Marcos Cintra, vice de Soraya Thronicke, defende ajuste no teto de gastos e promete substituir 11 tributos federais por imposto sobre transações

Em entrevista, economista defende investimentos públicos e diz que novo sistema ampliaria a base e reduziria o volume de impostos pagos pelo cidadão

Marcos Mortari

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O Brasil tem uma estrutura tributária arcaica, baseada em um modelo econômico da metade do século passado, mas insiste em discutir ajustes que não colocam o país em conformidade com a nova era digital. Esta é a avaliação do economista Marcos Cintra, vice na chapa de Soraya Thronicke (União Brasil) à Presidência da República e um dos responsáveis pelo programa econômico da candidata.

“Estamos vivendo em um mundo novo, mas nosso sistema tributário ainda é o que foi criado em meados do século passado. Nós não soubemos adaptá-lo a esse mundo em que a materialidade deixa de existir com o mesmo papel que tinha no passado”, afirma o economista.

A campanha da senadora defende a implementação de um novo sistema tributário, baseado na criação do Imposto Único Federal (IUF), que substituiria 11 tributos, a uma alíquota de 1,26%.  O tributo seria cobrado sobre qualquer movimentação financeira, como ocorria com a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) − nome que traz lembranças negativas ao imaginário de boa parte da população e que é evitado pelos próprios proponentes.

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Eles alegam que, ao contrário do que ocorreu entre 1997 e 2007, o imposto sobre transações não viria para se somar aos demais tributos federais, aumentando a carga sobre o cidadão. Embora o formato de cobrança seja o mesmo, a ideia agora seria simplificar o sistema e possibilitar um aumento da base contributiva, o que em tese proporcionaria uma redução de carga para a população.

“A ideia do imposto único é adaptar nosso sistema tributário a esse mundo, em que as coisas não andam mais por navio ou trem, em que a produção é feita através de ondas, bens imateriais. (…) A base tributária abarca toda a sociedade, pegando o sonegador, a economia informal e até o crime organizado − setores que eu estimo representarem 30% do nosso PIB e que não são alcançados pelo sistema convencional. Como a base é muito mais ampla, a alíquota é muito baixa”, explica Cintra.

Críticos, porém, destacam que o imposto seria cobrado em cascata, o que poderia trazer distorções à economia, e incentivaria um maior uso de papel-moeda, desacelerando o processo de digitalização da economia. Uma mudança significativa no comportamento dos contribuintes também obrigaria o governo a elevar a alíquota planejada para evitar perdas de arrecadação.

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“Uma cumulatividade com valor agregado alto em cada estágio de produção e com alíquota baixa introduz menos distorções econômicas do que um imposto sobre valor agregado com uma alíquota cavalar, que seria o caso da PEC 110, de pelo menos 20% ou 25%”, rebate.

[O IUF] É um tributo muito sólido, porque a alíquota é baixa e não estimula a sonegação, muito menos o uso da moeda manual, que é muito caro e está desaparecendo da economia”, complementa.

O professor Marcos Cintra, que também atuou como secretário da Receita Federal no governo Jair Bolsonaro, participou da série de sabatinas com os assessores econômicos dos candidatos ao Palácio do Planalto, que o InfoMoney publica desde segunda-feira (26).

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Os convites foram feitos às campanhas dos seis candidatos que tiveram ao menos 1% das intenções de voto em levantamento realizado pelo Ipec entre os dias 9 e 11 de setembro. O levantamento está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-01390/2022.

São eles: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Avila (Novo). A campanha de Bolsonaro foi a única que não designou representante para falar sobre as propostas do candidato.

Durante a entrevista, Cintra também defendeu a manutenção do teto de gastos, mas com possíveis ajustes. O economista falou, ainda, sobre privatizações, parcerias público privadas, programas sociais, meio ambiente e explicou o “liberalismo customizado” à realidade brasileira defendido por Soraya Thronicke.

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Veja abaixo os principais trechos da sabatina e assista, na íntegra, pelo player acima, ou clicando aqui.


