Inelegível, mas influente: Bolsonaro deve chancelar candidatos da direita nos principais colégios eleitorais, projetam analistas

Após derrota no TSE, ex-presidente se mantém sob holofotes ao confrontar o aliado Tarcísio de Freitas sobre a reforma tributária

Luís Filipe Pereira

O ex-presidente Jair Bolsonaro deu mostras de sua força política, avaliam analistas (Foto: Reuters/Ton Molina)

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Vivendo sob o dilema de ser o primeiro presidente a não se reeleger desde a redemocratização ao mesmo tempo em que tenta equilibrar o capital político erguido nos últimos anos, após se tornar inelegível, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou aos holofotes recentemente, ao protagonizar embate público com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu ex-ministro e até então aliado de primeira hora, durante reunião de seu partido sobre a reforma tributária.

A cena, ocorrida durante reunião do PL em Brasília, pode ser interpretada como metáfora sobre os caminhos que se apresentam ao campo da direita no futuro próximo. Favorável à reforma após ajustes no texto, Tarcísio tentava demover deputados bolsonaristas da ideia de se oporem ao texto, quando foi interrompido pelo padrinho político. Ao mesmo tempo em que alas mais moderadas do PL tentavam ouvir o governador de São Paulo, parlamentares mais ligados ao ex-presidente não escondiam a insatisfação pela fotografia tirada ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista a jornalistas para defender a necessidade de um novo regime tributário.

O InfoMoney ouviu analistas sobre como a inelegibilidade do principal líder da direita brasileira na atualidade e a repercussão da divergência sobre a reforma tributária devem afetar os rumos deste campo político dentro e fora do parlamento. Ainda que vejam alguns arranhões na imagem do ex-presidente, eles admitem que Bolsonaro segue exercendo influência sobre seus aliados e goza de capital político nada desprezível para os próximos episódios do processo político nacional.

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“Ele está mais vulnerável e fragilizado, mas ainda mantém o engajamento. Entre ex-presidentes, é o único que tem um público fiel acompanhando nas redes sociais. Ele consegue chegar ao aeroporto e ter um grupo esperando, aplaudindo e querendo foto. Mas isso vai perdendo relevância à medida que ele não pode se candidatar”, analisou o cientista político e CEO da Metapolítica Consultoria, Jorge R. Mizael.

Para o analista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice, Bolsonaro segue como principal nome da direita e deverá fazer valer sua influência na escolha dos nomes de candidatos a serem lançados pelo PL nos grandes colégios eleitorais para a disputa das eleições municipais do próximo ano, ainda que pesem os episódios recentes envolvendo sua inelegibilidade e a derrota sofrida com a aprovação por ampla margem da reforma tributária na Câmara do Deputados.

No entanto, Noronha não acredita em um eventual crescimento da popularidade do ex-presidente, uma vez que a possibilidade de retomada do crescimento econômico sinalizada pelo recuo da inflação e uma possível queda na taxa básica de juros (a Selic, hoje fixada em 13,75% ao ano) no segundo semestre são elementos que favorecem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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“O quadro está desafiador para a direita, mas Bolsonaro continua como principal nome, e também continua como um cabo eleitoral importante. Não vejo uma terceira via surgindo, e o embate vai se dar entre esses dois campos”, analisou.

De acordo com a professora Graziella Testa, da Fundação Getúlio Vargas, ao interromper a fala de Tarcísio de Freitas durante a reunião sobre a proposta de mudança do regime tributário, chama atenção o fato de o ex-presidente ter se colocado de maneira contrária à Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ainda que setores que o apoiaram nas últimas eleições, como representantes da bancada ruralista, tenham marcado posição favorável ao texto que seria aprovado horas mais tarde pela Câmara.

“É a primeira vez que ele [Bolsonaro] como oposição teve uma pauta programática, e veio em um ponto que curiosamente não é voltado ao conservadorismo social. Isso talvez tenha repercutido mal, porque foi uma pauta bem recebida em setores da direita, e pode, em setores da sociedade, causar alguma estranheza”, afirmou.

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A professora vê o movimento de Tarcísio de ir ao encontro de deputados do PL  como um passo natural de um potencial candidato à Presidência da República, que também tenta construir uma identidade própria, ao mesmo tempo que busca se viabilizar para o próximo pleito junto ao eleitorado situado ao centro do espectro político.

Além disso, o fato de o PL ser hoje dono da maior fatia do fundo partidário poderia atrair o próprio governador de São Paulo a migrar de legenda em um futuro não muito distante, caso ele ratifique sua intenção de disputar o Palácio do Planalto no próximo pleito ‒ algo que atualmente ele nega.

Mais coletivo e menos individualista?

No que depender do posicionamento oficial divulgado em carta direcionada aos parlamentares e publicada pelo presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, nas redes sociais nos últimos dias, o PL deverá se movimentar no xadrez político conciliando o apoio ao ex-presidente e a busca por um comportamento harmônico entre as diferentes correntes internas.

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“Se entrar em pauta algum projeto que fere a nossa liberdade, que fere os valores da família, da fé cristã, do agro, da criança e em favor das drogas, nossa bancada estará unida e invariavelmente votará contra”, afirmou no documento.

“Por outro lado, se entrarem pautas boas para a economia, de gestão governamental, como arcabouços, reforma tributária, e que refletem em questões regionais, cada um precisa votar no que for melhor para o povo que o elegeu”, contrapôs, em outro trecho.

