“Há futuro sem Temer”: por que o mercado deixou o pânico de lado em meio à crise política

O mercado não está mais implodindo com a previsão de saída de Temer  e vislumbra um futuro positivo sem ele - mas ainda há muitas incertezas

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A quinta-feira da semana passada foi de fortes emoções para o mercado, com a delação da JBS levando praticamente à implosão do governo de Michel Temer, que estava até então em uma maré positiva para a aprovação de reformas. Com o cenário bastante negativo, o Ibovespa entrou em circuit breaker pela primeira vez desde 2008, o dólar teve a sua maior alta em 14 anos e os juros dispararam com o mercado em pânico sobre qual seria o futuro da economia. 

Os pregões seguintes à quinta-feira foram de incerteza, mas nada comparado àquele dia. E, com o cenário se definindo aos poucos, o mercado vai mostrando sinais de retomada. 

Isso por um motivo bastante simples, conforme destacado pela LCA Consultores em relatório: “os desenvolvimentos dos últimos dias reforçaram a perspectiva de preservação das diretrizes atuais de política econômica’”. Assim, o mercado mostra pragmatismo: Temer permanecendo ou não no poder, o mercado está de olho na agenda de reformas. E, aliás, com o peemedebista no cargo, as reformas podem ficar até mais comprometidas do que se ele for um substituído, uma vez que o presidente tem mostrado dificuldades em manter apoio. 

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Muitos nomes vêm sendo cogitados para assumir a presidência, com maiores ou menores chances de serem eleitos indiretamente pelo Congresso. Entre os mais citados pelos jornais nos últimos dias, destaque para seis deles: o presidente da Câmara Rodrigo Maia, a presidente do STF Cármen Lúcia, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles, o ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente interino do PSDB Tasso Jereissati. 

Essas movimentações estão sendo bem recebidas pelo mercado e o Ibovespa já recuperou cerca de 3 mil pontos ante a mínima atingida no fatídico dia 18 de maio. Conforme apontam os economistas da consultoria, a percepção é de que não haverá mudança significativa de rota na política econômica, o que tem sido um fator estabilizador nos mercados: o risco-Brasil e o dólar ficaram sob relevante pressão, mas seguem bem distantes dos “picos” pré-impeachment de Dilma.

Para a LCA Consultores, a crise política não deverá alterar a dinâmica favorável da inflação corrente; e, ao não prenunciar uma guinada de política econômica, não deverá provocar deterioração significativa nas expectativas fiscais de longo prazo.

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Os cenários após a eclosão da crise

Pressupondo que Temer não consiga se sustentar, a LCA aponta que as incertezas se deslocam para o timing de sua saída e para a via pela qual ele será destituído. “Renúncia após debandada de aliados? Cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE? Afastamento via processo de impeachment?”

Os economistas da consultoria apontam que o desfecho mais rápido seria via renúncia, mas Temer rechaçou a opção (por ora), amparado pelo fato de que os principais partidos aliados continuam a sustentá-lo em sua cadeira – “nem que seja para ganhar tempo para costurar sua substituição”. Já a cassação no TSE é uma possibilidade que pode vir a se concretizar rapidamente. A retomada do julgamento da chapa está prevista para do dia 6 de junho e uma condenação poderia levar poucos dias. O outro cenário é que, caso Temer “sobreviva” ao TSE e ainda resista em renunciar mesmo em caso de esvaziamento de sua base de apoio, a destituição via impeachment seria um processo mais demorado, capaz de dar a Temer uma sobrevida de meses. 

Para a LCA, um outro foco de incerteza – e talvez o mais importante, do ponto de vista da construção de cenários econômicos – diz respeito à sucessão de Temer. Afinal, “teríamos eleições indiretas no Congresso ou a realização antecipada de eleições diretas para presidente?”

A avaliação da LCA é de que a resposta para essa pergunta está, em boa medida, condicionada ao timing e ao modus operandi da saída de Temer: (i) se sair logo, via renúncia ou cassação no TSE, a chance de eleição indireta claramente prepondera – isso porque a eleição direta demandaria a aprovação parlamentar de uma proposta de emenda constitucional;  (ii) se Temer conseguir se sustentar no cargo, crescerão as pressões, mesmo com prazo de validade limitado, por eleições diretas.

