“Hoje, empresários sabem que doar para o PT é um risco”, diz autor de livro sobre o partido

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o professor de História Contemporânea Lincoln Secco destaca profundas mudanças no pacto social rentista, um dos pilares políticos da gestão Lula. Para ele, possibilidade de o partido ser derrotado em 2018 é real

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Imerso em uma crise política sem procedentes em sua história, o Partido dos Trabalhadores deu recentemente uma resposta aos envolvimentos em escândalos de corrupção que têm manchado sua reputação e posto em xeque sua própria existência.

Defensor do fim do financiamento empresarial em campanhas eleitorais, o partido ensaiou, há cerca de duas semanas, um passo autônomo em direção a um dos temas da ampla pauta da reforma política ao anunciar que seus diretórios nacional, estaduais e municipais não receberão mais doações de empresas privadas – para as próximas eleições, apenas os candidatos estão autorizados a receber diretamente as doações. O aceno que visava juntar os cacos por uma imagem mais alinhada a preceitos éticos, no entanto, não tem sido suficiente para poupar o PT de críticas às recentes descobertas pelas investigações da Operação Lava Jato. Aparentemente, a crise não tem data para terminar.

O momento adverso enfrentado pelo partido somou-se às turbulências geradas no campo econômico. Inflação e juros elevados, taxa de desemprego em elevação após um longo tempo de baixos índices, expectativas de recessão, além de problemas energéticos à vista, revelam um cenário desafiador a médio prazo. Logo no início de seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff entendeu que havia uma necessidade de promover uma reviravolta nas políticas de condução da economia, cuja ortodoxia tem atraído uma legião de críticos à elevação dos impostos e alterações em direitos trabalhistas e previdenciários. Entrou em cena a tese do “estelionato eleitoral”. Descontentes à esquerda e à direita derrubaram a popularidade da presidente, sendo que alguns deles já pedem até impeachment.

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Para entender um pouco melhor do quadro delicado enfrentado por governo e PT, o InfoMoney entrevistou o professor livre docente de História Contemporânea da Universidade de São Paulo Lincoln Secco*, estudioso sobre o partido e autor do livro “A História do PT”. Na conversa, Secco destacou profundas mudanças no pacto social rentista, um dos pilares políticos adotados durante a gestão Lula, e projetou um quadro de grandes dificuldades para o partido nas próximas eleições presidenciais. Para ele, o PT vai aprender que dificilmente terá vida fácil como em 2006 e 2010, e que a possibilidade de sair em 2018 agora é real. Acompanhe a entrevista na íntegra:

InfoMoney – Qual seria a avaliação do senhor acerca do atual momento do PT? Quais seriam as maiores dificuldades e seus riscos?
Lincoln Secco – O risco maior é da fragmentação caso o governo entre realmente em colapso. Isso pode ocorrer de duas formas: a mais improvável, porém não impossível, é o impeachment; a outra é o protagonismo total do PMDB no governo (o que já está acontecendo). Isso afasta ainda mais o governo do PT e o próprio PT de suas bases sociais. Há pequenos grupos (como esquerda marxista) que já saíram do partido antes mesmo do V Congresso. Há deputados ameaçando sair. Isso vai depender do quanto o governo aguenta a crise até o fim do ano.

IM – Existe uma responsabilidade do próprio partido sobre o discurso de ódio que ele critica? Como o senhor enxerga o crescimento desse sentimento de antipetismo? O que justifica esse novo cenário?
LS – O PT afirmou-se nos anos 1990 como o único grupo ético e agora é cobrado por isso. Por mais que saibamos que a corrupção é inerente à política e que a grande imprensa, justiça e a polícia federal são partidarizadas e seletivas, o PT já governa o país há 13 anos e não fez nada para mudar a situação. Alguns dirigentes se corromperam de fato.

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IM – O Lulismo como estilo de governo chegou ao fim já na gestão Dilma? Como isso se relaciona com a atual conjuntura econômica, a nova formação de um Legislativo mais fragmentado e com as próprias características da atual presidente?
LS – Com o PT no poder surgiu o neopetismo, um partido novo, feito pelos carreiristas que entraram nele por causa dos cargos governamentais e também por antigos dirigentes que se acomodaram no poder e incorporaram as práticas políticas que sempre condenaram. Isso tudo funciona enquanto a economia vai bem e sustenta o pacto social rentista que premia o capital financeiro e melhora a vida dos muito pobres. Quando chega a crise, o pacto se desfaz, como agora. Mesmo que a economia melhore, o custo da retomada daquele pacto será cada vez maior. Agora, as pessoas já têm casa, fogão, geladeira, luz elétrica, e faltam saneamento, escola digna, saúde, transporte etc. Essa outra parte não custa um simples bolsa família. Custa mais. Como o governo poderá investir mais na área social sem aumentar a carga tributária sobre os muito ricos?

IM – A decisão de abolir o financiamento de empresas privadas em suas campanhas é uma boa resposta do partido aos escândalos de corrupção e estigmas gerados por conta de episódios como o Mensalão e agora a Lava Jato?
LS – A resposta é boa, embora tardia. É claro que políticos petistas ainda continuarão arrecadando por conta própria, mas o partido se afasta, ao menos oficialmente, das práticas indecentes de propinas. Isso dará uma força para o discurso de campanha, mas seu efeito não é para agora, pois, neste ano, não há disputa eleitoral.

IM – Quais seriam os efeitos dessa decisão do PT sobre toda a discussão a respeito da reforma política? No Congresso, o PT acabou sendo deixado, de certo modo, mais à margem dessa pauta. Como o anúncio de mudanças no partido joga contra essa realidade?
LS – O PT oficial, aquele do mundo parlamentar e de governo, vive um momento delicado porque seus opositores e aliados se comportam como se o partido fosse quase ilegal. Eu nunca vi algo assim, nem mesmo quando o PT tinha uma bancada de só oito deputados e era muito radical, em 1983. O único paralelo na história era a sabotagem que faziam contra as bancadas comunistas em 1946.