Segundo Graziella Testa, por muito tempo a sigla se comportou pautada principalmente por comportamentos paroquiais de levar recursos de emendas às bases eleitorais dos parlamentares e menos por uma ideologia conservadora. A divergência entre Bolsonaro e Tarcísio na reunião sobre o posicionamento do partido no âmbito da reforma tributária também serve como ilustração para a coexistência dessas duas correntes internas.

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“Aconteceu a mesma coisa com o PSL, quando Bolsonaro era presidente. Passou-se muito tempo tendo o PSL bolsonarista e o não-bolsonarista. A gente tem que ver quando Bolsonaro vai ter um comportamento partidário, se ele vai ter, voltado para ceder em alguns momentos, e se comportar como coletivo. Vamos ver se estar fora do governo vai gerar no ex-presidente esse comportamento menos individualista”, frisou.

De acordo com o cientista político Jorge Chaloub, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Juiz de Fora, que pesquisa a radicalização da direita após a promulgação da Constituição de 1988, a manifestação do dirigente do PL é uma tentativa de se posicionar de maneira “moderna” na agenda econômica e permanecer conservador nas pautas envolvendo costumes.

“Valdemar é um velho cacique político da direita, que viu no bolsonarismo a possibilidade de ampliar seu poder e influência, mas, com o enfraquecimento de Bolsonaro em virtude da inelegibilidade, acaba fazendo acenos ambíguos”, explicou.

Mourão vê fortalecimento da oposição

Sem comentar de maneira pormenorizada as consequências do embate envolvendo Tarcísio e Bolsonaro sobre a reforma tributária, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente na administração anterior, ponderou ao InfoMoney que “a oposição tende a se fortalecer cada vez mais, pois ainda é forte a demanda social por responsabilidade com a coisa pública”.

“Cabe ao Senado, sobretudo aos parlamentares de oposição, analisar e aprofundar a matéria para que tenhamos uma reforma capaz de descentralizar, reduzir a carga tributária e simplificar para promover o crescimento do país”, sentenciou, dando mostras de um posicionamento menos radical (mas ainda crítico) do que o de Bolsonaro sobre o tema.

Pelo Twitter, outro ex-integrante do governo anterior tem tentado organizar a direita para uma oposição programática e menos belicosa. Presidente do Progressistas, o senador Ciro Nogueira (PI), foi chefe da Casa Civil entre agosto de 2021 e dezembro de 2022, e, após os ataques ao governador de São Paulo na reunião do PL, defendeu a relação de proximidade entre Tarcísio e Bolsonaro.

“Divergir é democrático, quem diz o contrário relativiza o pilar mais importante de uma sociedade que busca evoluir e melhorar. Tarcísio e Bolsonaro sabem disso, prezam por isso. Uma relação forjada no trabalho e no compromisso com um povo jamais será desfeita por intrigas vindas de fora. Juntos por São Paulo! Juntos pelo Brasil!”, disse.

Em outra postagem, Nogueira afirmou que “a intransigência, por si mesma, é sabotar o povo. Na oposição e na situação, a responsabilidade com o país é igual”.

“Se no passado a oposição do PT preferiu ser intransigente em pontos que – sabia – poderia contribuir para o interesse maior, que não eram de governo, mas de país, não iremos errar com o álibi deles. Vamos marcar a diferença colocando o Brasil em primeiro lugar. Sempre”, defendeu.

Discurso mais moderado?

Enquanto Chaloub destaca que a alta rejeição ao nome de Bolsonaro pode ser uma pedra no sapato dos candidatos a serem apoiados pelo ex-presidente na corrida pelas prefeituras, Noronha crê que a principal consequência da briga envolvendo Tarcísio e Bolsonaro pode ser que partidos como Progressistas e Republicanos, que integraram a base do governo anterior, não se vejam na obrigação de apoiar candidatos lançados pelo PL nas próximas eleições municipais.

Corrobora com tal avaliação o fato de muitas disputas locais darem maior peso a suas próprias especificidades em termos de organização política, correlação de forças e distribuição de poder, e relativizarem aspectos nacionais do jogo político.

Projetando um cenário para o pleito presidencial de 2026, Graziella Testa crê que a atuação de Tarcísio de Freitas nos debates sobre a reforma tributária, com a abertura de um canal de diálogo com o ministro Fernando Haddad, pode evidenciar que as pautas envolvendo temas ideológicos e de costumes percam espaço, aos poucos, para um debate mais programático.

Conclusão no mesmo sentido tem o cientista político André Santos, sócio diretor da Contatos Assessoria Política. Segundo ele, com a inelegibilidade do ex-presidente e a possibilidade de novas batalhas no Judiciário envolvendo a conduta de Bolsonaro quando era chefe do Executivo, é natural que a direita assuma um comportamento mais conciliatório e passe a adotar um tom ameno.

“Bolsonaro enfraquece, não a direita em si. Ela vai buscar outros caminhos, um caminho menos radical e mais ponderado, o que faz parte do processo da política. Bolsonaro, nesse embate em relação à reforma tributária, estava falando mais ao grupo dele, anti-Lula e bolsonarista. Hoje, no PL, são 30 radicais e o restante vai seguir de acordo com uma pauta mais pragmática mesmo”, concluiu.