Haddad apresenta medidas com impacto de até R$ 242,7 bilhões para reverter déficit em 2023

Anúncio é mais um esforço do governo Lula em manter ares de normalidade aos trabalhos após os atos golpistas do último domingo

Marcos Mortari

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou, na tarde desta quinta-feira (12), as primeiras medidas da pasta para reduzir o rombo nas contas públicas. As ações têm o potencial de entregar uma melhora de R$ 242,7 bilhões nas contas públicas, segundo cálculos da pasta.

O anúncio foi feito no auditório do Ministério da Fazenda. Também participaram da coletiva de imprensa as ministras Simone Tebet (MDB), do Planejamento e Orçamento; e Esther Dweck, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

O conjunto de iniciativas é dividido em quatro grandes grupos: 1) reestimativa de receitas (R$ 36,4 bilhões); 2) ações de receitas permanentes (R$ 83,28 bilhões); 3) ações de receitas extraordinárias (R$ 73 bilhões); e 4) redução de despesas (R$ 50 bilhões).

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O ministro, porém, evitou classificá-las como um “plano” ou um “pacote”, afirmando que são apenas “as primeiras medidas na área econômica” para endereçar a questão fiscal.

O impacto das ações equivale a cerca de 2,26% do Produto Interno Bruto (PIB). Caso confirmado, teria potencial para reverter o déficit de R$ 231,55 bilhões projetado na peça orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional – montante chamado de “absurdo” por Haddad em seu discurso de posse na pasta – para um superávit de R$ 11,13 bilhões.

A maior parte do ajuste proposto se dá pelo lado das receitas. Pelos cálculos apresentados pelo Ministério da Fazenda, os ganhos de arrecadação correspondem a R$ 192,7 bilhões. Já as iniciativas de redução de despesas representam R$ 50 bilhões do pacote. Segundo Haddad, se houver alguma “frustração” em relação às estimativas, sua equipe irá refazer os cálculos e “tomar outras medidas”.

O ministro indicou que parte das medidas pode não surtir o efeito esperado e colocou como meta a redução do déficit para “algo entre 0,5% e 1% do PIB em 2023”. “Essas medidas, aprovadas pelo Congresso, se tiverem uma resposta que nós consideramos possível da autoridade monetária, acho que podemos pensar em fechar 2023 com um déficit inferior a 1%. Estamos fixando uma meta para fechar entre 0,5% e 1% o déficit primário em 2023”, afirmou durante a apresentação aos jornalistas.

“Dizer que o déficit vai ser menor que 1% do PIB nós estamos seguros em afirmar. Se vamos atingir o resultado máximo [superávit de R$ 11,13 bilhões], acho que vai depender da evolução do acompanhamento dessas medidas”, explicou.

Logo no início de sua exposição, Haddad voltou a criticar medidas tomadas no apagar das luzes pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que resultaram em frustração de receitas. O ministro destacou o fato de o Orçamento aprovado para 2023 contar com 1,5% do PIB a menos em receitas em relação àquilo que se verificou no ano anterior, o que equivale a cerca de R$ 150 bilhões.

“Foram tomadas medidas pelo governo anterior, inclusive no dia 30 de dezembro, sem nenhum compromisso com o governo eleito, envolvendo marinha mercante, IOF de instituições não-financeiras, desoneração de PIS/Cofins de querosene de aviação. Uma série de medidas foram sendo tomadas que foram corroendo a base fiscal do Orçamento de 2023”, apontou.

Haddad disse que sua gestão à frente do Ministério da Fazenda terá uma agenda conjuntural de 90 dias, concentrada em medidas monitoradas cotidianamente com o objetivo de aproximar o nível de receitas e de despesas deste ano com as realizadas em 2022.

Durante a apresentação, o ministro informou que o Tesouro Nacional realizou uma reestimativa de receitas que culminou em uma previsão de arrecadação maior em R$ 36,4 bilhões em relação ao que era indicado anteriormente pelo Ministério da Economia. Sem entrar em detalhes, ele disse que a mudança se deve a uma “melhora na qualidade do cálculo”.

Outro movimento apresentado por Haddad vem a partir de medida contábil introduzida pela PEC da Transição, promulgada ainda em dezembro pelo Congresso Nacional. Trata-se da incorporação dos ativos do PIS/Pasep como receita primária – o que é estimado pela pasta em R$ 23 bilhões em 2023.

