Lula aposta em ministério plural para governar país dividido com Congresso fortalecido

PT cede espaços a novos e velhos aliados, mas mantém controle da “cozinha” do Planalto e de pastas estratégicas na Esplanada dos Ministérios

Marcos Mortari

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com sua nova equipe de ministros (Foto: Ricardo Stuckert)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que toma posse neste domingo (1º), retorna ao Palácio do Planalto com um ministério mais plural do que em suas outras duas gestões, diante da construção de uma base de apoio mais heterogênea e da percepção de maiores dificuldades para governar um país mais dividido e com um Congresso empoderado.

Após a vitória apertada nas urnas sobre Jair Bolsonaro (PL), primeiro presidente da Nova República a tentar a reeleição e ser derrotado, Lula enfrentou dificuldades para acomodar na estrutura do novo governo forças políticas que integraram a “frente ampla” construída na campanha e os apoios conquistados após o resultado das urnas.

O novo presidente, que retorna ao Palácio do Planalto após um hiato de 12 anos, organizou uma estrutura com 37 ministérios, secretarias e órgãos com status ministeriais – mesmo número que tinha em seu segundo mandato, e 14 a mais que seu antecessor.

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Do ponto de vista político, 8 partidos foram contemplados com posições no primeiro escalão: PT, PSB, PCdoB, Rede, PSOL, PSD, MDB e União Brasil.

O PT conquistou a maior fatia do bolo, concentrando posições de destaque da “cozinha” do Palácio do Planalto, com o comando da Casa Civil, com Rui Costa (BA); da secretaria de Relações Institucionais, com Alexandre Padilha (SP); da Secretaria-Geral da Presidência, com Márcio Macedo (SE); e da Secretaria de Comunicação (Secom), com Paulo Pimenta (RS).

E posições estratégicas na Esplanada dos Ministérios, como o Ministério da Fazenda, com Fernando Haddad (SP); e o Ministério da Educação, com Camilo Santana (CE). Além de pastas que tratam de assuntos historicamente ligados ao partido, como o Ministério do Trabalho, com Luiz Marinho (SP); o Ministério do Desenvolvimento Social, com Wellington Dias (PI); e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, com Paulo Teixeira (SP).

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O PSB, sigla do vice Geraldo Alckmin e que teve papel fundamental na campanha presidencial, ficou com três pastas do novo governo: o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, com o próprio Alckmin; o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com Flávio Dino (MA); o Ministério de Portos e Aeroportos, com Márcio França (SP).

Partidos mais alinhados ideologicamente com o PT e que estiveram com Lula na corrida presidencial também foram contemplados com pastas.

A Rede Sustentabilidade ficou com o Ministério do Meio Ambiente, representado pela deputada federal eleita Marina Silva (SP); o PCdoB conquistou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que será comandado pela presidente da sigla, Luciana Santos (PE); e o PSOL ficou com o Ministério dos Povos Indígenas, liderado pela deputada federal eleita Sônia Guajajara (SP).

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O PDT, partido que teve Ciro Gomes como candidato nas últimas duas eleições presidenciais e não fez campanha efetiva no segundo turno para Lula em 2022, foi contemplado com o Ministério da Previdência – posto abaixo das ambições da sigla, por ser considerado mais burocrático a despeito do elevado orçamento. A pasta será comandada por Carlos Lupi, presidente do partido.

Outras siglas da coligação de Lula, contudo, acabaram não contempladas com postos no primeiro escalão do novo governo. Foi o caso do PV, que integra federação partidária com PT e PCdoB. Solidariedade, Pros, Agir e Avante também ficaram de fora, apesar de terem embarcado na base durante a própria campanha presidencial.

O novo governo também terá espaços para partidos do chamado “centro”. O MDB conquistou o Ministério do Planejamento, com a senadora Simone Tebet (MS) – candidata derrotada na disputa pela Presidência da República, mas que foi decisiva para a campanha de Lula no segundo turno. O partido também terá Jader Barbalho Filho (PA) no comando do Ministério das Cidades e Renan Filho (AL) no Ministério dos Transportes.

