Luiz Fux assume presidência do Supremo: veja o que esperar em 5 pontos

Magistrado de carreira, novo comandante é conhecido como conciliador e deve priorizar agenda econômica, mas tem corporativismo como calcanhar de aquiles

Marcos Mortari

Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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aSÃO PAULO – O ministro Luiz Fux assumiu, nesta quinta-feira (10), a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) para um mandato de dois anos. O magistrado substitui Dias Toffoli no comando do Poder Judiciário e tem uma série de debates delicados a conduzir, incluindo questões econômicas, administrativas e penais (como a operação Lava Jato), além da própria interlocução com as demais instituições.

Nascido em 1953 no Rio de Janeiro, Fux formou-se em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 1976. Dois anos depois, passou a atuar como promotor de Justiça. Em 1983, ingressou na magistratura ao passar em primeiro lugar no concurso para juiz estadual.

O magistrado atuou também como juiz eleitoral, antes de ser nomeado desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), em 1997. Tornou-se ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2001, por indicação do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

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Ele assumiu uma das 11 cadeiras no Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2011, após ser indicado pela então presidente Dilma Rousseff na vaga deixada por Eros Grau, que se aposentara.

Ao longo da carreira, sobretudo nos dez anos em que esteve no STJ, Fux notabilizou-se pela especialização em direito civil, tendo coordenado o grupo de trabalho do Congresso que resultou na reforma do Código de Processo Civil (CPC), sancionada em 2015. Na área penal, em julgamentos da Lava Jato, Fux costuma votar mais alinhado às posições do Ministério Público.

Com 9 anos de atuação na cúpula do Poder Judiciário brasileiro, o magistrado já emitiu mais de 77 mil decisões e despachos em processos diversos – desde a Lei da Ficha Limpa ao caso de extradição de Cesare Battisti, italiano condenado por assassinatos na década de 1970.

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Durante a pandemia do novo coronavírus, referendou posições ancoradas em instruções de médicos e cientistas, contrariando interesses do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nas questões envolvendo a produção e distribuição de uma vacina contra a doença, que deve ganhar momento nos próximos meses, o comportamento tende a se manter.

No comando do tribunal, Fux deixa o espaço que ocupava na Primeira Turma e passa a controlar a pauta das sessões plenárias, definindo os assuntos a serem julgados pelo colegiado. Veja o que esperar da nova gestão:

1. Agenda prioritária
Há uma expectativa de que Fux conduza uma gestão voltada para destravar a economia, com a retirada de empecilhos e inseguranças jurídicas e atenta às consequências práticas econômicas de decisões tomadas. Com ele, a chamada abordagem econômica do Direito deve ganhar vez.

“As reformas estruturantes e o risco fiscal para o estado terão a boa vontade do presidente da Corte, que tem boa interlocução dentro do governo”, observa a analista política Debora Santos, especialista em assuntos jurídicos na XP Política.

“Ele acredita que o Supremo tem que tomar a decisão constitucionalmente correta, mas pensar nas consequências da decisão antes – se vai causar aperto fiscal para a União ou aos estados, se haverá algum setor da economia afetado por isso. O ministro também tem uma preocupação muito grande em relação à questão tributária”, pontua.

Do ponto de vista tributário, uma meta do magistrado seria simplificar a tramitação dos contenciosos no Poder Judiciário, tornando os processos menos burocráticos e mais previsíveis.

Em seu discurso de posse, Fux ressaltou cinco eixos de atuação para sua gestão: 1) a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; 2) a garantia de segurança jurídica para a otimização do ambiente de negócios; 3) combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro; 4) incentivo ao acesso à Justiça digital; 5) fortalecimento da vocação constitucional do Supremo.

2. O futuro da Lava Jato
Nos bastidores, há uma leitura de que Fux manterá sua linha de apoio à operação Lava Jato e se empenhará para evitar novas derrotas das forças-tarefas no Poder Judiciário.

“Fux já vocalizou a intenção de ‘ressuscitar’ a Lava Jato. Este será um motivo constante de embates com o grupo antilavajatista dentro do Supremo e talvez com a própria família Bolsonaro, quando as decisões afetarem as apurações envolvendo seus membros”, pontua Debora Santos.

Inclusive, há quem lembre da própria troca de mensagens entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, na qual o primeiro teria escrito “In Fux we trust” (“Em Fux nós confiamos”, em inglês), em meio a possíveis acenos do ministro à operação.

“A mudança no comando do STF agrada à operação Lava-Jato. Simpático à força-tarefa de combate à corrupção, Fux terá o poder de definir os processos que serão discutidos pelos 11 colegas nas sessões plenárias, além de analisar casos urgentes durante os movimentados plantões do Judiciário”, observam os analistas políticos da Arko Advice.