InfoMoney – Em uma entrevista recente, a candidata Soraya Thronicke se definiu como “uma liberal customizada à brasileira”. O senhor poderia explicar o que isso significa, sobretudo considerando as propostas da campanha para a economia?

Marcos Cintra – O liberalismo econômico é uma visão de mundo que coloca o indivíduo à frente da coletividade e do Estado. Ele acha que o indivíduo, tendo absoluta liberdade, é mais produtivo e inovador, a sociedade se organiza melhor do que sob um comando centralizado. Mas o liberal não é um libertário, que acha que não há necessidade de governo, que tem quase uma visão anárquica da organização social, mas ele dá muito valor à liberdade do indivíduo, o que se expressa através da igualdade de oportunidades.

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A customização desse liberalismo seria adaptá-lo às circunstâncias brasileiras. Somos um país completamente diferente de um país europeu, temos uma profunda desigualdade de renda, problemas sociais crônicos, herdamos uma organização socioeconômica arcaica − o que demora gerações para ser superado. Isso faz com que algumas necessidades em um país como o Brasil sejam diferentes daquelas que encontramos no liberalismo norte-americano. Aqui a preocupação social é mais intensa.

Nosso partido, o União Brasil, é a fusão do Democratas com o Partido Social Liberal (PSL), uma adaptação do liberalismo europeu e norte-americano às circunstâncias de um país em desenvolvimento.

IM – O teto de gastos foi criado em um contexto de crescimento expressivo dos gastos públicos. Críticos alegam que boa parte da limitação das despesas se deu às custas de investimentos, mas a regra ajudou a explicitar os conflitos orçamentários. Com os gastos já contratados para 2023, muitos economistas dizem que a conta não fechará, mesmo com as mudanças recentes no teto, e será necessário discutir um novo arcabouço fiscal para o país. O senhor concorda com a avaliação de que o teto de gastos perdeu credibilidade? E o que poderia ser feito de regra fiscal que fosse crível e respeitado ao longo dos anos?

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MC – Sou totalmente favorável a alguma limitação nos gastos do setor público. O teto de gastos foi instituído em 2016 e cumpriu seu papel. Graças a ele não tivemos um descontrole fiscal muito maior, principalmente no momento da pandemia. Foi um freio importante, funcionou e entregou aquilo que se propôs: impor uma filosofia de que disciplina fiscal é importante. Sob esse aspecto, há necessidade de se manter o teto de gastos.

A grande pergunta que se faz é: por que ele não funcionou? Em primeiro lugar, porque a compressão das despesas obrigatórias, muito ligadas a gastos de custeio, não ocorreu na mesma dimensão que os investimentos. Em vez de fazer uma escolha do que cortar para manter os gastos essenciais disponíveis, nossa sociedade não foi capaz e não resistiu à pressão para a manutenção dos gastos de custeio e funcionamento da máquina pública − onde sabemos que há grande ineficiência −, e contraiu todas as suas despesas de investimentos. Acho importante que o teto de gastos seja alterado. Ele deve se aplicar fundamentalmente aos gastos de custeio, e o limite, se for aberto (e provavelmente terá em um espaço muito pequeno), tem que ser feito a nível dos investimentos.

O teto de gastos precisa ser aperfeiçoado. Não que ele tenha falhas em sua concepção, mas não fomos capazes de priorizar o que é essencial. Jamais se imaginaria que chegaríamos a investimentos do setor público em 1% ou 2% do PIB − nunca chegamos a esse patamar tão irrisório, tão ridiculamente baixo. Precisamos recolocar as coisas nos seus devidos lugares. O teto de gastos é fundamental. Sem isso, não teremos uma economia sadia, com consistência intertemporal, capaz de atrair grandes investimentos, nem internos nem externos. Temos todas as condições de sermos o maior destino de investimentos do mundo − ainda mais no momento em que estamos vivendo.

