Lula destaca inflação, critica política de preços da Petrobras, defende Estado forte e rechaça nova “Carta ao Povo Brasileiro”

Ex-presidente não confirma candidatura ao Palácio do Planalto, apesar de liderar nas pesquisas, e explica ausência em manifestações contra Bolsonaro

Marcos Mortari

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em coletiva de imprensa (Foto: Ricardo Stuckert)

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SÃO PAULO – Após uma semana de encontros com lideranças políticas em Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu entrevista coletiva a jornalistas nesta sexta-feira (8). Apesar de liderar nas pesquisas a um ano das eleições presidenciais, o petista não confirmou candidatura ao Palácio do Planalto e concentrou sua fala em críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Não estou candidato, porque só vou decidir minha candidatura para o começo do ano que vem. Estou em uma fase de conversar com partidos, movimentos sociais, vou conversar com empresários e com a sociedade. Consertar esse país não é tarefa de um partido, é tarefa de muita gente”, afirmou Lula, que em três semanas completa 76 anos, mas repete estar com energia de alguém com 30.

“Esse país haverá de ter juízo suficiente, para que, no dia das eleições, eleja alguém que respeita, que goste e que exercite a democracia em seus atos cotidianos. Seja quem quer que seja, alguém que tenha no mínimo sentimento. Alguém que tenha o sentido de humanista, que tenha o mínimo de solidariedade. Alguém que pense um pouco com o coração e pense nesse país e pare de falar bobagem”, disse.

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Durante a entrevista, Lula defendeu algumas vezes uma maior participação do Estado na economia, manifestou preocupação com a escalada da inflação e da desigualdade no país e rechaçou a possibilidade de fazer acenos a lideranças empresariais e investidores nos moldes da “Carta ao Povo Brasileiro”, redigida durante a campanha de 2022.

“Quero um Estado forte, porque somente um Estado forte é capaz de acabar com a miséria desse país. É capaz de não ter medo de fazer casa popular subsidiada para o povo que está desempregado e para o povo que ganha pouco. Quero um Estado capaz de manter e melhorar o SUS (Sistema Único de Saúde). Porque o SUS, que era tão tripudiado antes da pandemia, agora está endeuzado por quem tripudiava ele”, afirmou.

“Não quero o Estado empresarial, quero um Estado com força para que ele seja o indutor do desenvolvimento. Um Estado que não tenha preocupação de fazer dívida para investir em um ativo produtivo nesse país. Um Estado que não discuta se vai financiar a Educação porque é gasto. Um Estado que cuide das pessoas sem se preocupar com os gastos de cuidar das pessoas”, complementou.

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“A solução do Brasil está no fato de você colocar o pobre no Orçamento da União, no Orçamento do estado e no Orçamento da cidade, e colocar o rico no Imposto de Renda para ele aprender a pagar imposto sobre lucros e dividendos”, salientou.

Provocado, Lula respondeu declaração do empresário Pedro Passos, copresidente do conselho de administração da Natura, que, em entrevista ao jornal O Globo, disse que o país precisava “evitar a polarização entre o inaceitável e o indesejável” – que seriam, respectivamente, Bolsonaro e o petista.

“Não precisa de Carta ao Povo Brasileiro. Eu tenho um legado. O legado que eu deixei para esse país vale umas 500 cartas ao povo brasileiro. O rapaz que disse que sou indesejável devia ler. Aliás, ele devia ler quando ele cresceu no meu mandato. Ele deveria dizer o que era a Natura antes de eu chegar na presidência e o que ela virou no meu governo”, rebateu o ex-presidente.

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Munido de uma “cola” com dados específicos da evolução dos preços de diversos produtos consumidos por boa parte da população, Lula manifestou preocupação com o comportamento da inflação. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) teve alta de 1,16% em setembro – maior para o mês desde 1994 –, acumulando alta de 10,25% em 12 meses.

O petista destacou as altas dos preços de alimentos como a mandioca (+45,27%), o açúcar refinado (+43,90%), o frango (+28,78%) e o tomate (+24,32%). E também dos combustíveis, que usou para criticar a política de preços adotada pela Petrobras.

“A gasolina já subiu 39%. O óleo diesel já subiu 33%. Sem nenhuma necessidade. O Brasil é autossuficiente em petróleo. O Brasil tem refinarias altamente qualificadas para refinar o óleo diesel e a gasolina que precisamos. Começamos a privatizar nossas refinarias e estamos comprando gasolina refinada dos Estados Unidos quando o Brasil era exportador, antes do pré-sal. O que está acontecendo é que a Petrobras tem uma direção que é mais importante que o presidente da República. Se ele não tem coragem de governar, coragem de dizer ao almirante que está lá que não vai aumentar [os preços], é problema dele. Significa que o Brasil está precisando de um novo presidente para poder fazer justiça com o preço do combustível”, disse.