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Já o PSD, sigla de Gilberto Kassab (SP), que também conquistou espaços importantes no secretariado do governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ficou com outras três pastas no governo Lula: o Ministério da Agricultura, com o senador Carlos Fávaro (MT); o Ministério de Minas e Energia, com o senador Alexandre Silveira (MG); e o Ministério da Pesca, com o deputado federal André de Paula (PE).

Por fim, o União Brasil (partido que nasceu da fusão do PSL com o Democratas, duas siglas que apoiaram Jair Bolsonaro durante parte de sua gestão) foi contemplado com outros três espaços do novo governo. O deputado federal Juscelino Filho (MA) ficará com o Ministério das Comunicações; o Ministério do Turismo será comandado pela deputada federal Daniela do Waguinho (RJ).

Além dessas posições, o partido fez uma costura política envolvendo Waldez Góes (PDT-AP), atual governador do Amapá, que ficará com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. O acordo, selado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) é que ele migre para o partido em 2023.

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Do lado dos ministros técnicos, destacam-se os nomes de Nísia Trindade, presidente da Fiocruz, que assumirá o Ministério da Saúde; do filósofo e advogado Sílvio Almeida que ficará com o Ministério dos Direitos Humanos; da cantora Margareth Menezes, que comandará o Ministério da Cultura; e Anielle Franco, no Ministério da Igualdade Racial.

O ministério de Lula chegou a pouco menos de 1/3 de mulheres no comando das pastas. Em comparação com outras gestões, esta é a maior participação do grupo já registrada na Esplanada, embora ainda esteja distante da desejável paridade. O novo governo também baterá o recorde no número de negros comandando ministérios, mas mesmo assim o percentual sequer chega aos 15%.

Veja a lista completa e o perfil de cada um dos 37 ministros de Lula.

Frente ampla na Esplanada

Na avaliação de cientistas políticos consultados pelo InfoMoney, o terceiro governo Lula começa com um aceno mais claro em direção à diversidade de sua base de apoio, seja em partidos políticos, seja em forças e grupos distintos da sociedade.

“Conforme Lula havia indicado na campanha, ele constituiu um governo de frente ampla. É um governo, em termos partidários, com distribuição equilibrada em relação ao peso dos partidos no Congresso”, observa Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice.

Para ele, com a montagem dos ministérios apresentada, “Lula reconstituiu o governo partidário, com relação mais institucional com os partidos”. Na prática, volta ao centro da articulação política a lógica do presidencialismo de coalizão a partir do compartilhamento de espaços no Poder Executivo, substituindo negociações de varejo pelo agora extinto “orçamento secreto”.

O movimento também refletia um ambiente marcado pela polarização política, a frente ampla construída por Lula nas eleições e as perspectivas de maiores dificuldades para governar diante da nova composição das casas legislativas.

“Isso é fruto do rescaldo da própria eleição e da conjuntura política que vivemos. Há mobilizações em frente aos quartéis, resistência de setores da sociedade [ao resultado das eleições]. Lula, acertadamente, percebeu que a vitória foi fruto da frente ampla. Ele está sinalizando que cedeu espaço de poder importante, fruto dessa conjuntura”, diz.

O analista ressalta, contudo, que, considerando a lógica da representatividade no Congresso Nacional na próxima legislatura, haveria um excesso de espaços para PT e PSB no ministério. Movimento, por outro lado, natural, já que são as duas principais siglas da coalizão governista.

“Essa composição mostra que o Lula de 2023 vai ter um governo muito mais amplo, do ponto de vista do espectro político atendido nos ministérios, do que o Lula de 2003 ou de 2007”, avalia Adriano Laureno, gerente de análise política e econômica da Prospectiva Consultoria.