Sou a favor do teto de gastos, com pequenos ajustes. [Precisamos] Forçar os governos a priorizarem. Governar é escolher, por mais difícil que seja. Precisamos combater o populismo, aquele líder que não é capaz de resistir à opinião pública. Muitas vezes, um estadista tem que contrariar a opinião pública, seus segmentos que provavelmente devem lhe dar uma boa parcela de votos. [Se eleitos,] Não iremos ceder a tentações populistas e romper o teto a cada momento.

IM – Há um problema relacionado às despesas obrigatórias, as mais difíceis de serem cortadas. A reforma da previdência ajudou a modificar a trajetória de déficits na seguridade social, mas não foi suficiente para evitar que as despesas obrigatórias crescessem acima da inflação. Como cortar?

MC – É a liderança política. Um estadista precisa ter uma visão construtiva do que é o relacionamento político, não pensando em reeleição, mas em uma boa gestão para deixar como legado à sociedade. Agora, uma liderança fraca, populista, que se pauta muito mais pelas manchetes de jornais do que pelo que efetivamente precisa ser feito dificilmente vai ter condições de liderar a sociedade em um caminho virtuoso.

IM – Como a campanha de Soraya Thronicke vê o papel dos setores público e privado na economia? E quais são os planos em termos de parcerias público privadas?

MC – As PPPs estão na essência de qualquer crescimento de investimentos que uma sociedade poderia almejar. Já temos uma carga tributária de 33% do PIB, não há como aumentá-la para financiar novos investimentos. Vamos precisar apertar os cintos, mas ao mesmo tempo buscar recursos no setor privado que estão disponíveis em grandes quantidades no mundo inteiro.

O Brasil é um país que tem condições para atrair fortes investimentos, desde que tenhamos um mínimo de segurança jurídica e regras compatíveis com a economia de mercado. Percebemos que o Brasil não está sendo capaz de oferecer isso, e, mesmo assim, somos um dos maiores receptadores de investimentos externos diretos no mundo inteiro. O resto do mundo hoje tem muita dificuldade de atrair pesados investimentos. O Brasil é uma economia ocidental, que não tem grandes conflitos regionais, raciais, religiosos, temos uma riqueza de recursos naturais exatamente em um momento em que eles se tornam muito necessários e são o ponto central da geopolítica − que é meio ambiente, terra, produção de alimentos e energia limpa. Não há como o Brasil não ser capaz de atrair investimentos privados em grandes volumes.

As privatizações também são um receptáculo de recursos acumulados em épocas passadas, mas que estão sendo muito mal utilizados. É verdade que esse governo mudou a percepção que se tinha das empresas estatais. Quando ouço que os Correios estão dando lucro, precisamos reconhecer que um trabalho bom foi feito. Empresas que eram totalmente deficitárias estão dando resultados positivos. Mas não há por que o governo continuar fomentando essa atividade, sendo que o setor privado poderá ser trazido para ampliar e investir mais.

Sou a favor de uma privatização corajosa. Banco do Brasil, Caixa, Petrobras devem ou não ser privatizados? São setores que acho que precisariam ser amplamente discutidos com a sociedade. Vejo uma empresa como a Petrobras como tecnicamente capacitada, muito bem montada, funcionando e com um papel geopolítico importantíssimo em um país como o Brasil, onde a questão dos combustíveis e da energia é fundamental.

Há externalidades que fazem com que uma empresa deva continuar acompanhada e de propriedade do Estado. O que não pode acontecer é essa situação em que não se sabe se ela é privada ou pública. Uma empresa mista obriga seus gestores a buscarem lucro, o que significa uma política de preços de paridade internacional. Por outro lado, o mundo inteiro está tentando rebaixar os preços dos combustíveis. É legítimo, não há nada de antiliberal ou de antimercado, em situações de emergência, haver uma intervenção do setor público para estabilizar problemas que surgem. Isso gera um problema insolúvel. Não sabemos se a Petrobras deve ser administrada como atividade pública ou privada. Esse é um problema que precisa ser resolvido: ela pode ser uma empresa privada, mas aí tem que ser inteiramente privada, e, se o Estado quiser interferir, que o faça via subsídios ou via fundos de estabilização. Ou então mantê-la totalmente pública. Agora, a forma como está só gera conflitos e contradições que estão sendo resolvidas de uma maneira muito transversal e inabilidosa.