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“Não vejo sentido você querer agradar um acionista minoritário americano e não querer agradar o consumidor majoritário brasileiro. São pessoas que trabalham de táxi, são pessoas que trabalham com Uber, que vão trabalhar, pessoas que têm um caminhãozinho para trabalhar. Ele deveria estar preocupado com o preço para essa gente, e não com o acionista de Nova York. Isso só demonstra que o Bolsonaro é um garganta, é um cara que fala sem ter noção do que está falando”, complementou.

As declarações doe Lula têm gerado preocupação entre investidores com um possível aumento de gastos públicos e desequilíbrio fiscal. Em diversos momentos, o petista já se posicionou contra o teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas à inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

“Quando assumi a presidência, nós tínhamos uma dívida de 65% [do PIB] e ela caiu para 34% [do PIB]. Nós mostramos que sabemos cuidar da dívida”, disse. Ele argumentou que um governo é como uma família, gastando apenas o que se arrecada.

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“Se você tiver que gastar mais, você faça uma dívida para construir um ativo produtivo, algo rentável, que possa significar o país crescer, aumentar o patrimônio do país. Isso, pode ficar certo que sabemos fazer”, assegurou.

“Eu tenho uma preocupação com a economia brasileira. Tenho uma preocupação muito grande com a inflação, porque ela prejudica o povo mais pobre. Tenho uma preocupação muito grande com o emprego, que é uma coisa muito séria. Uma preocupação com a fome… Mas a questão econômica a gente resolve a hora em que mostrarmos seriedade. E uma das coisas que queremos fazer em primeiro plano é recuperar nossa credibilidade internacional”, afirmou.

Questionado sobre quem seria seu principal conselheiro econômico neste momento, Lula brincou: “Eu não preciso de conselheiro. Se conselho fosse bom, eu comprava. Ninguém vai me dar”. O petista disse que, caso seja candidato, já tem o nome na cabeça e que criará um pool de figuras influentes em diversos segmentos, em uma espécie de reedição do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

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Nos bastidores, há especulações sobre a possibilidade de uma reaproximação com Henrique Meirelles, atual secretário de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, e que foi presidente do Banco Central durante sua gestão.

“Tem que perguntar para o Meirelles. Ele agora está com o Doria. Mas o Meirelles é uma pessoa que eu gosto, tenho relação. Quando eu precisei do Meirelles, ele teve um papel muito importante no meu governo, sou grato a ele. Vamos ver o que vai acontecer. Como o mundo é redondo, a gente pode dar volta se encontrar outra vez”, afirmou.

Conversas com políticos

Lula está em Brasília desde o último domingo (3). Desde então, conversou com governadores aliados, parlamentares petistas, e presidentes de partidos políticos, como Gilberto Kassab (PSD), Carlos Siqueira (PSB) e Paulinho da Força (Solidariedade).

O petista também teve um jantar na casa do ex-senador Eunício Oliveira (MDB), mas que acabou esvaziado pela ausência de caciques como os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), o ex-presidente José Sarney e o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF).

Apesar da aproximação com os emedebistas, Lula voltou a tecer duras críticas à política econômica adotada no governo Michel Temer (MDB). “É com muita tristeza que vejo as pessoas que criaram a Ponte Para o Futuro para dar um golpe na presidenta Dilma Rousseff… As pessoas que prometeram acabar com a CLT, que ia melhorar a vida do trabalhador… Não têm nenhuma explicação para o desastre da economia brasileira que temos hoje”, pontuou.

Questionado sobre as conversas mantidas com Kassab, Lula disse que não há acordos em construção e que ouviu do colega a intenção de lançar um candidato próprio à Presidência da República. Kassab trabalha com a ideia de trazer o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para entrar na disputa pelo seu partido.

“Kassab tem sido muito digno e muito honesto nas conversas que tem mantido conosco. E isso, para mim, é algo que merece meu respeito. Se ele lançar candidatura acho ótimo. Ele também tem dito a imprensa que não vai com Bolsonaro, então tem uma chance grande para mim”, afirmou.

Lula também comentou as críticas que tem recebido do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), pré-candidato à presidência. “Se ele quiser disputar as eleições para ganhar, ele tem que criticar o Bolsonaro e a mim”, disse.

“Pode ficar certo que eu não vou, durante todo o processo de campanha, responder as ilações que Ciro faz com relação a mim. Ciro foi meu parceiro, ele me ajudou a governar. Se está falando o que está falando, é porque acha que isso vai dar voto para ele – eu não sei se vai dar. Mas não vou responder”, complementou.

