‘Não quis ser responsável por ação equivocada’, diz médico que deixou governo por apoiar quarentena

Especialista critica falta de base técnico em discurso de Bolsonaro e politização do debate sobre medidas contra coronavírus

Estadão Conteúdo

Wanderson Oliveira, João Gabardo e Júlio Croda, durante coletiva em fevereiro (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

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O médico Julio Croda acompanhou de dentro do Ministério da Saúde a escalada da disputa com o presidente Jair Bolsonaro até que, no fim de março, decidiu deixar o governo.

“Não quis ser responsável por essa recomendação equivocada contra o isolamento social e por um número importante de óbitos”, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis. Infectologista, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Croda avalia que a troca de ministro será o desfecho de um enredo de derrota no combate ao coronavírus.

“Se a gente já tinha dificuldade com ministério mais técnico, perdemos essa capacidade (com a troca).” Para o médico, o País apresentava bons índices de isolamento, mas a média caiu para abaixo de 50%. Croda aponta como fatores para a queda desses índices o crescimento de discurso anti-isolamento, capitaneado pelo presidente Jair Bolsonaro, somado à falsa sensação de que “o pior já passou”.

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Qual seria o resultado de uma mudança tão radical de discurso e ação do Ministério da Saúde, com troca de comando?

Acho que essa mudança (de discurso) já ocorreu. O discurso não unificado criou a diminuição do isolamento. O que a gente vai ter, se o ministro ficar ou não, é a consequência de uma orientação do presidente. Muito difícil acreditar que só o ministro teria capacidade de reforçar a mensagem de isolamento e isso ser efetivo.

O que a gente está vendo, com troca ou não de ministro, que pode se concretizar nas próximas horas, dias, é que isso é um enredo final da nossa derrota em relação à resposta à covid-19. Se a gente já tinha dificuldade com um ministério mais técnico, a gente perde essa capacidade (com a troca), tudo o que foi construído vai ser perder rapidamente, e nossa resposta vai ser pior do que estava sendo construído. Não existe um ponto de virada, já está acontecendo ao longo do tempo. Nas últimas duas semana houve redução do isolamento. O futuro vai nos mostrar quem tinha razão nessa questão. Sabendo que conhecimento técnico é muito mais a favor do isolamento.

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Por que o senhor decidiu sair do ministério?

Justamente por essa questão do isolamento social. O que realmente funciona é isolamento social, testagem em massa e leito de UTI. Importante existir um discurso unificado e não politizar o debate. Essa medida é a mais efetiva para ter capacidade de resposta à epidemia.

Eu não quis ser responsável por essa recomendação que é equivocada contra o isolamento social. E responsável por um número de óbitos importantes. A gente sabe que, se não tiver isolamento, vai aumentar o número de casos. Vai superar nossa capacidade. Principalmente de atendimento na população mais pobre. Não tem nada a ver com o ministro, ele apoia essa medidas de isolamento. Isso é claro e evidente. Mas existe um ruído entre o que o ministério fala e o que o presidente fala.

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O ministério chegou a fazer alguma concessão ao discurso do presidente?

Independentemente das concessões. O discurso diferenciado cria atitudes individuais diferenciadas. Não precisa ter concessão. Só por ter discursos diferentes frente a uma questão técnica cria politização, apoio político para um lado ou outro, o que prejudica a resposta brasileira. Não adianta falar que houve concessão. Muitas pessoas começaram acreditar que isolamento não é efetivo. E essas pessoas estão indo à rua, aumentando a taxa de contagem.

Qual o cenário da doença no Brasil? E para onde caminhamos com medidas já tomadas?

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A gente está em um processo importante de isolamento. Existe apoio da população, a gente vê pelas pesquisas. A gente chegou a índices aceitáveis em muitas cidades. Entendo que houve redução nas últimas semanas, principalmente por notícias que não são baseadas em evidências científicas, questionando o isolamento. Cria mais desinformação do que ajuda.

Em São Paulo e no Rio, ter índice de isolamento acima de 50% da população é muito importante para reduzir circulação da doença. A gente observa queda do índice. Hoje atingimos um dos mais baixos no País, 47%, com apenas Pernambuco acima de 50%. Esse indicador é muito preocupante.

Houve um impacto importante do isolamento. Por isso muitos noticiaram que a gente já havia alcançado o pico. Mas foi pelo impacto do isolamento. As regiões de menor isolamento são justamente onde há apoio maior ao discurso do presidente Jair Bolsonaro. Isso é claro no mapa do País. Isso preocupa: como a gente vai lidar no futuro, se a gente vai ter leito ou não.

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A gente está só no início do processo. Tem questões também importantes que a gente terá de responder em um futuro próximo: quando sair do isolamento? Com a dificuldade de testagem existente no Brasil, muito aquém da necessidade, a gente pode ver que tem um número importante de pacientes graves em São Paulo e até óbitos que não foram testados. Quando a gente não tem teste, a gente precisa usar outros parâmetros. Provavelmente vai ser em meses.

A cloroquina e a hidroxicloroquina são os medicamentos mais promissores contra a covid-19?

Não dá para afirmar. A gente não consegue afirmar muita coisa. Não tem nenhum estudo, ensaio clínico de padrão ouro, randomizado, então a gente não tem nenhuma medicação atualmente que tenha evidência sólida para recomendação em larga escala a toda população.

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