Fraco na política, forte na mídia: analista político explica o fenômeno Donald Trump

Na reta final das eleições norte-americana, o candidato republicano segue forte na disputa para ser o novo presidente dos EUA

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Falta menos de um mês para a eleição nos Estados Unidos e o mundo ainda tenta entender como Donald Trump consegue ter tanta força neste processo. Para explicar melhor como anda o cenário eleitoral norte-americano, a Rio Bravo fez uma entrevista com o pesquisador e professor de Relações Internacionais na PUC e na FAAP, Carlo Gustavo Teixeira.

Ele fala a respeito das eleições norte-americanas, destacando o protagonismo que Donald Trump tem alcançado ao longo da campanha para a Casa Branca. A surpresa, ressalta o entrevistado, se deve ao fato de que o processo eleitoral dos EUA foi pensado pelos “Pais Fundadores” para evitar que candidatos como Donald Trump chegassem ao poder.

Ao buscar as razões que explicam a ascensão de Trump, Teixeira aponta para um sentimento antiglobalização, numa escalada retórica que pode ser comparada à decisão que marcou a saída do Reino Unido da União Europeia. “A teoria política clássica nos diz que, se você quer ganhar uma eleição majoritária, é preciso caminhar para o centro. Só que agora as pessoas estão se afastando do centro e indo para os extremos”.

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Carlos Gustavo Teixeira é autor do livro “Brazil, the United States and the South American Subsystem”, considerado pela revista “Foreign Affairs” como uma das melhores obras de Relações Internacionais de 2012. Confira a entrevista completa abaixo:

Rio Bravo – A candidatura de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano não mereceu tanta atenção dos analistas políticos ou mesmo da cobertura jornalística especializada no início. Ainda assim, ele superou todas essas adversidades e esmagou seus concorrentes. Na sua avaliação, como é que um partido com tanta força como o Partido Republicano foi superado pelo Donald Trump?

Carlos Teixeira – Eu me incluo entre esses analistas que não acreditavam que o Trump chegaria onde chegou. Por uma razão muito simples. Tudo o que a gente conhece de política externa americana sobre o processo eleitoral do Estados Unidos, o processo doméstico de eleição do presidente norte-americano, o processo foi feito, foi pensado lá pelos fundadores justamente para evitar que alguém como Donald Trump chegasse à Presidência da República. A questão do colégio eleitoral, todo esse sistema foi pensado para evitar que algum tipo como o Donald Trump chegasse à Presidência.

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Então, portanto, as regras todas que nós conhecíamos sobre eleições norte-americanas nos diziam para não nos preocuparmos com Donald Trump. Então estamos aí diante de um fenômeno absolutamente novo, que demanda estudos e sobre o qual só temos ainda respostas provisórias. A gente vai, talvez, aqui na nossa conversa, tentar explorar um pouco algumas dessas respostas provisórias.

Ele é um candidato totalmente fora do establishment. Ele é um candidato que não tem o apoio de nenhum republicano relevante, nenhum dos ex-presidentes republicanos vivos… Aliás, nenhum dos ex-presidentes vivos norte-americanos apoia Donald Trump. Ele não tem uma aderência na elite do Partido Republicano. Ele não é um candidato conservador. Ele não é um candidato a favor do livre comércio. Ainda precisamos analisar isso com mais cuidado, mas talvez um dos primeiros candidatos há muito tempo no Partido Republicano que tem uma retórica anti-livre comércio.

Então é um fenômeno absolutamente novo que está em busca de explicação. Explicações que nós temos por aí levam a uma série… Claro que um fenômeno como esse só pode ser explicado por uma série de fatores. Multiplicidade, um encontro de fatores econômicos, sociais e até tecnológicos. Acho que é uma mudança na forma como as pessoas se relacionam, como as pessoas conversam sobre política, que deriva da tecnologia, redes sociais etc. e que faz com que ou que de alguma forma facilita a ascensão de pessoas como o Donald Trump.