“Toffoli não era um lavajatista, um ministro assumidamente ligado ou simpático à Lava Jato. Já Fux parece mais alinhado com a operação, que, por outro lado, está perdendo combustível por outras circunstâncias”, avalia o Davi Tangerino, advogado criminalista e professor de Direito Penal da FGV.

Os especialistas, no entanto, chamam atenção para os efeitos da mudança na composição da Segunda Turma com a aposentadoria do ministro Celso de Mello em novembro. O colegiado é responsável por uma série de decisões envolvendo a Lava Jato no tribunal.

Há uma articulação na corte para que o ministro Dias Toffoli assuma o lugar de Celso de Mello na segunda turma, o que faz com que o futuro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para substituir o decano vá para a Primeira Turma.

Com isso, seria reforçado o quadro de magistrados críticos à Lava Jato na Segunda Turma. Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski poderiam superar o relator Edson Fachin e Cármen Lúcia, formando maioria capaz de impor novas derrotas à operação.

Os resultados já têm acontecido mesmo antes da substituição, com a licença médica tirada pelo ministro Celso de Mello. A ausência do decano tem gerado empates nas votações da Turma, o que em ações penais favorecem ao réu.

Duas semanas atrás, o placar de 2 a 2 no colegiado levou à anulação da colaboração premiada firmada pelo Ministério Público do Paraná com o ex-auditor fiscal Luiz Antônio de Souza, preso pelo crime de estupro em 2015.

A decisão contraria entendimento do plenário da própria Corte, que diz que as colaborações só podem ser questionadas por partes signatárias do acordo – ou seja, o Ministério Público e os próprios delatores.

Embora os magistrados tenham determinado a aplicação apenas ao caso específico, o julgamento pode abrir uma brecha para que processos semelhantes sigam o mesmo caminho, sob a mesma alegação de “manifesta ilegalidade no acordo”.

Apesar das especulações, o possível movimento de Toffoli para a Segunda Turma só poderia ocorrer em novembro, com a saída de Celso de Mello.

“Os ministros normalmente tentam integrar as turmas em que eles vão conseguir vencer mais do que ser vencidos. Hoje, as turmas basicamente julgam matéria criminal. E neste campo, acredito que hoje Toffoli esteja mais alinhado a Lewandowski e Gilmar do que a Alexandre de Moraes ou Fachin”, diz Tangerino.

Mas, caso esse cenário se confirme, já se avalia a possibilidade de o relator Edson Fachin lançar mão com mais frequência do expediente de submeter decisões diretamente a plenário, sobretudo tendo em vista a posição mais amistosa à operação do novo presidente da corte. O movimento, no entanto, também teria efeitos colaterais.

“O relator pode submeter a plenário, mas depende de o presidente pautar ou não, decidir se é competência do plenário ou da turma”, observa a analista política Debora Santos, especialista em assuntos jurídicos na XP Política.

“Quando Toffoli era presidente, Fachin evitava submeter questões a plenário, porque o presidente podia não pautar em plenário. E ele também tinha dificuldade na turma. Agora, com Fux na presidência, pode ser que esse caminho de levar algumas questões a plenário seja mais simples para ele. Mas, de qualquer forma, não é trivial, porque, afetando direto o plenário, ele e o presidente tiram competência da turma”, complementa.

3. Obstáculo corporativista
Um dos traços que marcam a figura do ministro Luiz Fux, nas palavras de Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP e coordenador do Supremo em Pauta, seria um tom ambíguo com relação a assuntos econômicos – o que adiciona incerteza às análises.

“Ele tem um discurso que seria muito afinado com a agenda do ministro Paulo Guedes, de enxugar o Estado, austeridade fiscal. Ao mesmo tempo, é profundamente corporativista. Lembra um pouco Bolsonaro, que tem o ‘posto Ipiranga’, mas os militares ao lado”, diz.

O resultado de tal ambiguidade, nas palavras do especialista, dependerá de como o presidente Jair Bolsonaro lidará com a questão.

“Pode ser que o governo deixe intocados os privilégios da porção judicial do serviço público. Se for isso e não subir o tom com o tribunal, o governo navega por águas razoavelmente tranquilas com o Supremo”, aposta.

Por outro lado, se aumentar a pressão sobre a corte e isso também envolver ataques a ministros, o professor vê riscos de um conflito “sem ponto de retorno”.

“A perspectiva parece ser de extremos: ou haverá uma conflituosidade extrema ou vai ser um esquema muito próximo de compadrio”, avalia.

Um dos pontos de atenção na seara econômica envolve a discussão sobre a reforma administrativa. O Poder Judiciário é normalmente associado pela opinião pública aos benefícios mais generosos do funcionalismo e a supersalários.