IM – Um dos pontos mais comentados no programa da candidata Soraya Thronicke e uma bandeira sua de longa data é o imposto único federal. A proposta consiste em reunir 11 tributos federais em um único imposto com alíquota de 1,26%, que incidiria sobre transações. Por que o senhor acredita que este é o melhor modelo para o Brasil?

MC – Se formos analisar o sistema tributário no Brasil e no mundo, todos os setores estão entrando em uma era digital. Fala-se em indústria 4.0, o setor financeiro está totalmente digitalizado. Estamos vivendo em um mundo novo, mas nosso sistema tributário ainda é o que foi criado em meados do século passado. Nós não soubemos adaptá-lo a esse mundo em que a materialidade deixa de existir com o mesmo papel que tinha no passado.

O que é tido hoje quase que hegemonicamente como a oitava maravilha do mundo é a implementação de um IVA no Brasil, com a criação de um imposto único, não sobre a base da transação financeira, mas do IVA, de uma sociedade industrial. É uma base de cadeia de produção linear. Isso está desaparecendo do mundo moderno. Ainda estamos tentando construir um modelo tributário calcado em uma visão arcaica de mundo.

A ideia do imposto único [federal] é adaptar nosso sistema tributário a esse mundo, em que as coisas não andam mais por navio ou trem, em que a produção é feita através de ondas, bens imateriais. A melhor forma de se aplicar uma nova base tributária no mundo digital é a movimentação financeira. Todas as atividades econômicas tradicionais − riqueza, folha de salários, circulação de mercadorias e renda − são incluídas nesta base.

Não existe base tributária perfeita. Qual é o inconveniente neste caso? Ela é cumulativa. Mas a cumulatividade depende da extensão da cadeia, e o mundo moderno está cada vez mais colapsando a cadeia de produção para uma rede, em que a ideia de agregar valor em processos sequenciais deixa de existir. A base tributária abarca toda a sociedade, pegando o sonegador, a economia informal e até o crime organizado − setores que eu estimo representarem 30% do nosso PIB e que não são alcançados pelo sistema convencional.

Como a base é muito mais ampla, a alíquota é muito baixa. Consequentemente, o efeito da cumulatividade é muito baixo. A crítica normalmente é feita em termos teóricos, como se qualquer cumulatividade fosse ruim. Mas uma cumulatividade com valor agregado alto em cada estágio de produção e com alíquota baixa introduz menos distorções econômicas do que um imposto sobre valor agregado com uma alíquota cavalar, que seria o caso da PEC 110, de pelo menos 20% ou 25%.

O imposto único federal é moderno, desburocratizado, não declaratório e universal. Com isso, todos vão pagar. Fiz estimativas usando dados do IBGE para 126 setores brasileiros, e todos terão decréscimos de preços, mesmo com a cumulatividade.

O que precisamos é superar preconceitos. Isso estava sendo discutido [pelo governo], o ministro Paulo Guedes está convencido de que esta forma tributária tem que ser usada. Enquanto estávamos lá, a ideia seria para desoneração da folha de salários, não para o imposto único, mas o presidente [Jair Bolsonaro] se impressiona muito mais com uma manchete de jornal dizendo que é a volta da CPMF do que uma conversa com seu secretário da Receita Federal para entender o que é a proposta.

IM – Na época em que o senhor comandava a Receita Federal, discutia-se adotar esse tributo a uma alíquota em torno de 0,8%, para substituir apenas o imposto sobre a folha de salários. Como se chegou ao cálculo da alíquota de 1,26% para o agora imposto único federal? Na discussão do IVA, que é uma mudança mais branda no sistema tributário, há uma série de regras de transição para a calibragem da alíquota. Como o senhor considerou possíveis mudanças de comportamento do cidadão (como o uso maior de dinheiro vivo para driblar o tributo), a partir de um novo sistema?

