Impasse no Supremo chega ao ápice: o que pode acontecer com a prisão em segunda instância?

Diante das movimentações recentes, como fica o cenário na Corte para os próximos dias?

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O cancelamento da esperada reunião informal entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, marcada para o fim da tarde da última terça-feira (20), para tratar da prisão após condenação em segunda instância, trouxe um novo “tiroteio” entre os magistrados através da imprensa e mais especulações sobre quais serão os próximos caminhos a serem seguidos no órgão máximo do Judiciário brasileiro.

Em um ambiente de ampla fragmentação na Corte, uma disputa dentre muitas ganhou destaque na figura da presidente Cármen Lúcia e o decano Celso de Mello. A primeira se nega a pautar a prisão em segunda instância em plenário, jurisprudência gerada por decisão tomada em 2016. Já o segundo reitera que tal interpretação afronta a Constituição e precisa ser rediscutida pelos magistrados.

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Na última tarde, o decano disse que pediu uma reunião com os colegas para discutir uma solução para o impasse. Segundo ele, o encontro tinha como propósito evitar que a presidente do STF passasse por um constrangimento inédito no plenário, sendo cobrada para colocar em julgamento ações que tratam do tema. Cármen Lúcia, contudo, não deu sequência à agenda, assim como tampouco sinalizou disposição em permitir uma rediscussão do tema.

O debate entre presunção de inocência e início do cumprimento de pena após decisão colegiada divide os magistrados em dois blocos equilibrados. Levando-se em consideração as duas turmas definidas na Corte, no primeiro grupo predomina o apoio à atual jurisprudência, ao passo que no outro predomina a rejeição à interpretação vigente.

Também ontem, o ministro Edson Fachin rejeitou embargos de declaração contra decisão que possibilitou o cumprimento de pena após decisão em segunda instância. O recurso havia sido impetrado pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público no último dia 14 de março. Esta era mais uma das estratégias adotadas por quem quer alterar a atual jurisprudência de levar a questão a plenário.

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Diante destas movimentações, como fica o cenário na Corte para os próximos dias?

Para o advogado Renato Stanziola Vieira, sócio de André Kehdi & Renato Vieira Advogados e diretor do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), desde que a questão está pronta para entrar na pauta do plenário, existe a possibilidade de ser discutida. Nos últimos dias, com o aumento da pressão para o debate e diante da persistente recusa da presidente do STF em colocar o tema em pauta, o risco de questões de ordem serem apresentadas durante as próximas sessões, tal como verbalizou o ministro Celso de Mello, existe.

“Cármen Lúcia pode estar em uma saia justa. Existe o risco de ela ser questionada pela demora em levar [a questão] ao plenário”, observou o especialista. Ele lembra que houve situações similares em que tal recurso foi utilizado durante o julgamento do mensalão. Segundo o advogado, qualquer ministro pode levantar questão de ordem, assim como a própria defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que há questões pendentes de deliberação do plenário.

Para Vieira, o comportamento da presidente do Supremo pode oferecer danos à imagem da instituição, além de provocar maior atrito entre os magistrados. Apesar da pressão política aumentar com a resistência da magistrada, ele lembra que a decisão sobre questões de ordem pode se dar monocraticamente pela presidente ou o colegiado pode ser consultado de maneira ampla. No primeiro caso, seria possível obstruir a discussão, mas os custos e desgastes políticos tenderiam a ser maiores.

Na avaliação do advogado, a obstrução da ministra Cármen Lúcia à discussão do tema em plenário torna-se mais questionável quando há pedidos de habeas corpus envolvidos. “Esse mecanismo tem que ter a tramitação mais célere de todos os regimes jurídicos. Não dá para entender por que ela não está pautando. Ela pode, sim, ser questionada”, disse. Por se tratar da liberdade de réus, tal medida seria mais sensível em termos jurídicos.

