Lula chora e afirma: “provem uma corrupção minha que eu irei a pé para ser preso”; assista

Ex-presidente se emociona durante sua defesa e afirmou: "tenho uma história conhecida, só ganha de mim Jesus Cristo"

Lara Rizério

SÃO PAULO – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez pronunciamento nesta quinta-feira (15), em São Paulo, para se defender da denúncia apresentada contra ele na Operação Lava Jato.  Lula foi denunciado à Justiça pela primeira vez no âmbito da Operação Lava Jato, em anúncio feito ontem pela força-tarefa do MPF, responsável pela operação. A peça da acusação inclui a esposa do petista, Marisa Letícia da Silva, e outras seis pessoas. Os procuradores afirmam que o ex-presidente recebeu vantagens indevidas referentes à reforma de um triplex em Guarujá (SP) feita pela empreiteira OAS. Segundo o MPF, a reforma foi oferecida a ele como compensação por ações do ex-presidente no esquema de corrupção da Petrobras. 

Em coletiva realizada na véspera, o procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que Lula era o “comandante máximo do esquema de corrupção identificado na [Operação] Lava Jato”. Hoje, o petista, seus aliados e defesa deram uma resposta mais contundente à acusação e o episódio da véspera. Lula chegou ao local do pronunciamento muito aplaudido, ao som de gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro” e “Fascistas, não passarão”. 

O ex-presidente elogiou o trabalho de seus advogados, que, na sua avaliação, o têm defendido e discutido o caso com “competência espetacular”. Lula acredita que, no país, há pouca gente com a vida “mais pública e mais fiscalizada” do que ele, desde os tempos de dirigente sindical, nas greves de 78 e 79. No início de sua fala, destacou sua trajetória como líder sindical e os primeiros passos da vida política com a criação do PT. “Tenho muito orgulho de ter criado o partido de esquerda mais importante da América Latina”, afirmou.

O discurso do ex-presidente focou na politização do processo e teve forte linguagem emocional, brecha aberta pela forma como foi compreendida a acusação dos procuradores na véspera. O petista chorou algumas vezes, lembrou de conquistas de seus governos e pediu respeito dos procuradores sobretudo com sua família. Ele negou qualquer uma das irregularidades apontadas pela acusação e disse que se provarem algum episódio de corrupção do qual participou, ele iria “a pé ser preso”.

O petista lembrou também das disputas eleitorais que participou. Ele disse que acreditava que seria difícil chegar ao poder pelo voto, mas descobriu que era possível e que bastava apenas “calibrar o discurso e despertar o sonho das pessoas”. “20 anos depois, consegui. Um trabalhador, um metalúrgico, sem diploma, ganhou as eleições, contra todos que apostavam contra o PT”, disse ele.

Para o petista, em 2002, ano em que ganhou a eleição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso preferia sua vitória à do candidato tucano José Serra. Isso porque FHC queria que Lula ganhasse e fracassasse para que seu antecessor pudesse voltar. “Eu tinha quase como uma profissão de fé não errar. Eu fui comedido. Não prometi o socialismo para ninguém. Não prometi a luta de classes.” E propôs que cada brasileiro tivesse três refeições por dia. “Você veja como fui humilde”. Porém, no meio do caminho, ele disse ter percebido que podia fazer mais.

“O meu fracasso não teria despertado tanto ódio contra o PT”, disse Lula. O que incomoda é o sucesso, a inclusão social, educacional. “O ódio deles é porque, por 500 anos, eles acreditaram que não precisava investir em educação, porque eles estudavam no exterior”. “Para piorar”, argumentou o ex-presidente, o PT escolheu uma mulher — Dilma Rousseff — para substituí-lo e a reelegeram. Isso os levou a pensar: “será que Lula vai voltar?”.

O ex-presidente acredita que o episódio do impeachment de Dilma foi similar ao que ocorreu em 2005, quando ele diz que já tentavam tirá-lo do poder. Lula afirmou que seus adversários “transformaram uma mentira em verdade” ao aprovar o impeachment na Câmara dos Deputados e depois o Senado votar pela sua admissibilidade. “E eis que o Senado se apequenou”. No entanto, ele fez questão de parabenizar a bancada petista e os parlamentares que votaram contra o impeachment, nomeando senadores de outros partidos que adotaram tal postura.

Sobre a Operação Lava Jato, o ex-presidente lembrou das vésperas da eleição presidencial de 2014, quando diz que “eles” vieram com a “conversa” de que ele e Dilma “sabiam” do esquema de corrupção na Petrobras. O petista também afirmou: “eu sei pra onde eu vou, eu sei quem me ajudou a chegar onde eu cheguei, sei quem quer que eu saia e sei quem quer que eu volte.”

