Lula precisará desarmar bombas ainda antes de assumir e acomodar forças divergentes em ambiente político hostil

Presidente eleito tem desafio de conciliar demandas sociais inescapáveis a debate fiscal inadiável em sua terceira passagem pelo Palácio do Planalto

Marcos Mortari

Lula faz primeiro discurso após ser eleito presidente da República (Daniel Munoz/VIEWpress)

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“A partir de amanhã, tenho que começar a me preocupar [sobre] como vamos governar este país”. A frase dita por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poucas horas depois de ter confirmada sua terceira vitória em uma eleição presidencial no país ecoa uma das grandes preocupações de analistas políticos e agentes econômicos ao final da eleição mais acirrada da Nova República.

Após um hiato de 12 anos, Lula retorna ao Palácio do Planalto em meio a uma dura disputa com Jair Bolsonaro (PL) – que ainda não se manifestou após a confirmação da derrota nas urnas –, em uma vantagem de pouco mais de 2,1 milhões de votos (60,3 milhões contra 58,2 milhões) e um país absolutamente dividido.

O contingente de 96,1 milhões de eleitores que votaram em seu adversário em branco ou nulo ou se abstiveram mostra a Lula que ele assume em condição muito menos favorável do que quando se sentou pela primeira vez na cadeira da Presidência da República, em janeiro de 2002. O Brasil mudou, assim como a correlação de forças na política.

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“Fosse qualquer o resultado, o certo é que o país sairia das urnas com a perigosa tarja da divisão. E foi o que aconteceu. E eis aqui o primeiro desafio do próximo – provavelmente, o maior: reunificar o país; retomar a perspectiva de uma só nação; um presidente de todos os brasileiros. Não conseguirá fazê-lo apenas com palavras; o popular “gogó” não bastará”, avaliou o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, em artigo publicado.

A fisionomia mais conservadora do Congresso Nacional que assume no próximo ano e a força do bolsonarismo, especialmente no Senado Federal, indicam um ambiente hostil para o futuro governo na busca por apoio para aprovar uma agenda legislativa. Soma-se a isso um desafio nada simples de conciliar interesses tão difusos como os observados na ampla coalizão construída durante a eleição – que foi de Guilherme Boulos (PSOL) a Henrique Meirelles e no segundo turno ainda agregou Simone Tebet (MDB) e economistas do Plano Real.

De um lado, uma alta expectativa pela retomada de políticas públicas. Lula já sinaliza para a manutenção de um programa de transferência de renda de R$ 600,00 mensais, para uma política de reajuste real do salário mínimo, valorização de servidores públicos, retomada de investimentos em infraestrutura e do Minha Casa Minha Vida, além de uma série de políticas públicas de inclusão social. Tudo isso em um ambiente econômico desafiador e marcado por pressões por previsibilidade e credibilidade do lado fiscal.

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“Ele assumirá com a promessa de manutenção de gastos sociais em níveis atuais, o que não é comportado pelo arcabouço fiscal existente, e de incremento de investimentos, principalmente em infraestrutura. Seu desafio é o de conciliar essa pressão com a apresentação de um plano crível para a saúde fiscal”, pontuam os analistas da XP Política.

Um dos pontos já em discussão no dia zero por integrantes da campanha caminha para a negociação de um “waiver” (ou seja, uma excepcionalidade para as regras fiscais vigentes) com o Congresso Nacional ainda em 2022, a partir da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Manobra nada simples, considerando os esperados desafios de uma transição nada amistosa com Bolsonaro. Um plano B poderia ser tentar retardar a tramitação da Proposta de Lei Orçamentária Anual de 2023 e adiar a discussão para o início do governo – também pouco confortável.

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“O waiver precisará ser negociado em conjunto com a apresentação de um novo arcabouço fiscal que reforme o teto de gastos – este sim a ser discutido a partir da nova legislatura. O desenho dessas novas regras, no entanto, não está definido e dependerá da equipe econômica escolhida – o que não deve ser anunciado em prazo tão curto”, prosseguem os analistas da XP.

Mas a fórmula ainda não é clara. Embora pressionado durante a campanha, Lula foi eleito sem entrar em detalhes sobre sua equipe econômica e quais seriam as reais propostas para a área. O que se discute na campanha seria a repartição do Ministério da Economia em três pastas – Fazenda, Planejamento e Indústria –, cada uma com um perfil de gestão. O placar apertado tende a culminar em mais acenos a grupos alheios à órbita petista, mas faltam sinalizações.

“É um governo que vai assumir em uma situação internacional complicada, com uma possível recessão, com juros muito altos no Brasil e mais uma bomba fiscal para lidar. É um governo que começa, na parte econômica, com muita dificuldade − e vai ter dificuldade para manter popularidade no começo do mandato”, observa Adriano Laureno, gerente de análise política e econômica da Prospectiva Consultoria. Um filme familiar no atual contexto de América Latina. Nos cálculos do economista, a herança fiscal beira um déficit de R$ 400 bilhões para 2023.

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Para Carlos Melo, não há tempo a ser desperdiçado por Lula neste momento. O presidente precisará trabalhar para rapidamente implementar uma agenda capaz de “impulsionar o crescimento econômico e reverter a crise social”.

“Do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, será cobrada imediata clareza em relação aos seus planos econômicos. A boa recepção dos agentes econômicos pode lhe favorecer, a partir de um choque de expectativas. Em seu terceiro mandato, será muito importante iniciá-lo com mais apoio popular do que saiu das urnas. Ao vencedor cabe a humildade: dentro do possível, estender a mão aos adversários; isolar a oposição radical e despertar um sentimento de ‘página virada’”, avalia o especialista.

“Já na fase de transição, Lula precisará conquistar setores arredios e desconfiados que votaram em seu rival. Além de formar, é claro, no Congresso Nacional uma coalizão ampla: atrair o centro como também setores que até aqui estiveram enfileirados com Jair Bolsonaro. Como se sabe, o petista já não conta com o quadro estrelado de assessores com que pôde contar em 2002. A habilidade de Lula será testada. Sobretudo, no desafio de compor um novo núcleo de formulação e articulação. O PT não bastará e nem se trata de um agrupamento vocacionado para circunstâncias políticas como as atuais”, continua.

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Na avaliação de Laureno, Lula terá o desafio imediato de formar uma equipe ministerial multipartidária, “para tentar garantir que assuma a presidência em uma posição legislativa um pouco mais forte”. E sempre precisará ter em mente que o campo adversário segue poderoso.

“Bolsonaro conseguiu ficar muito perto de Lula. Ele é o segundo colocado mais bem votado da história do Brasil. Isso significa que Lula vai ter uma oposição forte e organizada, inclusive nas ruas. E que, iniciando o governo com uma provável necessidade de medidas impopulares, pode ter dificuldades de agitação social”, alerta.

Para Melo, as portas estão mais abertas para um pragmatismo de Lula no campo econômico. “Provavelmente, não haverá “Teto de Gastos”, como o conhecemos no período de Michel Temer e que, de resto, foi abolido há bom tempo pelo governo Bolsonaro. Mas, se não pretende perder o controle do processo político – sendo vulnerável no front econômico — algum tipo de “âncora fiscal” será um imperativo. E a primeira dessas “âncoras” serão os nomes não só do futuro ministro, mas de toda sua equipe econômica”, conclui. Da equipe de transição virão as primeiras pistas.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.