas isso não significa que o partido não tenha posicionamento de tendência majoritária. Quando nós aprovamos a questão do impeachment da presidente Dilma, foi mais de 60% da direção partidária que concordou — e, claro, o senador Randolfe Rodrigues e o deputado Alessandro Molon, quando entraram no partido, disseram que teriam posição contrária –, do mesmo jeito que apoiamos o impeachment do presidente Michel Temer pelos mesmos crimes de responsabilidade que foram praticados por Dilma.

O partido está em um processo de debate, nós, inclusive, estamos na fase de implementação do conselho político. Queremos um conselho independente e cidadão, que possa fazer críticas à Rede e às suas lideranças. Esse conselho será formado por pessoas independentes, da intelectualidade, até mesmo de outros partidos, pessoas que venham de movimentos sociais, da juventude, dos diferentes setores de movimento cultural, para que a gente possa ter essa conectividade com o que pensa a sociedade. A Rede estabeleceu que terá uma cota de pelo menos 25% das candidaturas como cívicas, porque no Brasil os partidos têm o monopólio da política institucional. Portanto, é necessário que se crie um espaço para que a sociedade que não quer participar da vida partidária em termos orgânicos possa também participar da política institucional.

O certo é como venho defendendo desde 1996, que tivéssemos aqui as candidaturas independentes, como temos em vários países do mundo, mas ainda não temos. Então, a Rede inova com uma cota de candidatos cívicos, que são pessoas que concordam com os princípios, mas que querem ter uma atuação independente para que se possa recrutar novos quadros da sociedade, dos diferentes setores, para ver se a gente melhora a qualidade da política.

IM – Quais são as grandes lições que o impeachment de Dilma Rousseff nos dá para a atual conjuntura?

MS – A grande missão para mim é que o impeachment não é golpe, tinha legalidade, mas não iria alcançar a finalidade, porque Dilma e Temer eram faces da mesma moeda. Estavam juntos na política desastrosa que levou o país para a crise, em termos de política econômica, estavam juntos nos graves casos de corrupção na Petrobras e nos demais cargos que agora estão sendo investigados pela Lava Jato, e estavam juntos quando ganharam uma eleição de forma violenta, sem programa, destruindo adversários. Eu repito: tinha legalidade, mas não ia alcançar finalidade. A grande missão é que não devemos apostar nos atalhos. Os caminhos às vezes até podem ser mais longos, mas, com certeza, nos levam com mais segurança para os destinos que gostaríamos de chegar.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.