Lula fala em concluir acordo entre Mercosul e União Europeia até julho, mas com mudanças, e admite negociar com OCDE

Em encontro com Olaf Scholz, chanceler alemão, Lula também defendeu uma reforma na ONU e a criação de grupo para mediar paz entre Rússia e Ucrânia

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o chanceler alemão Olaf Scholz em encontro no Palácio do Planalto (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta segunda-feira (30), que trabalhará para concluir o acordo entre Mercosul e União Europeia ainda no primeiro semestre de 2023. Após encontro com o chanceler alemão, Olaf Scholz, no Palácio do Planalto, o mandatário defendeu, no entanto, mudanças nos termos das tratativas mantidas por seus antecessores.

“Alguma coisa tem que ser mudada. Ele não pode ser feito tal como ele está lá. Nós vamos tentar mostrar ao lado europeu o quanto estamos flexíveis e queremos que os europeus nos mostrem quanto eles serão flexíveis”, afirmou.

Lula lembrou que quase conseguiu chegar a um final feliz nas negociações para um acordo entre os blocos em seu segundo mandato à frente da Presidência da República. Mas dois pontos principais teriam travado as negociações. De um lado, Brasil e Argentina não aceitavam medidas que limitassem sua reindustrialização. Do outro, franceses adotavam postura protecionista em relação à produção agrícola.

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“Uma coisa que para nós é muito cara são compras governamentais. Eu queria deixar claro que, em um país em via de desenvolvimento como o Brasil, as compras governamentais são uma forma de se fazer crescerem pequenas e médias indústrias brasileiras. Se abrirmos mão disso, nós estamos jogando fora a oportunidade de nossas pequenas e médias empresas crescerem. Vamos sentar na mesa da forma mais aberta possível”, salientou.

“Na hora da negociação, você tem que decidir se senta à mesa para dizer ‘sim’ ou para dizer ‘não’. O meio termo é negociar algo que melhore para aqueles que se sentem prejudicados”, disse.

“Mas eu quero dizer ao chanceler Olaf Scholz que nós vamos fechar esse acordo, se tudo der certo, quem sabe, até o meio deste ano. Até o fim deste semestre é nossa ideia de tentar encaminhar para que a gente tenha um acordo e comece a discutir outros assuntos, porque temos muitas coisas pela frente, e não apenas esse acordo”, prosseguiu.

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Negociado por mais de 20 anos, o acordo UE-Mercosul teve um anúncio de conclusão geral em 2019, mas ainda há um longo caminho pela frente para sua efetiva entrada em vigor. Isso porque o tratado precisa ser ratificado e internalizado por cada um dos Estados integrantes de ambos os blocos econômicos para funcionar.

Na prática, significa que o acordo terá que ser aprovado pelos parlamentos e governos nacionais dos 31 países envolvidos – uma tramitação que levará anos e poderá enfrentar resistências.

Lula também foi questionado sobre uma possível adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). Criada em 1961, e com sede em Paris, a organização atualmente conta com 37 países, incluindo algumas das principais economias desenvolvidas do mundo, como Estados Unidos, Japão e países da União Europeia. É vista como um “clube dos ricos”, mas também tem entre seus membros economias emergentes latino-americanas, como México, Chile e Colômbia.

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Embora tenha exaltado a postura favorável ao multilateralismo em seus outros dois mandatos, o presidente admitiu o desinteresse naquela época de ingressar ao grupo. Agora, no entanto, Lula diz que a postura pode mudar.

“Obviamente que o Brasil tem interesse em participar da OCDE. O que nós queremos é saber qual é o papel do Brasil na OCDE. Qual é o papel do Brasil? Você não pode participar em qualquer organismo internacional sendo cidadão menor, inferior, como se você estivesse sendo observador”, disse.

“Estamos dispostos a discutir outra vez e saber quais são as condições de entrada de um país do tamanho do Brasil na OCDE”, continuou.

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Durante sua fala a jornalistas, Lula voltou a defender uma reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), de modo que o Conselho de Segurança seja formado por mais países (inclusive pelo Brasil, que pleiteia a posição desde a formação do organismo internacional, até mesmo a Alemanha, alijada em razão da posição adotada na Segunda Guerra Mundial), em uma representação mais fiel à atual correlação de forças na cena política internacional.