Ainda do lado das receitas, o ministro anunciou medida provisória relacionada à retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Segundo ele, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto no ano passado ainda implicou em “duplicidade”, que faz com que os créditos calculados para quem recebe a nota fiscal sejam feitos em relação ao total, não ao valor efetivamente recolhido. Neste caso, a economia estimada seria de R$ 30 bilhões, considerando noventena para aplicação.

Também consta na lista a revogação de medida assinada pelo senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS) quando presidente em exercício (na ausência de Jair Bolsonaro, que já havia viajado aos Estados Unidos), em 30 de dezembro, renunciando a R$ 4,4 bilhões de PIS/Cofins sobre receita financeira de instituições não-financeiras.

Haddad também conta com a reoneração parcial sobre combustíveis a partir de março – iniciativa que garantiria cerca de R$ 29 bilhões aos cofres públicos em 2023. O ministro frisou, contudo, que a decisão só será tomada “no momento adequado”, após Jean Paul Prates (PT-RN) assumir o comando da Petrobras.

O cálculo considera o que hoje está previsto em medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): a desoneração da gasolina até o fim de fevereiro e a desoneração sobre óleo diesel e gás se estendendo pelo resto do ano.

“Isso não impede o presidente da República de reavaliar esses prazos. A depender da avaliação política que ele fizer – o que impõe continuar num rumo de pacificar esse país. E em relação, também, às conversas que vamos manter com a autoridade monetária, sobretudo à luz da última carta recebida ontem justificando o não cumprimento da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo”, pontuou.

Uma segunda medida provisória a ser encaminhada pelo novo governo ao Congresso Nacional concentra ações sobre o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), tribunal administrativo que julga conflitos tributários.

O Ministério da Fazenda pretende lançar o programa “Litígio Zero”, que prevê renegociação de dívidas de pessoas físicas e empresas. A iniciativa concederá de 40% a 50% de desconto sobre o valor total do débito para pessoas físicas e micro e pequenas empresas.

O benefício, limitado até 60 salários mínimos, vale para tributos, juros e multas. A dívida poderá ser quitada em 12 vezes, independentemente da classificação ou capacidade de pagamento. Segundo a pasta, há mais de 30 mil processos desta natureza no Carf, somando R$ 720 milhões, e mais de 170 mil nas delegacias da Receita Federal, que somam quase R$ 3 bilhões.

No caso de empresas com valores pendentes superiores a 60 salários mínimos, o desconto será de até 100% sobre o valor de juros e multas, considerados créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação. A medida abre possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa para quitar entre 52% a 70% do débito.

O texto também prevê Benefício para os contribuintes e saneamento estrutural para os anos seguintes, com IR e CSLL recolhidos integralmente. O grupo também terá até 12 meses para pagar.

Outra iniciativa para reduzir o volume de litígios – e a consequente redução do tempo para a solução dos casos – é o fim do recurso de ofício para valores abaixo de R$ 15 milhões. O contribuinte vence na primeira instância e acaba definitivamente o litígio. O que culminará na extinção automática de quase 1 mil processos hoje no Carf, que correspondem a quase R$ 6 bilhões.

O Ministério da Fazenda também propõe que processos abaixo de mil salários mínimos sejam julgados definitivamente nas delegacias – hoje o corte é de 60 salários mínimos. A iniciativa tem potencial de reduzir em mais de 70% o volume de processos que entram no Carf, mas que representam menos de 2% do valor total. Com isso, o órgão poderá se concentrar no volume menor de casos com maior impacto.

Haddad tem chamado a atenção para a disparada do estoque de processos acumulados, de R$ 600 bilhões, entre dezembro de 2015 e dezembro de 2019, para mais de R$ 1 trilhão em outubro de 2022.

Neste caso, um dos caminhos anunciados é a busca por restabelecer o chamado “voto de qualidade”, dispositivo que assegurava à Receita Federal a manutenção da cobrança tributária em caso de empate no julgamento. A medida foi extinta em 2020, durante o governo Bolsonaro, beneficiando contribuintes e imponto perdas de arrecadação significativas à União.