Como é que a gente media antigamente a chance de um candidato democrata ou republicano chegar à Presidência? Tinha uma série de medidas, dentre elas, claro, a popularidade, mas também a aderência no partido, quanto que ele estava arrecadando de dinheiro. Em todas essas dimensões, o Donald Trump não ia bem exceto pela dimensão que ele era um candidato casualmente popular. Então o que mostrou essa ascensão de Trump é que o candidato não precisa mais ter a chancela da elite do Partido Republicano ou de qualquer partido para se tornar presidente. Ele consegue uma mídia muito fácil sem ter que pagar por essa mídia. A campanha do Trump é desorganizada. Todo mundo percebe que é uma campanha desorganizada. É uma campanha com pouco financiamento, muito financiamento vem do próprio dinheiro dele.

A campanha da Hillary Clinton é muito mais rica do que a campanha do Donald Trump. No entanto, antigamente você comprar espaço na televisão era uma forma muito eficaz de conseguir se comunicar com o eleitor. Hoje tem outras formas de se comunicar. Há uma medida que demonstrou que durante as primárias republicanas, a quantidade de atenção que o Trump recebeu da imprensa foi muito maior do que todos os outros candidatos republicanos combinados.

Mas assim de longe. Ele teve uma mídia gratuita só por falar barbaridades. Então, isso ajudou a alavancar a candidatura dele. Há uma percepção em algumas, quer dizer, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, de que mudanças econômicas que derivam, por exemplo, da imigração, que derivam de mudanças tecnológicas… Quem são as pessoas que são particularmente afetadas pela globalização? São aqueles indivíduos que têm baixa escolaridade, que trabalham em empregos que são facilmente substituíveis ou por máquina ou por imigrantes e que se sentem de alguma forma pressionados por esses processos que são associados à globalização.

Globalização muitas vezes significa, para esse sujeito, a troca do seu emprego ou para um imigrante ou para uma máquina. Ou mandando empregos para a China, para o México ou para outro lugar que não nos Estados Unidos ou na Europa. Então se a pessoa vê seu emprego ameaçado, vê suas condições ameaçadas, e procura alguém que tem uma retórica e que diz que vai proteger esses empregos, vai proteger essa pessoa. Isso tende a fazer com que as pessoas tendam a olhar para pessoas como líderes com retóricas similares à retórica do Donald Trump.

Por outro lado, há outro fenômeno que é um certo desgaste e uma banalização do politicamente correto. Talvez tenha atingido níveis muito absurdos. Quer dizer, as pessoas se sentem muito, talvez, um pouco silenciadas em alguns discursos. Tem coisas que de fato devem ser controladas, mas há uma percepção de que há uma certa banalização do politicamente correto. Você não pode mais chamar uma pessoa de anão.

Você tem que chamar de… Enfim, isso agora é ofensivo. Há 10, 15 anos atrás… Então há um limite do discurso permitido e isso leva, por um lado, uma contrarreação que é o extremo. Então o cara como Trump que fala algumas coisas que estão na cabeça dessas pessoas, que se veem na sociedade abafadas, porque elas não podem falar isso na sociedade porque pega mal, e vem alguém como um líder político falando essas coisas, ela se vê de alguma forma representada. E aí ela acaba até perpassando por algumas outras barbaridades que ele fala.

Quando se pergunta a alguém por que ele vota no Trump, a pessoa não vai falar assim: “Ah, porque ele defende uma determinada política”. Vai falar: “Ah, porque ele é um cara que fala o que pensa”. Você pegar o voto do eleitor é uma coisa muito complexa. Então acaba que essa noção de que não existe mídia ruim, o importante é estar na mídia, ele acaba conseguindo isso. Muita gente vai falar contra o Trump, naturalmente esse processo de demonização do Donald Trump leva as pessoas a quererem defender.

Juntando essas duas coisas, essas mudanças econômicas, banalização do politicamente correto, mudanças em termos de como as pessoas se relacionam e na forma de fazer campanha, esses são alguns dos elementos que, creio, ajudam a entender um pouco a ascensão do Trump, que também tem a ver com o fato de que ele tem um linguajar muito infantil, o que antigamente talvez fosse um problema quando você tinha as elites dos diferentes partidos controlando o processo eleitoral.

Agora você tem sujeitos e sempre se soube que o eleitor médio não acompanha muito a política todos os dias, não têm a percepção que têm os analistas políticos. Então, a questão é que esses analistas políticos que têm a percepção um pouco mais sofisticada parece que estão se tornando dispensáveis. Isso é uma questão muito associada ao populismo, que é essa interlocução direta com o povo, com as massas.

RB – A candidatura do Barack Obama, em 2008, não fazia exatamente essa interlocução com as massas também?