MC – A ideia do imposto único [federal] tem como base a tributação sobre movimentação financeira. E há muita crítica em relação a esse tributo: que pode levar à monetização da economia, fuga do sistema bancário, verticalização do processo de produção. Há quem diga até que podemos voltar a ter escambo, em que as pessoas começariam a trocar mercadoria em vez de fazer pagamento, por causa de uma alíquota de 1,26%. Esquece-se que hoje o ato de sonegação não dá um ganho de 1,26%. Só no IPI, pode dar 20% ou 30%, no ICMS dá mais 17%, na PIS/Cofins dá mais 9,25%.

É um tributo muito sólido, porque a alíquota é baixa e não estimula a sonegação, muito menos o uso da moeda manual, que é muito caro e está desaparecendo da economia. Não vejo carros fortes transportando dinheiro para pagar suprimentos vindos da China, para se evitar 1,26% de uma tributação interna. O imposto funcionou durante 12 anos no Brasil e não levou nenhuma dessas gravíssimas consequências que os teóricos dizem que poderiam acontecer.

Esse tributo precisa ser resgatado. A ideia era fazer uma alíquota mais baixa, simplesmente para desonerar a folha de trabalho da economia inteira (os 20% patronais e a contribuição do empregado, que vai de 7,5% a 14% no INSS), por uma alíquota de 0,8%. A ideia do IUF é diferente: vamos além da mera substituição do INSS ou das contribuições previdenciárias. De toda a gama de tributos hoje existentes no governo federal, vai permanecer apenas o Imposto de Renda pessoa física e jurídica, através do qual podemos garantir maior progressividade.

Ao fazer o cálculo da alíquota necessária para garantir a mesma arrecadação, chegamos ao valor de 1,26% no débito e 1,26% no crédito. A tributação sobre o pagamento incide nas duas pontas de uma transação. O cálculo foi feito para garantir neutralidade do ponto de vista de arrecadação.

Nós desoneramos por completo a folha, o que eliminaria um dos impostos mais criminosos existentes no Brasil, que é a tributação do trabalho, seja a nível do empregador, seja a nível do empregado. Em um país com 50 milhões de subempregados, desempregados, desalentados, informais, é um crime que continuemos tributando tão pesadamente a geração de um posto de trabalho. Acreditamos que isso vai aumentar muito a empregabilidade no país.

A forma como propomos o IUF também elimina a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de 9%, acima do IRPJ, de 25%, levando a alíquota efetiva de 34% para 25%, o que permitiria, quem sabe, a tributação de dividendos como uma medida de aumento da progressividade. De imediato, a alíquota de 1,26% substituirá todos os tributos arrecadatórios existentes − tributos extrafiscais continuarão existindo, como importação, exportação, FGTS.

IM – A campanha exalta que não trata do vespeiro do pacto federativo, embora a guerra fiscal seja um dos pontos mais críticos do atual sistema. Já se discutiu um imposto único que abarcasse os tributos estaduais e municipais, mas a campanha optou por concentrar nos federais. O senhor também já elogiou o IVA da PEC 110 no que diz respeito aos estados. Por que não se avança no assunto da guerra fiscal, já que é tão relevante para a competitividade, e mesmo com um consenso inédito entre os governadores sobre o tema?

MC – Isso está no coração de todos os problemas que estamos tendo ao longo dos últimos 30 anos para fazer reforma tributária. A unificação de todos os tributos nos três níveis agride o pacto federativo. Sobre isso não há o que discutir. Não digo que seja inconstitucional, mas a percepção de que isso agride as competências tributárias de governadores e prefeitos é um fenômeno que vem inviabilizando a reforma tributária. Eu mesmo falei de imposto único nacional, englobando os três níveis de governo. Fiz uma autocrítica. Acho que precisamos dar um primeiro passo, por isso que propomos apenas o imposto único federal.

