“Impeachment não existiria se a economia estivesse crescendo”, diz ex-ministro de Dilma

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Renato Janine Ribeiro defende que seja construído um acordo entre agentes políticos e empresariais em prol da superação da crise e retomada do crescimento

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Dificilmente o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff irá prosperar. O PT foi hábil em colar a imagem da operação à manchada reputação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e conta com a falta de elementos que sustentem um afastamento do cargo. Essa é a leitura do filósofo e professor da USP, Renato Janine Ribeiro — ministro da Educação por pouco menos de cinco meses, quando foi afastado do cargo para que Aloizio Mercadante fosse acomodado na reforma ministerial que o tirou da Casa Civil.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o intelectual disse que a crise vivida atualmente se agrava pelo projeto político do partido no poder, altamente dependente do crescimento econômico para agradar os andares de cima e de baixo. Nesse sentido, ele vislumbra como saída mais viável a busca por acordo com o PIB, que “em nenhum momento quis o impeachment”. Caso contrário, sem crescimento, o projeto entra em situação calamitosa, de retrocessos em vista. “Se a situação econômica continuar crítica, será preciso uma nova política que considere a retomada do crescimento. O impeachment não existiria se a economia estivesse crescendo”, disse Janine Ribeiro. “Terá que haver algum acordo entre os agentes políticos e empresariais. Será difícil sair dessa situação sem o apoio do empresariado — o que não quer dizer Fiesp nem CNI. O acordo tem que ser com o PIB”.

O professor ainda questiona sobre a possibilidade de o processo ser visto como “medida ilegítima” e deixar uma “mácula sobre o novo governante”. Para ele, um governo comandado pelo vice Michel Temer pode ter ainda mais dificuldades, devido à postura mais radical nos cortes e oposição mais aguerrida dos movimentos sociais. “Uma vez que qualquer governo terá que adotar medidas impopulares, qualquer governo terá chances de impopularidade. No caso de Temer, como se tem insistido muito que ele chamaria Serra, assumiria o significado de que o perdedor na eleição assumiu. Se ele assumir para governar com a oposição atual, o cenário muda. Itamar Franco e Café Filho são dois exemplos distintos de vice. Itamar é o modelo bem sucedido de vice que assumiu sem nenhuma mancha de ter conspirado e com ampla popularidade, porque Collor estava muito desmoralizado. Café Filho é um modelo calamitoso de vice que traiu o presidente e se aliou à oposição, aproveitando o fato de que Vargas tinha perdido todo o apoio de classes dominantes. Temer não pode ser igual a Café Filho, um traidor”, avaliou.

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Outro tema de destaque da entrevista foi a corrupção, alvo de questionamentos do ex-ministro. Seu primeiro ponto de argumentação foi a diferença entre o volume de práticas ilícitas e a percepção que se tem delas. Janine Ribeiro também ressaltou a evolução na fiscalização sobre malfeitos, com o aumento da independência da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. “Corrupção é diferente de percepção que se tem dela. Na ditadura, as pessoas não podiam saber dos desvios. Tenho dúvida se não tinha tanta corrupção quanto agora. Ouve-se que nunca houver tanta corrupção quanto hoje, e, ao mesmo tempo, que nunca teve tanta gente processada e condenada. Para isso, a Polícia Federal, que é um braço do Executivo, tem sido decisiva. O Executivo, se quisesse, bloqueava a ação da PF. Não bloqueou nem com Lula nem com Dilma. Eles municiaram a PF e hoje se tem maior percepção sobre a corrupção e menor tolerância. Mas não é um caminho sem volta. A Procuradoria-Geral da República pode ser neutralizada”, argumentou Janine Ribeiro.

Por fim, o filósofo também tratou da disputa de espaço entre os poderes na atual configuração do cenário político. Para ele, a judicialização em curso está intimamente ligada a uma maior fraqueza dos atores políticos. Na visão do ex-ministro, há muitos espaços vagos hoje na política brasileira, deixados pelo PT, PSDB e a recém-nascida Rede. “Há três grandes desafios no curto prazo a serem enfrentados: retomar o crescimento, inclusão social e mudar a matriz produtiva, com práticas sustentáveis. PT e PSDB não encaram esses desafios e a Rede tem dificuldade de encarar o momento histórico, se posicionou muito pouco sobre as grandes questões nos últimos três anos”, concluiu. A leitura é que o vácuo deixado pela enorme quantidade de partidos políticos incapaz de preenchê-lo está no aguardo de algum grupo capaz de conciliar os três pilares.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.