“Nós queremos que o Conselho de Segurança da ONU tenha força, tenha mais representatividade, que possa falar mais uma linguagem que o mundo está necessitando. Quando a ONU estiver forte, vamos evitar certamente possíveis guerras que acontecem, porque hoje elas acontecem por falta de negociação, de um conjunto de países que interfiram nisso. Nós vamos continuar brigando”, afirmou.

Lula também defendeu a importância de se retomar o funcionamento adequado da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a criação de um grupo de países para discutir a paz no mundo – e que neste momento se debruce sobre possíveis soluções para a guerra provocada pela invasão da Rússia ao território da Ucrânia.

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“O que é preciso é constituir um grupo com força suficiente para ser respeitado numa mesa de negociação. E sentar com os dois lados”, disse. “O Brasil está disposto a dar uma contribuição”, ressaltou.

Lula citou a participação de países como a Índia, a Indonésia e, principalmente, a China nesse processo. “Nossos amigos chineses têm um papel muito importante. Está na hora da China colocar a mão na massa”, continuou. Lula também comparou com o esforço empregado para debelar a crise econômica em 2008, quando foi criado o G20.

“Temos que criar outro organismo, da mesma forma que criamos o G20, quando aconteceu a crise econômica em 2008, queremos propor um G20 para por fim ao conflito Rússia e Ucrânia”. Lula garantiu que vai levar a ideia ao presidente americano, Joe Biden, em visita aos Estados Unidos em fevereiro, e ao presidente chinês, Xi Jinping, em março, quando for visitar a China.

O presidente brasileiro rechaçou o envio de munições de tanques de guerra à Ucrânia por não concordar com o conflito do país com a Rússia. O pedido foi feito na semana passada pelo próprio governo alemão, que, por sua vez, tem ajudado diretamente a Ucrânia com envio de armamentos.

“O Brasil não tem interesse em passar as munições, para que elas não sejam utilizadas para a guerra entre Ucrânia e Rússia. O Brasil é um país de paz, o último contencioso nosso foi na guerra do Paraguai. O Brasil não quer ter participação, mesmo que indireta”, disse.

Do lado alemão, Olaf Scholz falou que a guerra é uma violação do direito internacional e voltou a condenar a Rússia.

“Essa guerra não é uma questão europeia, mas uma questão que diz respeito a todos nós. É uma violação flagrante do direitos internacionais e da ordem internacional que acordamos em conjunto. Ninguém pode mexer em fronteiras de forma violenta, isso são tradições que pertencem ao passado”.

O chanceler alemão também comentou os ataques golpistas ocorridos no Brasil em 8 de janeiro, quando um grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiu o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

“As imagens (…) ainda estão muito presentes na nossa memória e nos deixa profundamente consternados. Ainda vemos alguns resquícios dessa destruição e são sinais de que temos que defender a democracia. Os democratas devem cerrar fileiras diante de um ataque de tal maneira ultrajante contra nossas instituições”, disse.

“A democracia brasileira é forte e foi capaz de resistir a esse ataque. O que é impressionante e serve de modelo”, continuou.

Em sua fala, Scholz defendeu uma colaboração entre Alemanha e Brasil na luta contra mudança climática, com foco na proteção da Floresta Amazônica, ampliação do uso de energias renováveis e produção de hidrogênio verde.

O chefe de Estado também destacou a importância do acordo entre União Europeia e Mercosul e falou em uma “transformação social justa” das duas economias.

“Ao Brasil cabe um papel fundamental na proteção do clima do nosso planeta. Sem a proteção das florestas tropicais no Brasil e na América Latina, não vamos conseguir alcançar as metas do Acordo de Paris e de garantir as bases da nossa existência”, afirmou.

O governo alemão anunciou, nesta segunda-feira, um pacote de proteção ao meio ambiente destinado ao Brasil no valor de mais de R$ 1 bilhão. O anúncio foi feito após uma reunião entre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a ministra da Cooperação da Alemanha, Svenja Schulze. Do total, R$ 192 milhões serão destinados ao Fundo Amazônia, que tinha sido suspenso no primeiro ano do governo de Bolsonaro, em razão de postura entendida como insatisfatória na preservação ambiental.

O alemão também ressaltou a importância de se avançar com as tratativas entre União Europeia e Mercosul e disse que a iniciativa deve “preparar caminho para a transformação das economias e fortalecer a cooperação tecnológica e industrial”.

Ao final de seu discurso, o chanceler disse estar “muito feliz” com a “volta do Brasil à cena mundial”. “Vocês fizeram falta”, disse, em comparação velada à postura entendida como isolacionista do governo anterior.

(com Agência Brasil)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.