“A falta de vontade para o diálogo no Supremo Tribunal Federal chegou ao ápice”, diagnosticou a equipe de análise política da XP Investimentos. Para eles, os desencontros observados no episódio da reunião informal que não aconteceu revelam a forma como a questão da prisão em segunda instância mobiliza os ministros da mais alta Corte.

Conforme noticiou a jornalista Mônica Bergamo ontem, cresceram as expectativas de que o ministro Marco Aurélio Mello, contrário à jurisprudência vigente, proponha hoje uma questão de ordem no plenário para forçar o julgamento de duas ações genéricas sobre o assunto. Na prática, os ministros votariam para decidir que o processo será julgado, e quando.

“A se confirmar o movimento de Marco Aurélio, o ex-presidente Lula será o mais famoso beneficiário de uma eventual derrubada da possibilidade de prisão em segunda instância e, segundo os defensores da Lava Jato, o combate à corrupção será o maior prejudicado”, observou a equipe de análise política da XP Investimentos. Para eles, as ações adotadas pela presidente Cármen Lúcia, que evita a todo custo o debate, indicam uma crença da magistrada em um placar desfavorável ao atual entendimento.

Uma questão de ordem desta natureza é inédita no STF. Para Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV-SP e coordenador do Supremo em Pauta, o recente “tiroteio” entre os ministros da Corte mostra o uso da mídia, por parte dos magistrados, para tentar favorecer suas posições nas disputas políticas que existem no tribunal. De um lado, Cármen Lúcia, ao noticiar a reunião, tentou aguar a pressão feita nos bastidores. De outro, Celso de Mello fez uso da imprensa para que a presidente aceitasse o encontro.

“É preocuopante o grau de disputa. Esse escancaramento de conflitos aumenta exponencialmente a percepção da população de uma politização do tribunal no pior sentido”, afirmou. Para ele, embora a questão de ordem seja tratada por muitos como um fator com potencial a alterar a dinâmica do plenário no que diz respeito à discussão da prisão em segunda instância, Cármen Lúcia tende a manter o controle sobre a pauta.

Caso a questão de ordem seja feita, a presidente submeta ao plenário e vença o entendimento de inclusão da questão da prisão em segunda instância na pauta, ainda assim não há garantias de que a discussão ocorrerá. Bastaria que Cármen Lúcia sufocasse a pauta, passando outros temas na frente para deliberação. Nesta ótica, uma eventual questão de ordem teria muito mais efeitos simbólicos do que efetivamente coercitivos.

“É fácil responder a essa cobrança e essa objeção. O que se quer é criar um fato para que isso se retome como pressão popular em cima da ministra Cármen Lúcia”, afirmou Glezer. O que não deve acontecer, dada a maior pressão para a manutenção do atual entendimento, apoiado inclusive pelos responsáveis pela operação Lava Jato. “Se a presidente não quer, não é julgado. Tudo que a presidente precisa fazer é colocar dez processos na frente”, disse.

Por outro lado, a pressão política interna sobre Cármen Lúcia na Corte pode crescer ainda mais. Ainda assim, levando-se em consideração sua resistência e menor disposição em colaborar com os pares neste tema, não se sabe quais podem ser os desdobramentos de uma possível ação nesse sentido. Há quem acredite que politicamente não será possível a presidente manter a obstrução caso saia derrotada em plenário.

De todo modo, o atual impasse lança luz sobre uma série de fragilidades nos mecanismos de controle internos do Supremo. “Esse sistema garante vários poderes limitados a ministros. Normalmente, os excessos eram esporádicos e não expunham isso dessa forma”, disse Glezer. Contudo, a sucessão de eventos que provocavam conflitos internos tornou mais visível tais fragilidades.

Em tese, nada impediria que ministros retaliassem Cármen Lúcia pela resistência imposta, fazendo uso de mecanismos como os pedidos de vista, por exemplo. “Os ministros nunca pensaram que precisavam criar regras de controle para o exercício do poder. A falta de limites permite uma escalada do conflito se essa for a disposição dos ministros”, avaliou o professor.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.