FT: “Inédita” disputa EUA-Brasil deve se agravar com exigência “impossível” de Trump

Em longa análise, jornal britânico explica que condição imposta pelos EUA para negociar tarifas, ligada ao julgamento de Bolsonaro, está fora das mãos de Lula - e que a iminente condenação do ex-presidente deve fazer o cenário piorar

Paulo Barros

(Foto: Reprodução/Financial Times)
(Foto: Reprodução/Financial Times)

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A disputa aberta entre Washington e Brasília, iniciada com o tarifaço de 50% imposto pelos EUA sobre produtos brasileiros, “não é apenas mais uma guerra comercial” e está “profundamente moldada pelo destino de um só homem” , o ex-presidente Jair Bolsonaro, e por isso tende a se agravar, avalia o Financial Times em longa reportagem publicada nesta terça-feira (12).

Segundo o jornal britânico, o embate é “a pior crise em 200 anos de relações bilaterais”, pois Trump não apenas subiu tarifas, mas também exigiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) interrompesse o julgamento de Bolsonaro, “uma demanda política que é impossível atender”, pois Lula “não tem poder para parar o julgamento, mesmo que quisesse, e vê vantagem política doméstica em enfrentar Washington”.

O FT detalha que Bolsonaro está sendo julgado pela acusação de ter tramado um golpe militar para permanecer no poder após perder as eleições de 2022 e que as acusações incluem “participação em um plano para assassinar Lula” e “comandar uma insurreição em massa em Brasília”.

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O jornal lembra que o Ministério Público e a Polícia Federal afirmam ter “abundantes evidências” contra o ex-presidente, como depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas, a minuta do decreto para intervenção militar encontrado na casa de seu ex-ministro da Justiça, e que o próprio Bolsonaro admitiu em depoimento ter tido conversas sobre “cenários alternativos” para evitar a posse de Lula.

Para o Financial Times, esse julgamento toca um ponto sensível para ministros do STF “velhos o suficiente para lembrar a brutalidade da última ditadura militar do país”. Amigos dos magistrados, diz o jornal, afirmam que eles “estão convencidos de que o julgamento deve ser concluído com sucesso para provar que as jovens instituições democráticas do Brasil podem entregar justiça, mesmo nas condições mais desafiadoras”.

A reportagem também aponta que o atrito vai além do caso Bolsonaro. Trump quer que o STF reverta regulações duras sobre big techs e se queixa de práticas comerciais injustas, apesar de dados do próprio governo americano mostrarem superávit de US$ 7,4 bilhões para os EUA no comércio com o Brasil em 2024. Apesar disso, disse o FT, Washington suspendeu vistos de oito ministros do Supremo e aplicou sanções financeiras contra Alexandre de Moraes, “usando legislação reservada a graves violadores de direitos humanos”.

A publicação ressalta que as tarifas vieram com diversas exceções, mas que o tarifaço, somado ao peso crescente da China como principal parceiro comercial, explica por que Lula tem resistido e buscado reforço no BRICS. O presidente conversou nos últimos dias com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, com o presidente russo, Vladimir Putin e, na noite de segunda-feira (11), com o presidente da China, Xi Jinping.

O jornal também destaca o efeito interno do embate, com Lula explorando a crise para reforçar uma imagem de “patriota defendendo a soberania nacional de interferências americanas”, enquanto parte do agronegócio, tradicionalmente próximo de Bolsonaro, critica os impactos econômicos das ações dele e de seu filho Eduardo, que nos EUA fez lobby para que Trump sancionasse ministros do STF.

Por outro lado, Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, disse ao jornal que Lula desafiar o presidente dos EUA “não vai funcionar bem para o povo brasileiro”.

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Com o julgamento de Bolsonaro se aproximando do fim, o FT avalia que “tudo sugere que Bolsonaro será considerado culpado” e que isso pode levar Trump a “intensificar a pressão sobre o Brasil”, mantendo a disputa sem solução à vista.

Paulo Barros

Jornalista, editor de Hard News no InfoMoney. Escreve principalmente sobre economia e investimentos, além de internacional (correspondente baseado em Lisboa)