A questão do pacto federativo é muito séria e o que estamos propondo é que se faça apenas o IUF. E as PECs 45 e 110, que já foram amadurecidas, por que não aplicá-las apenas a nível dos 27 estados, uniformizando e racionalizando um dos piores tributos que temos, que é o ICMS? Alguns governadores, senão todos, já concordaram com a PEC 110 a nível global, mas agora surgiram os prefeitos que estão se opondo. Novamente, é o pacto federativo. Em um determinado momento, eram os governadores que se opunham, agora são os prefeitos, quem sabe mais à frente os dois se oponham… É uma guerra insana.

Em um problema complexo, vamos resolver por partes. O IUF vai trazer muita racionalidade e simplificação para os tributos da União. Sem dúvida alguma, o ICMS, utilizando-se da PEC 110, aplicada aos 27 estados, já será um ganho fantástico para o país. E deixemos o ISS, que vem sendo administrado com muita competência pelos prefeitos de todos os grandes municípios. Portanto, acho que precisamos avançar na medida do possível. Caso contrário, vamos continuar discutindo por 10, 20 ou 30 anos o ideal e não conseguindo nada.

IM – Como o programa de governo de Soraya Thronicke pretende acomodar gastos com programas sociais? Estamos vendo um aumento para R$ 600,00 nas parcelas do Auxílio Brasil pelo governo, patamar que a campanha promete manter em 2023.

MC – O momento é grave, a questão social é muito profunda no Brasil e todos nós concordamos que precisamos continuar com esses programas de atendimento às camadas populacionais menos favorecidas. O grande problema é como vamos financiar. Aumentar a carga tributária não tem sentido. Aumentar o endividamento é indesejável sob todos os aspectos. Só tem uma maneira: temos que priorizar, cortar em outros setores. Temos que fazer a reforma administrativa, privatizar, atrair capitais privados para liberar recursos de investimentos que poderão ser canalizados para essas missões. Governar é selecionar prioridades.

O governo precisa ter a responsabilidade de encontrar os recursos para os programas considerados mais importantes, e não simplesmente jogar a conta em cima do contribuinte, aumentando dívida, fazendo as gerações futuras pagarem por isso, ou então simplesmente deixando a inflação correr solta, jogando os custos para a própria sociedade.

IM – Qual o papel do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, da preservação dos nossos biomas, no programa de governo de Soraya Thronicke? O que há de medidas concretas para reduzir o desmatamento, viabilizar a transição energética no país e aproveitar as potencialidades do verde no Brasil?

MC – O Brasil tem condições de fazer com que a questão ambiental seja um grande ativo, e não um grande passivo, que é como o mundo nos vê hoje. Isso é uma total incapacidade de gestão e de analisar os fatos objetivamente, e oferecer uma liderança adequada ao país. Esse é o maior ativo, que pode ser o grande canal de atração de investimentos enormes para o Brasil e ser o sustentáculo de um processo de crescimento virtuoso no país.

Tive a oportunidade de sobrevoar boa parte do Centro-Oeste, e é impressionante como o agronegócio brasileiro tem a mentalidade preservacionista extremamente desenvolvida. Vi todas as propriedades sendo cultivadas, com suas reservas florestais de 20% íntegras, todos os cursos d’água com matas ciliares. É diferente dos Estados Unidos, em que sobrevoamos por horas os estados produtores do Corn Belt e não vemos uma árvore, um curso d’água com mata ciliar. Portanto, a estrutura do nosso agronegócio organizado é maravilhosa.

Agora, por que temos esse passivo ambiental gigantesco? Falta de autoridade do governo. É a bandidagem que está tomando conta da Amazônia. As áreas que ainda estão para ser abertas e que ainda oferecem condições de exportação ilegal de madeira, mineração ilegal, invasão de terras indígenas, foram dominadas pelo crime organizado. E o governo não está sendo capaz de controlar isso. A visão preservacionista já está enraizada em nossa sociedade. O que não está enraizado é o controle do setor público da ilegalidade e da impunidade. No momento em que um governo tem autoridade para fazer isso, vamos ter uma visão ambiental muito propícia. Temos condições não só de cumprir o papel de preservar nossas terras, como atrair investimentos.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.