“Se tivesse que enquadrar Fux em alguma caixinha, eu alinharia mais a um perfil liberal, mais cioso de um Estado enxuto e economicamente eficiente. Ele deve pender a valorizar o interesse público, o impacto nas contas públicas e a responsabilidade financeira. O ruído se dá quando o assunto é Judiciário”, observa Tangerino.

“Querendo ou não, Fux vai ter que enfrentar esse tema. Como líder do Poder Judiciário, ele vai ter que fazer a interlocução com o Congresso. Acredito que seja uma posição que defenda ao máximo a manutenção do estado de coisas”, complementa o especialista.

Como ministro, Fux protagonizou uma polêmica ao manter por anos o pagamento de auxílio-moradia a juízes federais e membros do Ministério Público por uma decisão liminar, sem remeter a questão a plenário.

O caso foi superado somente após um acordo entre o STF e o então presidente Michel Temer (MDB), que autorizou reajuste de 16% nos vencimentos da magistratura em troca da extinção do auxílio.

4. Relação com Bolsonaro
A chegada de Fux ao comando do Supremo ocorre em um momento de boas relações entre o comando da corte, representado por Dias Toffoli, e o presidente Jair Bolsonaro, apesar de sucessivos choques entre os Poderes, sobretudo durante a pandemia do novo coronavírus.

Analistas consultados por esta reportagem chamam atenção para o perfil conciliador do novo presidente da corte, mas também para uma forte preocupação com a imagem junto à opinião pública. Essas duas variáveis deverão guiar o comportamento do magistrado no posto.

De um lado, o cuidado com medidas consideradas invasivas sobre outros Poderes. De outro, porém, um olhar atento para a reputação do tribunal e de seus membros.

“Fux vai evitar bolas divididas com os Poderes. Não acho que seja do perfil dele criar ruídos ou constrangimentos. Eu não esperaria pautas mais consideradas ativismo judicial, como ocorreu com a nomeação de Alexandre Ramagem [para a Polícia Federal]”, avalia Tangerino.

Já Debora Santos acredita que o desejo do novo presidente é tornar o Supremo menos permeável à política, menos reativo e mais reflexivo. Contudo, “o perfil conciliador e o bom trânsito dentro do governo do novo presidente vão acabar aproximando o STF da política”.

“Ao final da gestão Dias Toffoli a marca que fica é o diálogo mantido a qualquer custo com Legislativo e Executivo, mesmo nos momentos em que não havia clima para conversa. O desafio de Fux é se destacar pela conciliação. Um impasse que se coloca é o inquérito das fake news, alvo de críticas sobre cerceamento da liberdade de imprensa de bolsonaristas nas redes sociais. Apesar de eventuais ilegalidades, a investigação tem sido útil para proteger o STF da pressão vinda da internet e foi validade pela maioria no plenário”, pontua a especialista.

Para Rubens Glezer, uma possível pedra no sapato para as relações entre os Poderes é a pauta do combate à corrupção, em meio às investigações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.

“Fux é um lavajatista e foi alguém que no Mensalão pegou pesado, foi uma das pessoas mais contundentes nas teses de acusação. Na Lava Jato também. Ele tem essa faceta e é alguém que gosta de proteger essa imagem pública”, diz.

“Ao mesmo tempo, é alguém que teve episódios que foram noticiados de possível pressão de conselheiros da OAB no Rio de Janeiro para que a filha fosse nomeada desembargadora. Muitas ambiguidades. Vejo que pode ir de um extremo ao outro, é muito imprevisível”, pondera.

5. Inquérito das Fake News
A preocupação de Luiz Fux com a opinião pública e a conjuntura devem ditar os caminhos de casos polêmicos, como o inquérito das Fake News, aberto por decisão de seu antecessor, o ministro Dias Toffoli, e conduzido pelo colega Alexandre de Moraes.

[O andamento] Depende muito do tom político. Se [os ataques aos ministros do Supremo] se mantiverem em alta, ele pode seguir em frente. Fux não apresentou até hoje nenhum problema com formas heterodoxas de perseguir uma agenda que ele acha relevante, como fez com o auxílio-moradia. Mas acho que ele vai fazer um cálculo de reputação do Supremo, se vale o custo, e isso vai depender muito da postura de Bolsonaro”, aposta Glezer.

A investigação, na avaliação de Tangerino, pode ser um exemplo do ativismo assumido pelo Supremo nos últimos anos, mas também se insere em um contexto de ataques aos ministros e à instituição.

“Quando o assunto for esse, esqueça todo o resto. Esse inquérito ia surgir em qualquer presidência. Talvez com cuidados um pouco melhores de distribuição, de incluir mais o PGR. Mas, antes de qualquer coisa, eles integram uma corte muito poderosa e são muito ciosos dessa corte e desse poder”, conclui.

(com Agência Brasil)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.