O especialista tem dividido o novo ministério de Lula em quatro grupos: 1) Filiados ao PT ou técnicos e ativistas ligados ao partido; 2) Integrantes de (ou nomes ligados a) partidos da coligação vencedora nas urnas (como PCdoB, PSB, Rede); 3) Novos nomes da coalizão estruturada por Lula para governar, seja do ponto de vista partidário (como PSD, MDB e União Brasil), seja como forças políticas; 4) Técnicos e ativistas que não orbitam na estrutura do PT.

Segundo Laureno, o primeiro grupo somava cerca de 70% dos ministros de Lula nos mandatos anteriores. Agora, não chega a 40%. “Isso não significa que o PT terá um espaço menor do que os outros partidos. Ele não tem a metade dos ministérios, mas tem pastas-chave”, explica.

“Lula não distribuiu aleatoriamente os ministros para os grupos e para o PT. Claramente, ele deixou nomes mais próximos ao partido nos ministérios que considerava centrais para a articulação política, a parte mais institucional e da gestão macroeconômica. O partido tem uma maioria nesse grupo [de pastas]”, observa.

PT cede os anéis, mas garante a “cozinha”

O cientista político Leandro Consentino, professor do Insper, enxerga uma mudança de padrão nas nomeações de Lula para seu núcleo duro no ministério.

Embora o grupo mantenha a marca da lealdade ao presidente, chamam atenção três características: juventude, diversidade regional e abertura a outras forças para além do próprio PT, apesar de grande prevalência da sigla.

“Com base nisso, é possível verificar que Lula busca formar novas lideranças no campo da esquerda e diversificar, tanto regionalmente como partidariamente, a emergência dessas lideranças”, avalia.

“O aspecto regional pode ser percebido por nomes fora do eixo Rio-São Paulo, como o baiano Rui Costa, o maranhense Flávio Dino, o cearense Camilo Santana e o piauiense Wellington Dias − todos oriundos do Nordeste, onde o PT fincou sua cidadela mesmo na adversa eleição de 2018”, salienta.

“Além disso, muitos desses nomes não são necessariamente filiados ao PT ou estão filiados em partidos aliados como o PSB (Dino), PDT (Lupi), PC do B (Luciana Santos) e PSOL (Guajajara) e todos são relativamente jovens, lembrando que o cargo de Ministro de Estado não pode ser ocupado por pessoas abaixo dos 35 anos no Brasil”, diz.

Do lado das nomeações técnicas, ou identificados ativamente com os temas dos respectivos ministérios, o especialista nota a prevalência de nomes, mesmo que não vinculados a qualquer partido político, identificados com ideais progressistas.

“Nesse caso, a disputa, antes que por espaço político, é por ideias, sinalizando uma ruptura profunda com o atual modelo bolsonarista, seja pela expertise técnica, seja pela narrativa oposta, inclusive com a recriação ou elevação de estruturas burocráticas ao nível ministerial”, observa.

Já a acomodação com forças políticas de “centro” que apoiaram a candidatura de Lula contra Bolsonaro, diz o especialista, pode não apenas auxiliar na construção de governabilidade no Congresso Nacional, como também neutralizar possível oposição ao governo neste campo.

“Com isso, Lula segue buscando evitar que novas lideranças desafiem sua hegemonia e a de seus fiéis apoiadores, refletindo uma preocupação com as eleições municipais de 2024 e com sua própria sucessão em 2026”, pontua.

Nova lógica de acomodação

Na ciência política, um dos parâmetros de avaliação da formação do ministério no presidencialismo de coalizão trata da proporcionalidade entre o tamanho das bancadas dos partidos aliados e o número de pastas e recursos (especialmente da porção discricionária do Orçamento) que serão comandados por cada sigla.

Mas Adriano Laureno acredita que a lógica adotada por Lula no novo governo é um pouco distinta. “Claramente não foi esse o critério. O único partido que fugiu um pouco foi o União Brasil, porque é um partido central para Lula conseguir maioria na Câmara e no Senado. É quase o eleitor mediano nas duas casas e que tem muitos votos e Lula precisa trazer para a base”, diz.