Lula duvidou que algum partido tenha feito mais que o PT para reforçar as instituições políticas. Ele afirma que quer o MP e a PF “cada vez mais fortes, mas cada vez mais responsáveis”. Ele ainda afirmou que querem extirpar o PT da vida política nacional, como fizeram com o Partido Comunista na década de 1950. “Nós tiramos o tapete que cobria a corrupção no país”.

Com voz embargada, ele disse que, ontem, foi vítima de “um momento de indignação”: “eu nunca pensei passar por isso”. O ex-presidente afirmou que convocaram uma entrevista para falar “do crime do Lula” e descobriu que seus acusadores e parte da imprensa estão “mais enrascados do que eles pensam que eu estava”. “Eles inventaram uma mentira e está chegando no fim do prazo. Já derrubaram Dilma, já derrubaram Cunha, já elegeram Temer, agora resta destruir a vida política de Lula”, afirmou.

Lula diz que ninguém nesse país respeita a lei e as instituições tanto quanto ele. Ele diz que está disposto a prestar todos os esclarecimentos e, chorando, diz que a única coisa de que se orgulha é “o direito de andar de cabeça erguida nesse país”. “Provem uma corrupção minha que eu irei a pé para ser preso”.

Ele disse o procurador-geral da República deve estar “pensativo” depois do “espetáculo” feito pelos promotores ontem. O petista diz que, se for retirado da política, o problema “não acaba”, uma vez que seus opositores terão problema se tirarem direitos dos trabalhadores e se entregarem o patrimônio nacional. “Assim não precisa de governo, é só colocar um vendedor. Governo de verdade é o que diz que a gente vai resolver a miséria no país ‘colocando o pobre no orçamento'”. Ele ainda alfineta os procuradores e diz que, “quem sabe quando o pessoal do ProUni chegar lá (aos cargos de procuradores) as coisas começam a melhorar”.

Lula diz que fez a maior inclusão social deste país “sem dar um tiro” e afirmou que não foram os trabalhadores que mais ganharam dinheiro no seu governo – se bem que eles vão sentir saudades. Ele ainda relembrou os tempos que não tinha dinheiro e ressaltou que aprendeu a “nunca se queixar” e a não pedir emprestado.

“Eu tenho sempre cuidado com as palavras para não causar nenhum problema”, continuou o ex-presidente voltando a criticar o trabalho do MP e lembrando que foi orientado por seus advogados antes da entrevista. Lula diz que as pessoas que compõem o MP devem ficar atentos.

“Você não pode permitir que meia dúzia de pessoas estraguem o histórico de uma instituição tão importante neste país”, continuou. “A desgraça de quem conta a primeira mentira é que é obrigado a passar a vida mentira. Eles inventaram que eu tinha coisas que não tenho”, diz o ex-presidente.

Lula disse que já pediu desculpas várias vezes, e que aceitaria desculpas se pedissem a ele, voltando a pedir que respeitem sua família. O ex-presidente afirma que sua fala de indignação é a fala de quem quer avisar ao país que “o país que eu sonho está longe de ser construído. Nós subimos apenas um degrau na escada social deste país, que eles estão tirando agora”.

O ex-presidente ainda citou as ações de jovens que vão às ruas fazer reivindicações e lembrou de quem foi evitar o fechamento de escolas em São Paulo: “essa molecada é o Lula com 71 anos multiplicado”. Ele afirma que “nada, só Deus, pode me fazer parar de lutar pelo que acredito”.

O ex-presidente também falou sobre os presentes que recebeu durante sua presidência, e que o volume é muito grande. “Tenho coisas de ouro. Como é que eu ia levar para casa?”, questionou. Ele disse que o Ministério Público pode pegar e levar seu acervo para seu prédio, pois ele não tem onde guardar. “Parem de procurar casca aonde não tem. Procurem em outro lugar”, afirmou. “Neste país a criminalização da política está muito grave”, continuou. “Quando eu transgredir a lei, me punam para servir de exemplo. Mas quando eu não transgredir, procurem outro para criar problema”, disse.

“Daqui para frente, cada petista nesse país tem que começar a andar de camisa vermelha. Quem não gostar, coloque de outra cor. Mas esse partido tem que ter orgulho, porque ninguém fez mais do que nós fizemos nesse país”, disse Lula chamando a militância para ajudar a reerguer o partido.

O ex-presidente disse ainda que não irá perder o sono por causa das investigações. “A história mal começou. Alguns pensam que ela terminou. E eu vou viver muito. Estou com 70 anos, com vontade de viver mais 20”. Lula ainda relembrou algumas histórias de quando era presidente e terminou pedindo para que ninguém pense que ele está desanimado ou está sofrendo. “Eu estou orgulhoso de saber que a perseguição a mim é por causa das coisas boas que nós conseguimos fazer nesse país”, completou.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.