CT – É um fenômeno diferente, mas similar em algum sentido, porque tanto Barack Obama quanto Trump, e talvez é um outro elemento que ainda não comentamos, há um desgaste com a política, com establishment. As pessoas estão em busca de algo novo, qualquer que seja esse novo, por fora da política. A ideia de uma política e o processo democrático particularmente atingiram alguns limites.

Há busca por algo de fora do establishment. Barack Obama já se vendia como de fora do establishment, não sou alguém de Washington. “Eu sou de fora de Washington, vou fazer diferente”. Ele já vem nessa onda do início de uma certa rejeição ao establishment político. O Trump seria isso elevado à décima potência. Alguém que não é tão de fora. Quando você vai ver, de fato, o Donald Trump, ele não é nada de fora. Ele é muito íntimo dos corredores de Washington.

RB – Em outras eleições, como 2000 ou mesmo 2008, a divisão política era de natureza partidária, acentuando as diferenças entre conservadores e liberais. Você já disse que Trump não pode ser considerado candidato conservador. A ascensão dele como ator político vai ter consequências diretas para representação política nos Estados Unidos a médio e longo prazos?

CT – Claro, não nos interessa tanto aqui discutir a figura do Trump, mas interessa discutir ou entender o que levou à ascensão do fenômeno Trumpismo, digamos assim. O Barack Obama e Trump são produtos de alguns fenômenos semelhantes, como, por exemplo, essa busca por alguém de fora do establishment político.

Tivemos do lado do Partido Democrata. A Hillary Clinton teve uma eleição difícil nas primárias com o Sanders. O Sanders é um candidato de fora, digamos assim, daquilo que é aceitável do ponto de vista do discurso político norte-americano. Há poucos anos, alguém que se dizia abertamente socialista jamais seria considerado um candidato viável para um grande partido americano, nem mesmo no Partido Democrata. E o Sanders foi muito bem, o que obrigou a Hillary Clinton a ir um pouco mais para a esquerda, o que obrigou Hillary Clinton a também defender pautas antiglobalizantes.

O Sanders era muito claro. Uma das frases que ele dizia muito era: Há uma onda de globalismo que nós temos que deter. Então era antiglobalização. O discurso do Sanders é muito similar ao discurso do Trump. Eu senti que aqui também é antiglobalização. A pessoa que se sente ameaçada pela globalização está ameaçada pelo imigrante e pela máquina. O Sanders critica a máquina, o Trump critica o imigrante, mas no fundo estão tratando do mesmo fenômeno.

Talvez, mais para frente desapareçam um pouco essas diferenças ideológicas. Está acontecendo de fato que o meio está desaparecendo. Então algumas nuances passam a ir mais para os extremos. A teoria política clássica nos diz que se você quer ganhar uma eleição majoritária, você precisa caminhar para o centro. Parece que o centro está se achatando e os extremos estão crescendo. Então parece que o que está acontecendo é o contrário do que diz a teoria política. As pessoas estão se afastando do centro e indo para os extremos. Não sei que mundo vai ser esse, como é que a democracia se sustenta quando isso acontecer.

RB – Há quem faça a seguinte comparação. Donald Trump está para 2016 assim como Ronald Reagan esteve para 1980. Quais são as diferenças?

CT – Eu já ouvi essa comparação. Acho até absolutamente nada a ver uma coisa com a outra. Primeiro, o Reagan não era um outsider. Ex-governador da Califórnia. Digamos, tinha habilidades midiáticas. Era alguém considerado não muito sofisticado do ponto de vista intelectual. Talvez daí haja algumas semelhanças com o Donald Trump. Mas certamente não era alguém de fora do establishment, certamente era alguém que defendia políticas conservadoras clássicas.

Na verdade, o Reagan hoje, para o Trump, seria chamado de um democrata, digamos assim, porque as políticas que o Reagan defende são absolutamente opostas das que o Trump defende. Tanto na imigração, tanto na questão do livre comércio, tanto na questão de política externa e muitas questões de política doméstica também. Na verdade, não vejo semelhanças. Pelo contrário, acho que a vitória do Reagan significou uma renovação do Partido Republicano, e a vitória ou derrota do Trump vai significar… A ascensão do Trump, na verdade, significa a aniquilação. O Partido Republicano, de alguma forma, vai virar alguma outra coisa.

