Guardian, NYT e Financial Times fazem coro sobre “potencial risco” da Lava Jato para o Brasil

Em reportagens desta semana, jornais apontam importância da operação, mas ressaltaram possíveis efeitos colaterais para a democracia do País

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Com a eclosão da delação da JBS, a crise política brasileira ganhou mais uma vez o noticiário internacional. Assim, durante a semana, jornais como os ingleses The Guardian e Financial Times e o americano The New York Times destacaram em suas páginas um histórico sobre a Operação Lava Jato e também uma análise sobre as suas consequências.

E, curiosamente, as reportagens das diferenças publicações seguiram a mesma linha. Eles apontaram a importância da luta do Brasil contra a corrupção, mas ressaltaram possíveis “efeitos colaterais” com a eclosão do sistema político em meio à deflagração da Lava Jato.

No último fim de semana, o NYT destacou a desestabilização da política nacional com o combate à corrupção, levando a um vácuo de poder a ser preenchido por lideranças populistas. De acordo com o jornal, este é um risco a ser enfrentado pelo Brasil agora.  

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Ao falar sobre esse cenário, o jornal traçou um paralelo do Brasil dos anos 2010 com a Itália dos anos 1990, apontando que o nosso País corre o risco de se aproximar cada vez mais do cenário italiano, quando a Operação Mãos Limpas levou a uma série de processos criminais que eliminou redes de corrupção, limpando o sistema político, mas gerou um efeito negativo. “Mas, no processo de fazer isso, o sistema partidário, que era a âncora do regime democrático no período pós-guerra, basicamente desmoronou”, segundo apontou ao jornal Ken Roberts, cientista político da Cornell University que estuda a América Latina.

“O que pode acabar acontecendo é um vácuo político preenchido por um outsider populista como [Silvio] Berlusconi”, apontou, em referência ao bilionário empresário que ocupou o cargo de primeiro-ministro durante nove anos no total. 

O Financial Times também aponta que o Brasil precisa de “mãos políticas limpas” para avançar em reformas como a trabalhista e a da Previdência e que manter Michel Temer pode ser mais prejudicial para que elas avancem do que o contrário. 

Segundo o jornal, ter dois presidentes derrubados em dois anos seria notável. Porém, os mercados estão resilientes. “Depois de uma onda inicial de vendas, a calma retornou. Na segunda-feira passada, a estatal brasileira de energia Petrobras emitiu US$ 4 bilhões em títulos, com a mais baixa taxa média oferecida pela empresa em quatro anos. O mercado de ações se estabilizou, assim como a moeda. O cálculo dos investidores é que quem quer que substitua Temer ‘não terá escolha’ a não ser continuar com as reformas. Quanto mais cedo ele cair, melhor”, afirma a publicação. 

Porém, o cenário que se aponta pode estar otimista demais.  Sim, o Brasil não está diante de uma crise financeira iminente e o investimento estrangeiro continua elevado. ” Mesmo assim, a probabilidade de uma recessão de duplo mergulho cresceu. Politicamente, o futuro está em aberto. O expurgo de políticos corruptos, de todo o espectro ideológico, é necessário. E os escândalos abalaram a reputação de todos os políticos. A percepção popular é a de que há uma elite mais interessada em escapar da cadeia do que em governar. É uma estrada perigosa que pode abrir caminho a oportunistas e populistas em 2018. Qualquer calma no mercado pode ser apenas temporária”, conclui, reforçando a tese do The New York Times. 

Por fim, está o The Guardian. Em uma longa reportagem em que narra o desenrolar da Operação Lava Jato, a publicação destaca que ela já é um marco, apesar de ainda estar longe de terminar. 

O ”Guardian” destaca que desde o princípio da operação, a mídia e a população brasileira se voltaram em críticas contra o PT, que estava no poder. “Mas a realidade era menos simples. Praticamente todos os grandes partidos estavam envolvidos na rede interconectada de corrupção desde governos anteriores”, aponta. Segundo a publicação, ”foi o Partido dos Trabalhadores que aprovou reformas judiciais que permitiram que a investigação prosseguisse. Não haveria Lava Jato se o governo não tivesse indicado, em 2013, um procurador geral independente”.

A reportagem ainda diz que essa reforma permitiu acordos de delação premiada, o que foi fundamental para o avanço da investigação e levou o juiz Sérgio Moro a virar um ícone da luta contra a corrupção no país.   ”Moro, um jovem e ambicioso juiz (…) tomou o passo incomum de negar a fiança aos ricos. (…) A pressão era sobre eles: fazer um acordo ou ficar na prisão”, diz o The Guardian, apontando que essa estratégia é contestada por alguns advogados de defesa. 

O The Guardian reforça o coro e afirma: apesar de revelar a amplitude da corrupção no Brasil e de buscar limpar o sistema político, a Lava Jato traz riscos para o futuro do país. Segundo o jornal, todo o sistema no país é frágil e ajuda a perpetuar escândalos como o atual. ”A cena política do Brasil é altamente vulnerável à corrupção. Com dezenas de partidos e eleições em três níveis (federal, estadual e municipal) em um dos maiores países do mundo, as campanhas são extremamente caras e é quase impossível para um único grupo político garantir a maioria. Chegar ao poder envolve conquistar eleições e pagar a outros partidos para formar coalizões, as quais exigem enormes somas de dinheiro”, ressalta.

O ”Guardian” faz críticas à operação e, apesar de dizer que o Brasil de fato precisava enfrentar a corrupção, aponta que a Lava Jato ajudou a derrubar o PT do governo para dar poder a uma administração tão contaminada quanto a anterior, mas menos disposta a promover a transparência e a independência judicial. 

Na avaliação final, a reportagem ainda fala: “O Brasil certamente precisava enfrentar a corrupção, que exacerbou a desigualdade e impediu o crescimento econômico. Mas a operação Lava Jato valeu a dor que causou? Ela ajudou a derrubar o PT, mas colocou, em seu lugar, uma administração tão manchada quanto a anterior, só que muito menos disposta a promover a transparência e a independência judicial”.

Assim, a análise do The Guardian corrobora a visão dos outros dois jornais. Eles apontam que é possível que a Lava Jato transformará o Brasil em um país mais justo. Porém, o risco é de que a operação abale a já frágil democracia brasileira, abrindo caminho para uma “teocracia evangélica de direita” ou um retorno das ditaduras. 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.