Fundão eleitoral e saneamento abrem novo risco de confronto no Congresso

Na última semana antes do recesso parlamentar, deputados e senadores devem medir força no plenário

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A última semana de trabalhos no Congresso Nacional em 2019 pode ser marcada por mais um capítulo da disputa entre Câmara dos Deputados e Senado Federal. Desta vez, dois eventos prometem acirrar os ânimos entre os parlamentares: a votação do orçamento para o ano seguinte e os próximos passos do projeto de lei que trata da novo marco do saneamento básico.

Os congressistas se reúnem nesta terça-feira (17) para votar o Orçamento da União de 2020, que será impositivo. Um dos pontos em aberto na discussão do texto é o valor a ser destinado para o fundo eleitoral. Deputados tentaram articular um valor de R$ 3,8 bilhões. Mas a ameaça do presidente Jair Bolsonaro de vetar o ponto fez com que o relator do texto, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) recuasse e passasse a investir em um entendimento em torno de valores menores.

Esta será a primeira eleição em nível municipal sem possibilidade de financiamento empresarial de campanhas e por isso algumas lideranças buscam garantir recursos a seus candidatos. As candidaturas agora terão de contar com recursos públicos dos fundos partidário e eleitoral e de doações de pessoas físicas. No ano passado, foi destinado R$ 1,7 bilhão a candidatos pelo fundo eleitoral.

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O episódio deve colocar novamente em pontas opostas o “centrão”, um dos grupos mais influentes da Câmara dos Deputados, e o chamado “Muda, Senado”, ala que ganhou força em pautas como a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar práticas cometidas por membros de tribunais superiores.

De um lado, o “centrão” conta com um peso maior no parlamento para fazer valer suas posições. Do outro, o grupo “Muda, Senado” conta com apoio maior da opinião pública para tentar frear uma elevação muito expressiva do tamanho do fundo eleitoral no próximo orçamento.

“Apesar da força do Centrão, por se tratar de votações conjuntas nas quais deputados e senadores votam na mesma sessão os votos do Muda Senado têm sido decisivos nessas deliberações, ainda que esse grupo não seja majoritário”, observam os analistas da consultoria Arko Advice.

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“Caso não se chegue a um acordo até terça, um novo embate deverá ocorrer com a apresentação de um destaque para a votação nominal do dispositivo referente ao fundo. A depender do quórum na sessão, ela poderá ser derrubada e a deliberação da proposta adiada para 2020”, alertam em relatório a clientes.

O confronto entre os dois grupos sintetiza a disputa por protagonismo entre as casas legislativas, intensificada neste ano em meio à percepção de menor capacidade de o governo Jair Bolsonaro controlar a agenda legislativa.

A queda de braço entre as casas foi observada em episódios como a votação do veto presidencial ao retorno da propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão (em que o grupo de senadores levou a melhor), no debate sobre a prisão em segunda instância e na própria discussão sobre a reforma tributária.

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No caso do marco legal do saneamento básico, uma “manobra” dos deputados gerou incômodo. Em vez de votarem o texto advindo do Senado Federal, relatado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), os deputados decidiram votar uma versão de autoria do Poder Executivo. Desta forma, eles garantiram a possibilidade de decidirem sobre eventuais alterações que sejam feitas pelos senadores na próxima etapa da tramitação do projeto.

Leia também: O que esperar do marco legal do saneamento após a “manobra” da Câmara?

Para Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, “os deputados puxaram o tapete do Senado” e as consequências disso ainda terão de ser monitoradas. Segundo ele, a relação entre Câmara e Senado tem sido conturbada neste ano, com as casas disputando a primazia em assuntos relevantes da agenda legislativa.

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“Tendo em vista esse ambiente já meio crispado, é provável que a manobra feita pela Câmara contamine a passagem do novo marco regulatório pelo Senado. Na pior das hipóteses, os senadores colocarão o projeto na gaveta por tempo indefinido. Na melhor, o engavetamento durará pouco. E não é despropositado pensar que o Senado pode replicar a manobra feita na Câmara. Isto é, pode deixar de lado o projeto da Câmara e recomeçar o processo a partir de uma proposta que tenha origem no Senado. Seja qual for a reação, é possível dizer a aprovação final do projeto tende demorar mais”, complementa.

Uma das consequências já estimadas para o movimento é um atraso na tramitação do texto, que terá de voltar para análise dos senadores, mesmo que estes não decidam travar seu andamento.

“Deputados reclamaram nos últimos dias que os senadores não cumpriram alguns acordos”, pontuam os analistas da Eurasia Group. “Deputados devem ter feito esse movimento na reforma do saneamento básico em meio ao medo de que os senadores pudessem posteriormente diluírem a proposta em meio à pressão de governadores de estados nordestinos”.

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Apesar de terem maior controle sobre o texto final e evitarem riscos de desidratações (como ocorreu inicialmente durante a discussão do assunto pelos senadores), os deputados ampliam os riscos de acirramento dos ânimos. Mas uma reversão na tendência de aprovação do marco do saneamento não é o cenário-base dos analistas.

“A natureza do Senado é ser uma casa revisora. Saneamento é agenda de Estado e já está sendo entendida como tal, muito mais até que de governo ou do senador X ou deputado Y. Pensar que questões regimentais sobre a ‘última palavra’ terão potencial para travar o assunto é polemismo desproporcional”, avalia Michel Neil, cientista político e sócio-diretor da Patri Políticas Públicas.

A aposta do analista é que as diferenças serão contornadas pelas lideranças das duas casas e que o assunto deve ser prioridade na pauta do Senado Federal logo na volta do recesso parlamentar, em fevereiro.

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Somente neste ano, a Patri levantou 162 discursos e 263 manifestações em redes sociais de 42 senadores sobre o assunto. Quase a totalidade delas apontou para a necessidade do aprimoramento do marco regulatório.

“O consenso é tamanho que nem teve votação nominal em Plenário na época do texto do senador Jereissati e com apenas sete senadores manifestando posicionamento contrário em um quórum de 63 no dia da votação”, ressalta Neil. Mesmo assim, os analistas estão de olhos bem abertos com o que ainda pode acontecer.

Independentemente do desfecho destes episódios, a tendência é que o clima de disputa entre deputados e senadores persista, dada a percepção de limitações do governo em pautar a conduzir o processo político.

De um lado, senadores reclamam do protagonismo assumido pelos deputados no debate de medidas provisórias, que chegavam para análise muito perto de caducarem. Do outro, deputados não escondem o incômodo com o fato de o governo ter escolhido o Senado para iniciar a análise do pacote Mais Brasil.

Assim, além de uma série de propostas pendentes de apresentação pelo governo ou análise pelo parlamento, o confronto entre as casas parece ser outro legado incômodo de deste ano para o próximo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.