Indicação de Augusto Aras é aprovada na CCJ, em meio a críticas à Lava Jato

Nome do sucessor de Raquel Dodge agora precisa passar por votação no plenário, onde é necessário apoio de pelo menos 41 dos 81 senadores

Marcos Mortari

Augusto Aras, procurador-geral da República (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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SÃO PAULO – Após mais de 5h de sabatina, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (25), a indicação do subprocurador-geral Augusto Aras ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), por 23 votos favoráveis, 3 contrários e um voto em branco.

A indicação do sucessor de Raquel Dodge no posto agora precisará passar por votação no plenário da casa legislativa, onde é necessário apoio de pelo menos 41 dos 81 senadores.

Na sessão, prevaleceu o tom amigável entre os senadores e o sabatinado, à exceção de momentos mais tensos em perguntas feitas por parlamentares do grupo “Muda, Senado”, mais ligados à defesa da operação Lava-Jato.

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Em sua fala inicial, Aras disse que “talvez a principal tarefa da Procuradoria-Geral da República seja combater os crimes de colarinho branco”. Questionado pelo relator, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), ele defendeu a operação Lava-Jato, mas admitiu que o modelo da força-tarefa é “passível de correções”.

“A Lava Jato é um marco. Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi”, disse o subprocurador. “A Lava Jato é resultado de experiências anteriores que não foram bem-sucedidas na via judiciária. Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, modelo esse passível de correções”.

O indicado também reafirmou seu compromisso com “atuação firme, mas equilibrada, independente e comprometida com a Constituição Federal e com os direitos fundamentais” e defendeu o fortalecimento do diálogo entre os Poderes, mas sem submissão.

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“Não há alinhamento no sentimento de submissão a nenhum dos Poderes, mas há evidentemente o respeito que deve reger as relações entre eles e suas instituições. Asseguro a Vossas Excelências que não faltarão independência e respeito a todas as opiniões”, afirmou.

O nome de Aras quebrou uma tradição seguida desde 2003, segundo a qual o presidente indicava um dos três mais votados em seleção interna dos membros da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Desta vez, contudo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu não seguir a lista da corporação.

Durante a sessão, Aras criticou o corporativismo dentro da PGR. Na sua avaliação, se o sistema não estivesse contaminado por um “fisiologismo”, jamais haveria a hipótese de o Ministério Público estudar a criação de uma fundação para controlar recursos recuperados pela Lava-Jato.

“Talvez tenha faltado nessa Lava-Jato a cabeça branca, para dizer que tem certas coisas que pode, mas tem muitas outras que nós não podemos”, pontuou. O subprocurador também criticou a conduta sob “holofotes” adotada por Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa.

“Não há de se desconhecer o grande trabalho que ele fez em busca dos resultados, mas, talvez, se houvesse lá alguma cabeça branca e dissesse para ele e para os colegas jovens, como ele, que nós poderíamos ter feito tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta, com menos curso, posto de outra forma, nós poderíamos ter feito tudo do mesmo jeito”, observou.

Augusto Aras disse que a impessoalidade deve ser aprimorada na condução da Lava Jato e disse que os pontos positivos da operação devem ser espalhados pelos estados.

“A impessoalidade que proíbe a promoção pessoal, mais do que nunca, deve ser velada no âmbito do Ministério Público. Quando nós emitimos uma opinião prévia, antes da elucidação dos fatos, antes da formação da culpa, da compreensão de todas as provas produzidas, nós estamos nos comprometendo, até por uma natural vaidade funcional, com um resultado que, muitas vezes, é injusto”, apontou.

O indicado também negou a existência de “um acordão” para barrar a Lava Jato e reiterou sua independência. “Eu não tenho nenhum programa de alinhamento nem com o senhor presidente da República, nem com nenhuma autoridade, nem com nenhuma instituição. O meu dever é a Constituição”, disse.

Ao tratar de interpretações do STF sobre a Constituição, Aras apontou que questões como aborto e descriminalização da maconha são temas relevantes e devem ter atenção do Congresso, e não de ativismo judicial”. Segundo ele, “é preciso saber em que nível está operando o Supremo, se está no nível da interpretação, se está no nível da mutação ou se está usurpando as competências do Senado e da Câmara”.

Aras também disse concordar que a prisão em segunda instância deve existir e está em consonância com o tempo atual, mas não deve suprimir o direito aos recursos e ao habeas corpus.

Costumes

Durante a sabatina, senadores também buscaram conhecer mais a fundo a posição de Aras sobre direitos humanos, liberdade religiosa e respeito à diversidade. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que é homossexual, lembrou que Aras assinou uma carta de compromisso com uma série de “valores cristãos” descritos pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que trata de temas como “cura gay”, “ideologia de gênero” e considera como famílias apenas aquelas formadas por heterossexuais.

“Eu sou delegado de polícia há 27 anos, eu sou professor de Direito há 20 anos e estou como senador da República. Eu tenho muito orgulho da minha família. Eu tenho um filho. O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília? Essa carta diz isso, senhor procurador. E diz mais: estabelece a cura gay. Eu sou doente, senhor procurador?”, questionou.

Em resposta, Augusto Aras admitiu ter assinado a carta sem ler. Garantiu não acreditar em cura gay e manifestou apoio ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Ele defendeu, contudo, que a permissão ocorra por decisão do Congresso, e não do Supremo.