Haddad destacou que poucos países no mundo preveem paridade nos colegiados de julgamento de processo administrativo fiscal e disse que o Brasil é único em estabelecer decisão pró-contribuinte em casos de empate, sem possibilidade de recurso à Fazenda Nacional no Poder Judiciário. Segundo o ministro, as mudanças acarretaram R$ 60 bilhões de prejuízos para a União por ano.

Com as mudanças propostas, a pasta estima um ganho fiscal de R$ 50 bilhões em 2023, sendo R$ 15 bilhões de forma permanente, por uma “mudança de cultura” no próprio Carf. Ele salientou que hoje pouco mais de 120 processos respondem R$ 600 bilhões de crédito.

Outra iniciativa presente na mesma MPV consiste na chamada “denúncia espontânea”, que visa dar segurança jurídica ao contribuinte que autodeclarar uma mudança de regime jurídico de sua empresa, sem as penalidades previstas na lei vigente.

“Ela abre a possibilidade para que as pessoas regularizem sua situação fiscal junto à receita federal”, explicou o ministro. O impacto fiscal estimado é de R$ 20 bilhões em 2023. A expectativa da pasta é que a medida gere efeito permanente na ordem de R$ 5 bilhões para as contas nos anos seguintes.

Ao todo, o Ministério da Fazenda estima que as melhorias permanentes previstas do lado da receita poderão gerar um impacto fiscal de 1,61% do Produto Interno Bruto.

Do lado das despesas, a pasta trabalha com um impacto fiscal de R$ 50 bilhões, sendo metade a partir da revisão de contratos e programas com efeito permanente, e a outra parte por uma autorização de execução inferior ao autorizado na Lei Orçamentária Anual de 2023.

Nesse aspecto, Haddad destacou a criação de um grupo de acompanhamento de riscos fiscais de natureza judicial, especialmente precatórios, do qual farão parte a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento e Orçamento.

“Nós vamos atuar tecnicamente nos tribunais com muita força, para mostrar a robustez das decisões que tomamos e para evitar que novos calotes de precatórios aconteçam”, assegurou.

Veja um resumo de todas as medidas anunciadas e os respectivos impactos fiscais:

Também presente no anúncio, a senadora Simone Tebet destacou que o programa de recuperação fiscal representa um ponto de convergência entre o trio que comanda a equipe econômica – também integrada por Esther Dweck -, marcada por significativas divergências ideológicas.

“Não há crescimento duradouro sustentado com déficit de R$ 230 bilhões. Isso significa que não conseguimos abrir espaço para emprego e geração de renda tendo 2% do PIB comprometido. Isso impacta nos juros e, consequentemente, na inviabilidade de o Brasil voltar a crescer”, disse.

A ministra destacou a assinatura de uma portaria interministerial envolvendo as três pastas, com a possível renegociação de contratos e uma reavaliação de políticas públicas no governo federal.

Há também decretos que tratam da avaliação de todos os restos a pagar não processados que foram empurrados para o exercício de 2023, com um bloqueio generalizado em um primeiro momento – exceto nos casos relacionados ao Ministério da Saúde.

Virando a página

O anúncio das medidas econômicas é mais um esforço do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em manter ares de normalidade aos trabalhos após os atos golpistas do último domingo (8), que culminaram na invasão e no ataque à sede dos Três Poderes por apoiadores de Jair Bolsonaro em Brasília.

O movimento também busca sinalizar esforços pela melhoria da situação das contas públicas, de modo a fazer frente à ampliação de gastos autorizada pela PEC da Transição, promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro como Emenda Constitucional nº 126.

A medida ampliou o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023, abrindo espaço para o pagamento do Bolsa Família em R$ 600,00 e outras promessas de campanha de Lula, além de um excedente de até R$ 22,9 bilhões em investimentos públicos, em razão de “excesso de arrecadação” no exercício anterior.

Propostas consideradas estruturais, como a definição de um novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, no entanto, serão encaminhadas pelo novo governo em um segundo momento. Haddad tem dito que as duas pautas serão prioritárias em seu início de mandato à frente da pasta.

O pacote de medidas também é anunciado às vésperas da viagem de Haddad ao Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), que começa na próxima semana. A ideia é sinalizar aos agentes econômicos compromisso da atual gestão com a consolidação fiscal.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.