“Nos demais casos, parece que Lula usou muito menos uma lógica legislativa e mais uma lógica eleitoral. Ele está tentando construir uma forma de relacionamento de longo prazo com o Congresso, diferente de Bolsonaro. Uma relação não de voto substituído por emenda, caso a caso. Não se trata de uma negociação projeto a projeto, mas uma relação na qual o parlamentar e os grupos políticos que se mostrarem leais a Lula ao longo do processo vão ser presenteados com cargos e benefícios que o Executivo possa oferecer”, avalia.

“Lula fortalece muito essa narrativa com essa equipe ministerial que montou. Ele basicamente quer passar a mensagem de que quem é leal e ajuda a ganhar as eleições ou contribui de forma consistente é desproporcionalmente premiado”, complementa.

Os casos da nomeação de Luciana Santos (PC do B), de Renan Filho (MDB-AL), representando o clã de Renan Calheiros, e Jader Barbalho Filho (MDB-PA) exemplificam a lógica. Assim como Alexandre Silveira (PSD-MG), que relatou a PEC da Transição no Senado Federal ou mesmo do senador Jean Paul Prates (PT-RN), que não disputou a reeleição e foi contemplado com a presidência da Petrobras.

O PDT seria o exemplo no sentido contrário, assim como o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), derrotado na disputa pelo Senado Federal, que insistiu em candidatura própria apesar de costura envolvendo PT e PSB definir o nome de André Ceciliano (PT) para a posição.

Nos bastidores, há uma avaliação de que Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados e que tenta viabilizar sua reeleição na próxima legislatura, não conseguiu surfar a onda da distribuição do bolo ministerial, já que seu principal indicado, o deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA) foi barrado pelo PT. Mas analistas avaliam que será necessário acompanhar a distribuição de espaços no segundo escalão antes de se chegar a conclusões.

“Lula tanto retribui e prestigia os grupos que foram leais e o ajudaram eleitoralmente, quanto, de outro lado, pune os grupos que não foram unificados em prol dele ou que não abriram mão de coisas para fazer aliança durante as eleições”, destaca Laureno.

2026 é logo ali

Outro aspecto de destaque no ministério de Lula é a quantidade de figuras com potencial para disputar o posto de sucessoras do atual governo em 2026 – sobretudo quando se considera o fato de que o próprio presidente, hoje aos 77 anos, tem sinalizado que não disputará a reeleição.

Aparecem nesse grupo nomes como de Geraldo Alckmin, Fernando Haddad, Simone Tebet, Marina Silva, Flávio Dino, Rui Costa, Wellington Dias e Camilo Santana.

Neste caso, uma preocupação pode envolver a disputa por espaço entre os nomes. Na seara econômica, a divisão pode ser ainda mais clara, tendo em vista as diferenças ideológicas mantidas entre Haddad, Alckmin e sobretudo Tebet.

“Há uma série de nomes que integram o governo e que potencialmente já se apresentam como alternativas para 2026. Se o governo tiver sucesso, podemos ter ocorrência de embates. Mas, no curto prazo, Lula deve ser o grande árbitro disso. É precoce avaliar”, observa Borenstein.

Para Laureno, a dependência que os nomes têm do êxito do governo fará com que, em um primeiro momento, a postura colaborativa fale mais alto. “Todos precisam, primeiro, dar certo no ministério para, depois, pensar a concorrer à presidência em 2026”, diz.

“A maior dificuldade talvez seja mais entre Simone Tebet e Haddad na parte ideológica, qual vai ser o arcabouço fiscal do governo, a pauta do governo em termos fiscais”, observa.

De qualquer forma, a julgar pelo posicionamento das peças feitos por Lula no tabuleiro ministerial, nomes petistas podem largar em vantagem com pastas consideradas mais estratégicas – em uma possível sinalização de preocupação com o jogo sucessório.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.