Governo e oposição, cada um de seu lado, agem para salvar o mandato de Eduardo Cunha

Enquanto isso, o ministro Joaquim Levy continua sua pregação pela aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso, principalmente do item da recriação da CPMF. Em vão, tudo indica: Cunha voltou a afirmar que o imposto do cheque não passa no legislativo de modo algum

José Marcio Mendonça

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Tal qual um cavaleiro solitário (ou um pregador no deserto), o ministro da Fazenda, Joaquim Levy esteve ontem na Câmara dos Deputados para tentar convencer os parlamentares da necessidade de aprovar o que ainda falta do ajuste fiscal, cujo sustentáculo no desenho atual é a recriação da CPMF, o imposto do cheque.

Levy chegou até a fazer um certo terrorismo dizendo que sem a CPMF programas importantes do ponto de vista social, como o seguro desemprego e o abono salarial, ficam sob risco e que um novo rebaixamento da nota soberana do Brasil ameaçaria os empregos no país.

Tudo indica que uma vã pregação.Enquanto Levy falava no plenário da Câmara, deputados empunhavam cartazes com dizeres tais como “Xô, CPMF”, esbanjando poses para câmaras fotográficas de olho no eleitorado. E contestavam abertamente o ministro. Por seu turno, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, reafirmava que o imposto do cheque “não tem a menor” chance de passar.

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Na verdade, a não ser por essas reações, provocadas pelos apelos do ministro da Fazenda, governo e oposição não estavam nem aí para os assuntos “maçantes” da economia – ajuste fiscal, cortes de gastos e tais. A preocupação de governistas e oposicionistas era bem outra: o discurso único de um provável processo de impeachment contra a presidente Dilma.

O governo em reuniões seguidas afinou sua estratégia para ganhar o beneplácito de Eduardo Cunha, que, apesar das decisões liminares do STF na terça-feira, ainda detém o poder de autorizar ou não a abertura de um processo de impedimento presidencial. O governo amplia também suas “armas de sedução” para acalmar e sedar os aliados.

 

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O político mais bajulado da República

Atendendo a um pedido do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, o vice-presidente Michel Temer, ainda um tanto ressabiado por se considerar escanteado em toda a movimentação política governista desde a reforma ministerial, convidou Cunha para um almoço no Palácio do Jaburu, testemunhado apenas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.

Segundo o irônico Cunha, foram falar sobre as comemorações do Dia das Crianças. Na realidade, estavam fechando um acordo: Cunha segura os pedidos de impeachment – ou simplesmente os manda para o arquivo – e o governo age no Conselho de Ética para barrar o pedido da cassação dele apresentado pelo PSOL e assinado por quase metade da bancada petista da Câmara.

O acerto só não estaria selado e sacramentado ainda porque um lado desconfia do outro e não quer entregar sua parte enquanto não receber a do oponente. Cunha inclusive tem dito a alguns fiéis que manter os pedidos de afastamento de Dilma sem despacho é o trunfo que ele ainda tem.

Na outra ponta, o governo age para não desagradar os partidos aliados. Por isso, adiou o início do corte de 3 mil cargos comissionados, prometido pela presidente Dilma Rousseff como parte da reforma administrativa do último pacote fiscal dos ministros econômicos, anunciado não faz nem um mês. É o ponto mais forte de uma economia nos gastos administrativos calculados em R$ 200 milhões em 2016.

Não teria sentido, na ótica que move o Planalto no momento, o governo fazer cortes de cargos quando está correndo para atender reivindicações de nomeações prometidas aos parceiros. Como compensação, anunciou-se ontem que somente poderão viajar de primeira classe nos aviões, com passagens pelo governo, a presidente e o vice.

De novo Dilma está utilizando os préstimos de Lula. O ex-presidente já está em Brasília desde ontem e age nos bastidores para acomodar o PT (ala do partido não ligada diretamente a ele assinou o pedido contra Cunha) e convencer todos os aliados a salvar o presidente da Câmara em nome da “governabilidade”. Hoje o ex-presidente tem encontro com Dilma.

Comenta-se que um dos preços que Cunha estaria cobrando do governo, além da preservação de seu mandato, seria a cabeça do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Cardozo também não está mais no agrado de Lula e de boa parte do PT. Os petistas que assinaram o documento do PSOL para o Conselho de Ética da Câmara são, na maioria, da ala do ministro no PT. Quem também está bombardeado por Lula (e o PT, e os sindicatos, e alguns movimentos sociais) é o ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

A oposição tenta o mesmo “jogo de sedução” para cima do presidente da Câmara, garantindo-lhe apoio para a manutenção do mandato. Cunha naturalmente está jogando nos dois campos, porém a tendência é que ele, quando se achar seguro, opte pelo lado governista, que tem apelos muito mais atraentes que os dos oposicionistas. Mas Cunha ainda vai manobrar um pouco mais antes de se definir.

É isso o que torna o presidente da Câmara, apesar de todas as denúncias que pesam sobre ele, com provas cabais, o político mais bajulado da República agora. Dilma e a oposição, no aguardo dos caprichos de Cunha, dedicam-se a um verdadeiro “Fla-Flu” (ou Corinthians e Palmeiras”) verbal para ver que mais moral para falar mal do outro.

Por tudo isso – e como o tempo está ficando cada vez mais escasso para o Congresso resolver as questões pendentes do ajuste fiscal – cresce a certeza de que o ministro Joaquim Levy, para garantir o superávit primário que ele descobriu necessário para evitar outro rebaixamento da nota de crédito do Brasil, vai apelar para as armas de ajuste que independem do Congresso: aumentar a Cide, o imposto dos combustáveis, o IOF e algum outro tributo específico.

Outros destaques dos

jornais do dia

– Petrobras desiste de abrir capital da BR Distribuidora” (Globo)

– “Petrobras prepara cortes no comando” (Estadão)

– “Governo tenta acordo para pagar pedaladas” (Estadão)

– Banco Central aprova título rural em dólares (Valor)

– “CGU vê irregularidades em 50% das concessões de auxílio-doença” (Estadão)

– “Varejo deve ter o pior resultado em 15 anos” (Estado/Folha/Globo)

– “Alugueis têm em setembro maior queda em sete anos” (Globo)

– “Alckmin impõe sigilo para 26 assuntos da PM” (Estadão)

LEITURAS SUGERIDAS

  1. Eugenio Bucci – “Água secretas” (diz que de acordo com a Sabesp transparência faz mal à saúde e que para compensar a crise hídrica o melhor remédio é a crise informativa” – Estadão
  2. Editorial – “A voz do STF” (diz que Supremo cumpre importante papel ao garantir que não pairem dúvidas sobre a legalidade de um eventual processo de impeachment) – Folha 
  3.