Governo tem que pagar indenização prévia se quer demarcar terras indígenas ocupadas, diz presidente da FPA

"Se o governo quer demarcar, o governo tem que saber que tem que pagar", disse o presidente da FPA

Reuters

Brasília (DF), 20/09/2023, Lideranças indígenas fazem passeata contra marco temporal na Esplanada dos Ministérios. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

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BRASÍLIA (Reuters) – Em reação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar a tese do marco temporal para a demarcação de territórios indígenas, a influente Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) vai atuar para que produtores rurais sejam indenizados previamente por eventuais desapropriações, medida que pode dificultar as demarcações e complicar os esforços fiscais do governo.

Essa é uma das principais estratégias da numerosa e articulada bancada do Congresso Nacional na discussão do tema, que coloca em disputa os direitos ancestrais de povos originários e o respeito ao direito à propriedade.

“Se o governo quer demarcar, o governo tem que saber que tem que pagar”, disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), em entrevista à Reuters.

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Ainda não há, segundo a FPA, uma estimativa precisa de quanto custaria à União demarcar cerca de 600 áreas em estudo atualmente. A avaliação do valor das terras, explica o presidente da bancada, passa por questões específicas e regionais, e também levaria em conta eventuais benfeitorias nas áreas.

Da parte do governo haveria, no entanto, uma estimativa aproximada, segundo uma fonte da FPA que acompanha as discussões, de que as indenizações podem chegar ao patamar de 1 trilhão de reais, o que atrapalharia os esforços do Executivo para manter suas contas em equilíbrio. Justamente por isso, disse a fonte, a estratégia de investir nas indenizações pode servir de “freio” para as demarcações de terras indígenas.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirmou em nota à Reuters que “ainda não dispõe de estimativas sobre o custo de eventual aprovação de proposta sobre indenizações pela terra nua”. Acrescentou ainda que o levantamento é uma das prioridades da pasta e que trabalha no diagnóstico, a ser divulgado quando concluído.

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O STF derrubou, na semana passada, a tese da adoção de 5 de outubro de 1988 — data de promulgação da Constituição Federal — como referência para a demarcação de terras indígenas. O plenário da corte ainda deve discutir, nesta semana, a modulação de votos e o formato das indenizações.

Independentemente da decisão do Supremo, a bancada da agropecuária atuará no Congresso pela aprovação de pelo menos três medidas legislativas sobre o tema. Uma delas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 132, trata justamente das indenizações a proprietários que tenham suas terras desapropriadas para a demarcação de territórios indígenas.

“Você tem que partir do princípio de que as pessoas… esse pessoal ocupou de boa-fé, recebeu áreas legalmente, tem esses títulos. Então não podem simplesmente ser expropriados”, defendeu Lupion.

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Para o deputado, há uma premissa para a negociação das indenizações: o pagamento precisa ocorrer antes da desocupação.

“No mínimo indenização prévia — prévia à desocupação. Recebeu o dinheiro, desocupa. Se não, vai entrar em títulos podres da dívida, vai entrar com um monte de ações judiciais, e vai acontecer o que acontece até hoje em inúmeras desapropriações que as pessoas, os produtores, não recebem, não são indenizados”, avaliou.

MEDIDAS NO CONGRESSO

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O debate sobre as indenizações esbarra ainda no chamado precedente do reconhecimento da ocupação irregular da área, em que o proprietário que aceitar a indenização estaria concordando com a ideia de que ocupava uma área irregular.

“A pessoa que ocupou de boa-fé não devia ter que sair da área. Essa que é a grande questão”, disse.

A PEC 132 tramita na Câmara e aguarda a instalação de uma comissão especial, que depende de toda uma articulação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes de bancadas.

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Segundo o presidente da bancada ruralista, Lira integrava “a turma do deixa disso”, e preferia não entrar na discussão de uma PEC sobre o tema, mas Lupion ainda iria colher uma impressão melhor do humor atual do presidente da Câmara sobre o assunto em uma nova conversa.

A segunda medida diz respeito a um projeto de lei que estabelece a data da promulgação da Constituição como marco temporal para a demarcação de terras indígenas, deixando claro que só serão consideradas áreas aptas aquelas em que ficar comprovada a ocupação por indígenas na data de 5 de outubro de 1988 — mesmo que o STF já tenha se pronunciado sobre o assunto.

O projeto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e está pautado para votação na manhã desta quarta-feira. A ideia do relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), é que possa ser aprovado um requerimento de urgência para que a matéria possa ser votada ainda na tarde desta quarta no plenário da Casa.

De acordo com Lupion, o projeto conta com quase 50 votos de senadores para ser aprovado em plenário. A bancada precisa articular e negociar, no entanto, para fazer andar a terceira medida selecionada para a batalha no Congresso: uma PEC, de número 48, que insere no texto da Constituição a data da promulgação como marco temporal.

Para o presidente da frente, nem seria necessária a aprovação de proposta nesse sentido, já que para ele e para muitos dos defensores do marco temporal, a Constituição já é clara ao afirmar que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, com atenção especial ao tempo verbal no presente, o que indicaria que o legislador original referia-se à data da promulgação da carta constitucional.

“Está escrito. Não é ‘terras a serem ocupadas, que ocuparão, que vierem a ser ocupadas’. São as que ‘ocupam’. Esse é o marco temporal”, afirmou.

Para aprovar as propostas, a bancada já se articula com outras frentes, independentemente do que a Suprema Corte já tenha decidido ou vá definir.

“Não muda absolutamente nada”, disse Lupion. “Se for haver qualquer tipo de contestação… é um outro julgamento, é um outro timing”, afirmou. “Enquanto isso a gente trabalha na PEC 132… e também na PEC 48.”