O petista minimizou as vaias recebidas por Ciro nos últimos manifestações organizadas pela oposição ao governo Bolsonaro. “Só não foi vaiado neste país quem não subiu em palanque”, disse.

“Mas acho que isso não pode diminuir a importância do ato. Ciro é uma figura pública importante para o Brasil. Ele só precisa cuidar dele mesmo. Não é ninguém que faz mal ao Ciro, é ele. Quando ele perceber que é preciso pensar antes de falar, vai perceber que tudo vai melhorar. Não é a primeira campanha do Ciro, é a quarta. E em todas elas acontece a mesma coisa”, concluiu.

Lula também disse que é importante ter “uma bancada forte” no Congresso Nacional “para fazer as transformações que o país precisa” e que a crise entre os poderes será resolvida quando “cada instituição cuidar do seu papel”.

Atos contra Bolsonaro

Lula disse que não foi aos últimos protestos de rua organizados pela oposição ao presidente Jair Bolsonaro por questões sanitárias, seguindo a recomendação de alguns dos ex-ministros da Saúde de seus governos, e para evitar transformá-los em “atos políticos”.

“Eu não queria e não vou contribuir para transformar o ato em atos políticos. Porque a hora em que eu subir no caminhão estará subindo no caminhão o primeiro colocado em todas as pesquisas de opinião pública, que pode ganhar as eleições no primeiro turno. Uma coisa é subir no caminhão um candidato que tem 2% dos votos. Outra é um candidato que tem 47%… Eu tenho essa responsabilidade, porque, quando eu subir no caminhão, não é para descer mais”, afirmou.

Lula disse que está com “muita vontade de ir” nos próximos atos contra o governo, marcados para 15 de novembro. O petista não confirmou sua presença, mas admitiu a possibilidade caso não esteja em compromissos pela Europa na mesma data.

Ele, no entanto, garantiu que o PT está engajado no impeachment do mandatário e disse que insinuações no sentido contrário são uma “insanidade”. Nos bastidores, há uma avaliação de que uma eventual queda de Bolsonaro poderia não ser interessante para os planos dos petistas para as eleições de 2022.

“Dizer que o PT é contra o impeachment é de uma insanidade. A pessoa que fala que o PT é contra o impeachment poderia perguntar por que o Lira não coloca em votação. Não é a [deputada] Gleisi Hoffmann (presidente do partido) que pode colocar em votação”, disse. “O PT é o único partido político que não tem que dizer que quer o ‘fora, Bolsonaro’ e que quer o impeachment”.

Lava Jato

Prestes a completar 2 anos desde que deixou a prisão, Lula disse que hoje trata a Operação Lava Jato como “assunto do passado”, mas disse que espera uma retratação de veículos de imprensa, que, segundo ele, foram “induzidos” pela força-tarefa e pelo juiz federal Sérgio Moro.

“Eu não me preocupo com a Lava Jato, porque eu queria provar o que aconteceu. Estou realizado como ser humano, porque tomei as decisões corretas na hora certa. Eu poderia ter saído do Brasil, e não saí. Não queria carregar a pecha de fugitivo. Tomei a decisão de ir a Curitiba para ficar na barba do Moro e provar que ele era mentiroso, que era um deus de barro criado pela imprensa brasileira”, disse.

“O que aconteceu comigo não pode e não faz parte do que quero discutir para o Brasil daqui para frente”, afirmou. “A briga que estamos para tentar reconstruir o Brasil deve fazer com que essas coisas sejam coisas do passado, que estejamos preparados para fazer o enfrentamento do debate, mas precisamos saber como vamos reconstruir esse país”.

Regulamentação da mídia

Lula adotou tom mais brando em relação ao debate sobre a regulação da mídia, incentivado por seu partido. Questionado pelos jornalistas sobre sua posição em relação ao assunto, disse que o tema precisa ser tratado pelo Congresso Nacional. Em outras oportunidades, ele havia defendido medidas para reduzir o nível de concentração neste mercado.

“Não sei por que tanta polêmica em relação à regulamentação dos meios de comunicação, sobretudo na área digital e na área eletrônica”, desconversou. “O que se propõe é que em algum momento na história do Congresso Nacional esse tema possa ser debatido. E não é um tema de um presidente, é um tema do Congresso Nacional. Sinceramente, não vejo qual a preocupação que algumas pessoas têm”.

“Eu, pelo menos, não aceito a ideia de que o único controle admissível é o controle remoto”, ponderou. Quando presidente, Dilma Rousseff (PT) defendia que “o melhor controle [para a mídia] é o controle remoto”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.