IM – Existe agora uma pressão sobre os outros partidos no sentido de darem uma resposta à altura?
LS – Não. Os demais partidos já ensaiaram desde o ano passado que o fim do financiamento empresarial só aumentaria o fundo partidário e tornaria o caixa dois ainda maior.

IM – Como seria possível para o PT se manter como partido eleitoralmente competitivo caso realmente cumpra com sua decisão em um sistema que ainda permite financiamento por parte de empresas?
LS – A decisão contra doações de empresas coloca o partido em desvantagem, caso isso não seja aprovado para todos os partidos. Sabemos que dificilmente o Congresso o fará e que um ministro do STF vai impedir por anos qualquer decisão daquela corte a respeito disso. Mas o impacto pode ser menor nas candidaturas majoritárias, pois elas continuarão recebendo dinheiro de empresas. O problema é que hoje os empresários sabem que doar ao PT é um risco. Eles podem doar à oposição, mas, se for ao PT, serão investigados.

IM – Como o senhor avalia os prós e contras dos principais modelos de financiamento de campanha em discussão (financiamento exclusivamente público; financiamento misto)? E quanto aos sistemas eleitorais (voto em lista, distrital e distritão)?
LS – Todos eles têm defeitos terríveis. O problema do Brasil é de cultura política e isso não se muda por lei. Ainda assim, uma reforma pode melhorar um pouco. Numa situação ideal, o parlamentarismo, o voto em lista fechada e o financiamento público seriam ótimos. No Brasil, acredito que é melhor o sistema como ele é hoje, sem reforma alguma. O presidencialismo é, aqui, historicamente, um contrapeso a um congresso conservador e eleito sem proporcionalidade. Talvez pudéssemos só limitar as doações empresariais até um teto. Grandes reformas sem o povo na rua querendo isso só pioram as coisas. O momento da reforma teria sido um plebiscito ou uma improvável constituinte depois de junho de 2013, mas a oportunidade foi perdida. Uma reforma política hoje seria a do PMDB. E este partido é só um agregado de pequenos interesses. O distritão, por exemplo, é algo que só interessa ao PMDB e às celebridades que quiserem entrar na política para aumentar seus rendimentos.

IM – Existe embasamento suficiente para uma articulação de impeachment? A oposição acerta ao falar em “estelionato eleitoral”?
LS – Uma coisa é o estelionato eleitoral como figura de linguagem. Quem pode reclamar disso é a esquerda que apoiou Dilma, e não a oposição. Dilma não faz nada além de aplicar um programa econômico com o qual o PSDB concorda. Já o impeachment, é uma brincadeira séria. Que alguém na rua fale disso e uma ou outra liderança isolada o faça, não há problema. Petistas já fizeram isso. Mas se fosse levado adiante, destruiria de vez a pouca representatividade do atual sistema político, abalaria a imagem internacional do país e o tornaria possivelmente insuportável do ponto de vista social. As pessoas esquecem que o PT não é uma quadrilha no poder e nem Dilma é Collor. Você pode ter raiva de seus dirigentes, de suas políticas, e indignar-se com a corrupção de alguns deles, mas o PT são centenas de deputados, prefeitos, vereadores, funcionários e vários governadores. É mais de um milhão de filiados, metade disso participando de suas eleições internas, é a CUT, o MST, milhares de sindicatos, ONGs, é uma fração das classes trabalhadoras e é uma parte da opinião pública na sociedade civil. E é o Lula. Alguém quer tornar o Brasil ingovernável? Não digo que o PT impediria um impeachment. Ao contrário, isso talvez o desagregasse. Mas e o custo social e político disso? Alguém acredita que teríamos eleições em seguida e tudo ficaria bem?

IM – Como as duas últimas manifestações interferem na pauta política? Uma pesquisa feita pelos professores Pablo Ortellado (USP) e Esther Solano (Unifesp) revelou algumas características do público que foi às ruas: 72,8% com renda superior a R$ 3.900,00, 80% com ensino superior completo ou incompleto e 77,4% brancos. Essa homogeneidade reduz a legitimidade do movimento e suas pautas?
LS – As manifestações serviram para aumentar o poder de pressão da oposição parlamentar. Para os governos estaduais, não serve para nada, pois eles dependem de um bom relacionamento com a presidenta. As manifestações não deveriam ter preocupado tanto o governo. Elas só param o Brasil aos domingos e só agregam muita gente em São Paulo, Brasília e na zona sul do Rio de Janeiro. Ou seja, elas atingem o eleitor do PSDB. São legítimas, mas isso é uma obviedade e não precisamos que vários ministros venham à TV falar isso. Além disso, São Paulo é historicamente o poder moderador da República. Foi assim em 1932, por exemplo. O problema do governo está naquilo que discutimos antes: seu pacto social rentista se quebrou, e, daqui por diante, mesmo quando a economia melhorar, a sustentação do modelo neopetista de poder será muito difícil. Se não houver uma ruptura institucional, o PT vai continuar, o governo vai sair do canto do ringue, mas a oposição será ainda mais forte. O PT vai aprender que nunca mais terá aqueles passeios de 2006 e 2010, e que a possibilidade de sair em 2018 é real.

*Lincoln Secco é professor livre docente de História Contemporânea na Universidade de São Paulo, onde fez mestrado e doutorado na área de História Econômica. Escreveu os livros “A História do PT” e “A Revolução Chinesa: até onde vai a força do dragão?”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.