“Minha única ressalva é de ordem formal. Eu me sentiria muito mais confortável, por mim e pelos meus amigos e amigas que têm casamento em todos os sentidos com pessoas do mesmo sexo, com uma legislação, com uma norma constitucional em que eu não lesse, nessa Constituição, ‘homem’ e ‘mulher’, mas em que eu lesse ‘pessoa’, ‘cidadão” ou “cidadã'”, defendeu.

Direitos indígenas

Diante de questionamento do senador Rogério Carvalho (PT-SE) sobre a atuação do Ministério Público em relação ao direito coletivo, Aras admitiu que há hoje um passivo nessa área.

“Realmente nós temos um passivo dos direitos difusos e coletivos no Brasil pelo Ministério Público. Nós temos uma falta, uma lacuna. O Ministério Público precisa, sim, voltar a atuar não somente nos holofotes do combate à macrocriminalidade, mas também atuar efetivamente na defesa das minorias”, defendeu.

Em relação aos direitos dos indígenas, Augusto Aras defendeu a produção agrícola em terras ocupadas por índios.

“É preciso compreender que o índio, na sua dignidade de ser humano, também quer vida boa, também quer vida compatível com suas necessidades. O índio não quer pedir esmola, o índio não quer viver ao lado de quem produz no agronegócio, e ele tem cem mil hectares de terra disponível e não pode produzir”, apontou.

Questões ambientais

Senadores também manifestaram preocupação com os posicionamentos do indicado em relação ao meio ambiente. Eduardo Braga pediu explicações sobre o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na última terça-feira (24).

Para Aras, é fundamental combinar crescimento econômico, proteção ao meio ambiente e direito à repartição igualitária de todos os cidadãos sobre os recursos naturais.

“Aumentando a zona comum daquele crescimento econômico com proteção ambiental e mais o direito igualitário de repartição desses recursos naturais, nós temos, aí sim, desenvolvimento sustentável, temos a proteção ao meio ambiente e temos, enfim, não um discurso vazio ou desnecessário, mas um discurso científico, didático e técnico”, afirmou.

Nepotismo

Questionado sobre a possível indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, para o cargo de embaixador nos Estados Unidos, Aras avaliou que o caso não configura nepotismo. Ele citou uma súmula do Supremo Tribunal Federal segundo a qual a restrição não se aplica a cargos políticos.

“Em todos os estados e municípios, há filhos e parentes de primeiro e segundo grau ocupando cargos em secretarias de estado ou em secretarias de município, sem que isso atinja nenhum valor constitucional. Evidentemente, esta Casa é soberana e poderá decidir o que pensa acerca desse tema e merecerá o meu respeito, porque o meu pensamento é exatamente que nós somos o que devemos ser no Estado, seguindo esta Carta constitucional”, pontuou.

Abuso de autoridade

Questionado por senadores sobre o projeto de abuso de autoridade — que recebeu sua redação final com os vetos aplicados pelo Congresso Nacional —, Aras avaliou que “temos hoje uma lei que pode ter um bom efeito”.

“Ontem esta Casa reduziu, derrubou metade dos vetos, reduzindo a 18 vetos. E com isso eu creio, acredito que temos no Brasil, hoje, uma lei de abuso de autoridade que pode alcançar sim a finalidade social a que se dirigia a norma e pode sim produzir um bom efeito, porque é preciso que quem trate com a coisa pública tenha o respeito devido ao cidadão”, argumentou.

Golpe de 1964

Ao ser indagado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre como definiria o “golpe de 1964 e o regime após o golpe?”, Aras classificou o período como nebuloso, “que contou com a participação de membros Congresso e da sociedade civil”.

“O movimento de 1964, gestado no Congresso, teve apoio da Igreja Católica. Discutir se houve golpe ou revolução não é adequado. É uma questão nebulosa. Do ponto de vista de um verdadeiro golpe, 1968 sim, houve um endurecimento, houve o AI-5”, disse Aras.

Advocacia

No início da reunião, Aras apresentou à CCJ documentos que comprovariam que ele se desvinculou de um escritório de advocacia e que devolveu sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Como ingressou no Ministério Público em 1987, antes da Constituição de 1988, Aras pode ser sócio em um escritório de advocacia mesmo integrando o MP.

O subprocurador já havia se comprometido a deixar o escritório caso se tornasse PGR, mas se adiantou. Ele lembrou que procuradores-gerais da República nunca advogam enquanto estão no cargo, e sim antes ou depois de ocupar a função.

“Não só me retirei da associação de advogados com sede na Bahia, como devolvi meus documentos de identificação como advogado. Embora não devesse fazer do ponto de vista legal, faço do ponto de vista moral e do compromisso com esta casa”, anunciou.

O relator da matéria, Eduardo Braga, e a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), elogiaram o gesto de Aras de deixar a sociedade no escritório antes mesmo da sabatina.

Perfil

Aras nasceu em Salvador em 4 de dezembro de 1958. Graduou-se em Direito pela Universidade Católica de Salvador, em 1981. É mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); e doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É professor da Universidade de Brasília (UnB). Ingressou no Ministério Público Federal (MPF) por concurso público, tendo tomado posse em 1987, no cargo de procurador da República. Em 1993, foi promovido a procurador regional da República e, desde 2011, é subprocurador-geral da República.

(com Agência Senado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.