RB – E há quem diga que o Partido Republicano também é culpado pela ascensão do Trump por conta do neoconservadorismo. Você estudou o neoconservadorismo norte-americano na sua pesquisa academia. Como é que esses dois pontos entram em contato ou eles não entram em contato de modo algum? O conservadorismo e a ascensão do Trump.

CT – É curioso, porque se você for verificar os neoconservadores… Por exemplo, o Robert Kagan, famoso neoconservador, está apoiando a Hillary Clinton. Vários neoconservadores estão apoiando a Hillary Clinton, bem como várias pessoas que trabalhavam na administração do Bush, ex-agentes ou ex-oficiais, estão apoiando também a Hillary Clinton.

Então é curioso que, do ponto de vista de política externa, por exemplo, os neoconservadores defendem uma política externa muito ativa, mais intervencionista, que tem mais a ver, comparando Hillary Clinton com Donald Trump, mais próximo com o que ela defende. Em termos de avançar mais os Estados Unidos do ponto de vista dos seus interesses globais. O Donald Trump defende se fechar.

Isso, para os neoconservadores, é um problema. Os neoconservadores também não têm nada do ponto de vista político de conservador. Aliás, o nome neoconservador vem do fato de que eles eram liberais que viraram conservadores. Eram ex-liberais, por isso são neoconservadores. Não é uma releitura dos conservadores. É uma releitura do próprio liberalismo e os liberais, de forma pejorativa, lançaram essa denominação de neoconservador para esses que não só eram liberais, como eram da extrema esquerda, digamos assim.

Eu não vejo nenhum neoconservador relevante, importante, muito entusiasmado como Trump. Alguns defendem, porque, com o tempo, os neoconservadores foram se alocando dentro do Partido Republicano e por uma questão de fidelidade partidária defendem o Trump, mas sem entusiasmo. Eu não vejo neoconservadores de peso de forma entusiasmada defendendo o Trump, e vejo, sim, alguns se debandando para o campo da Hillary Clinton.

RB – Em termos de política externa norte-americana, o que a eventual eleição de Hillary Clinton representaria para os desafios dos Estados Unidos em termos de comércio internacional e mesmo de terrorismo?

CT – É uma pergunta muito difícil de responder, porque imagina você perguntando isso para alguém em agosto de 2000 dizendo que significaria a política externa no governo George W. Bush. Em agosto de 2000, George Bush estava criticando o Bill Clinton por ser muito intervencionista. Ele dizia que ia buscar, nas palavras dele, uma política externa humilde. Ele queria que os Estados Unidos deviam parar com essa coisa de nation building, intervenção na Bósnia etc. E aí, um ano depois, particularmente após o 11 de Setembro, tem uma virada completa na política externa do George Bush.

Então é muito difícil prever essas coisas. O que a gente pode entender… Ao mesmo tempo, a política externa do Obama, particularmente o primeiro governo do Obama, guarda muitas similaridades do final da política externa do George Bush. Não é a toa que o Obama manteve, inclusive, o mesmo secretário de defesa do Bush. Então, há uma continuidade muito grande na política social norte-americana que eu acho que com a Hillary Clinton deve permanecer com algumas nuances.

RB – Em termos de conjuntura internacional, existe um paralelo entre a ascensão do Trump e a saída do Reino Unido da União Europeia, há alguns meses?

CT – Acho que existe. Acho que isso tem a ver com esse processo, que é uma ascensão de um certo populismo, que é uma perda de controle por parte das elites. As elites, que são contrárias ao Donald Trump, elas eram contrárias à saída do Reino Unido da União Europeia e há essa revolta contra o que as elites dizem para, digamos assim, o povo fazer. Acho que tem a ver com esse mesmo fenômeno, de ascensão de um certo neopopulismo, que ainda temos que entender que é independentemente se de esquerda ou de direita. Ele pode ir de um lado para o outro.

Na verdade, talvez os líderes bem sucedidos do século 21 sejam aqueles que saibam como se aproveitar desse processo neopopulista, como lidar com essas novas forças. Então acho que tem uma semelhança, sim. Acho que faz parte de alguma forma do mesmo fenômeno global, que é antielitista e antiglobalizante. É meio essa coisa da volta dos muros, um pouco a retórica dos muros fechados. Vamos ver aonde isso vai desembocar.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.