Nesse ambiente de grandes incertezas, o cenário-base da LCA é de que, diante da iminência da cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, a base aliada desembarcará e o presidente deverá renunciar até meados de junho. Esse desfecho tenderia a resultar na realização de eleições indiretas, nas quais provavelmente seria eleito um nome de consenso entre os principais partidos que formaram a base de apoio ao governo. “A principal bandeira desse novo governo interino seria a preservação da política econômica e a retomada das reformas”, que sob Temer, vinham contribuindo para recuperar a confiança e a atividade econômica.

Impacto no crescimento econômico

Segundo a LCA, apesar da resiliência que os mercados domésticos têm mostrado, é inevitável reconhecer que o episódio JBS deixará cicatrizes na esfera econômica, com a principal repercussão ocorrendo sobre o andamento das reformas, da previdenciária em particular. Mas a consultoria aponta que, ao olhar para o risco-Brasil, a perspectiva é de suspensão apenas temporária das reformas, por tempo não muito extenso. A retomada das discussões da reforma trabalhista na CAE do Senado corrobora essa expectativa.

Para o câmbio, no contexto em que a política econômica não se altera como pressupõe o cenário base da consultoria, de um câmbio de R$ 3,35 ao final de 2017 e de R$ 3,50 ao final do ano que vem.  E ainda ao olhar para o cenário base, a LCA aponta que as expectativas inflacionárias para os próximos anos, que seguem apontando inflação abaixo do centro da meta atual, não deverão voltar a ficar sob pressão muito significativa. Assim, eles ressaltam que não há razão para que o Banco Central interrompa o ciclo de flexibilização monetária. “Assim, se uma intensificação no ritmo de redução do juro parece ter se tornado improvável, uma interrupção abrupta da distensão monetária parece até mais improvável”, vendo um corte de 1 ponto percentual na próxima reunião do Copom da semana que vem. 

Reformas passarão?

Em entrevista para a Bloomberg, Christopher Garman, cientista político da Eurasia Consultoria, em Nova York, destacou ser mais provável que surja um nome de consenso da própria base governista atual, que é majoritária no Congresso, o que significa que a agenda de reformas também seria preservada. Garman mantém a previsão de que as reformas trabalhista e previdenciária serão aprovadas, embora, diante do cenário mais desafiador, seja provável que haja mais “diluição”, sobretudo nas mudanças das aposentadorias. 

Consenso está em que a política econômica não seja modificada, ainda que não haja um nome natural e óbvio para o mercado, dentre os tantos cogitados para eventualmente suceder Temer, diz Carlos Kawall, economista do banco Safra. “Não se está discutindo um vácuo que nos levasse de volta a uma política populista. Crise é grande, mas as instituições funcionam e o Congresso está mantendo um mínimo de atividade na agenda.”

 Porém, as incertezas seguem bastante grandes. Enquanto alguns mostram otimismo, outros grandes nomes do mercado mostram ceticismo. Em palestra no “Value Investing Brasil”, Luiz Fernando Figueiredo, (sócio da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central entre 1999 e 2003) foi enfático ao dizer que “a confiança foi quebrada” com o mercado e que, caso Michel Temer não fique no cargo, dificilmente teremos uma nova equipe tão engajada como essa.

No entanto, ele fez uma ponderação bem importante: hoje temos muito mais consciência da necessidade de reformas, então, se não tiver Reforma da Previdência, vai ter que vir algo como aumento de impostos, tributação de dividendos, qualquer coisa que faça a conta fechar. Evoluímos muito nesse quesito, e isso não deve retroceder”, disse Figueiredo.

E, conforme destacam diversos analistas de mercado, é preciso que a crise seja resolvida rapidamente. Relatório da Goldman Sachs alerta que a manutenção de uma incerteza política ampla e de longa duração seria “altamente corrosiva” para os preços dos ativos e para a economia. Entre as consequências macroeconômicas, o banco cita o risco de a recuperação esperada ser interrompida e, no extremo, haveria um duplo mergulho na recessão.

Como investir nesse cenário?

Os investidores devem ficar de olho nesse cenário, que segue muito incerto e, com isso, o analista da XP Investimentos Marco Saravalle fez duas recomendações no programa XP Connection desta quarta-feira: não incorporar o pânico que tomou conta dos mercados na semana passada e nem tomar decisão drástica nos investimentos. 

Nesse ambiente de múltiplas possibilidades, Saravalle aponta que pode ser interessante aumentar o conservadorismo no curto prazo, aumentando exposição em empresas exportadoras, resilientes e/ou boas pagadoras de dividendos. Dentre as recomendações, nomes como Suzano, Fibria, Embraer e BRF podem ser opções interessantes. Confira abaixo:

 

(Com Bloomberg)

 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.